O Orçamento foi aprovado na generalidade. Está à espera de surpresas na especialidade?
O principal mérito deste Orçamento é ser de continuidade, não corporiza uma revolução ou uma visão messiânica que alguns podiam ter, reflete um amplo consenso de evolução, de progresso e não de revolução. Poderia ter havido a tentação de ser feito algo bastante diferente.
Esta continuidade não terá sido forçada por o Governo estar em minoria?Acho que é genuíno porque no essencial o arco da governabilidade tem muitos consensos. Não estou a dizer que este é o melhor Orçamento, mas para quem trabalha, paga impostos, se esforça, procura a progressão profissional, o documento, pela primeira vez nos últimos anos, dá sinais positivos. Quais são os aspetos positivos? Primeiro, por ser de continuidade, não destrói e não recomeça de novo porque não é esse o mandato que os portugueses queriam. E quais são os aspetos verdadeiramente distintivos e que temos de louvar? Atualiza os escalões do IRS em linha com a inflação esperada e ganhos de produtividade. É a primeira vez nos últimos seis anos em que isso acontece. Parece que, finalmente, houve o consenso que as atualizações dos escalões estão sujeitos à taxa de inflação. Isto é um ganho civilizacional. Segundo, devolve à sociedade civil, aos corpos intermédios uma parte daquilo que deve ser o nosso dever de solidariedade, de entreajuda e de praticar o bem ao possibilitar que a consignação do IRS e do IVA seja majorada até 1% das verbas que potencialmente a sociedade põe à disposição das IPSS, das Misericórdias, das fundações, etc. Fico muito contente por se apoiar de forma tão decisiva o setor social que cria emprego, beneficia pessoas e impacta quase 15% da população portuguesa. Depois há muita conversa em torno do IRC, enquanto sindicato, temos uma posição clara: tudo a favor do trabalho e nada contra ninguém. Mas, de facto, é muito mais importante desonerar as famílias do que propriamente desonerar as taxas marginais de IRC, principalmente quando a esmagadora maioria das empresas paga pouco ou nada.
A banca continuará a ser penalizada com o imposto extraordinário, mas também seria de estranhar que fosse beneficiada quando os cinco maiores bancos lucraram até setembro 14 milhões por dia…
O setor é absurdamente penalizado, não serei eu, com certeza, o melhor defensor dos acionistas da banca. Ainda assim, enquanto cidadão, o que me parece é que se está a diabolizar um setor. É estranho, é bizarro que contribuições sobre setores que tenham sido impostas em condições muito específicas, nomeadamente em torno de uma alegada solidariedade em tempos de covid incidam sobre três setores que hoje não são beneficiários de coisa alguma. Manter esta contribuição sobre a banca é completamente desprovida de sentido. Os bancos são das poucas empresas que pagam de forma significativa IRC, mais uma contribuição extraordinária para o Fundo de Resolução e um adicional de solidariedade. O grosso dos bancos são multinacionais de dimensão significativa e estas taxas e sobretaxas e adicionais, no limite, são pagas de forma direta e indireta pelos trabalhadores do setor e pelos clientes. No setor financeiro há uma tripla penalização. Isto é absolutamente bizarro e a diabolização que se faz do setor não ajuda nada. As médias históricas de rendibilidade da última década são absolutamente inequívocas. É muito melhor alguém ter investido 100 euros no retalho alimentar, nas energias, nas tecnologias ou praticamente em todos os setores, com exceção dos media, do que o ter feito na banca. Isso faz com que os bancos em Portugal e globalmente em toda a Europa tenham uma capitalização bolsista inferior ao valor inscrito nos balanços e é sinal que os investidores não acreditam que os bancos consigam valer o que têm inscrito nos balanços. Continuar a introduzir distorções, penalizando a rendibilidade de um setor que, em Portugal, tem rendibilidades inferiores a qualquer negócio de restauração também me parece estranho.
Foi revelado que a banca nacional deverá registar das maiores quebras na margem financeira a nível europeu…
Isto tem de ser visto numa perspetiva de quatro, cinco anos, mas nos últimos quatro, cinco anos, a rentabilidade do setor financeiro na Europa tem sido três vezes mais baixa do que nos Estados Unidos, fruto de taxas anormalmente baixas impostas pelo Banco Central Europeu. Cem euros de investimento a comprar ações de bancos norte-americanos deram três vezes mais retorno do que fazê-lo na Europa, e Portugal, como país periférico, as rendibilidades ainda são mais baixas devido ao nível de rivalidade demasiado intensa no mercado. Aliás, é um mercado bastante peculiar, longe de mim querer interferir nas decisões, mas o Tribunal da Concorrência concluiu que a prática de troca de informações entre os bancos não prejudicou os consumidores e, ainda assim, pretende impor multas. Há claramente uma falta de cultura económica. Os bancos em Portugal praticavam spreads de 0,3% e 0,4% no crédito à habitação, quando em Espanha era de 1,2% e 1,5%. Isso revela que a troca de informações no mercado provocou uma aceleração da guerra de preços que beneficiam, em última instância, os consumidores. É um setor fustigado por todos os lados, mas também reflete um pouco a visão da sociedade que é quando alguém tem lucros ou ganha mais do que a mediocridade deve ser taxado de forma desproporcionada.
Falou nas medidas do Orçamento. O Governo deveria avançar com medidas, nomeadamente a isenção de impostos, para aumentar a taxa de poupança?
Sim e não. Sim se estivermos a falar de poupança de longo prazo, o que chamamos de planos poupança reforma, ou seja, tudo o que for poupanças que visam complementar e eventualmente até substituir num caso ou noutro os níveis de reforma que serão providenciados pela Segurança Social não devem ser objeto de imposto até níveis razoavelmente generosos. Não é o que acontece agora. A fiscalidade é mitigada para poupanças superiores a oito anos e um dia. Devíamos ter incentivos claros, estáveis, um acordo para que a poupança que visasse constituir, reforçar fundos tivessem uma taxação tendencialmente nula, porque é isso que faz sentido. Depois, aquando a sua distribuição com certeza que poderiam ser objeto de taxação à época, em condições normais, mas a constituição desta poupança não devia ser taxada. Isso não é o mesmo que dizer que os depósitos a prazo devessem estar isentos. É claro que tudo deveria estar isento de imposto, mas não é possível manter um Estado que responda aos anseios dos cidadãos com uma baixa geral, contínua e permanente de impostos.
Em relação ao número de balcões e de trabalhadores? A Associação Portuguesa de Bancos disse que, no primeiro semestre deste ano, a banca registou o valor mais baixo de funcionários dos últimos 37 anos…
O grande período de destruição de emprego acabou há três anos. Havia perto de 70 mil bancários, em meados dos anos 90, e agora há cerca de 40 mil ou um bocadinho mais. As alterações que existiram na sociedade, a literacia financeira, tecnológica, etc. e os ganhos de produtividade tornaram possível chegar a mais gente com menores custos, com mais comodidade. Mas, em 2024, o número de balcões são basicamente os mesmos que existiam em 2022 e em 2023, o que acontece agora é que há 25 milhões de cartões de débito e há 37 anos não chegava a um milhão. Portanto, o número de meios de pagamento multiplicou por 25. Há 20 e tal anos fui o pioneiro da internet banking em Portugal, menos de 1% das contas usava ou tinha acesso ao home banking e agora provavelmente estamos perto dos 75%. O setor financeiro reinventou-se, às vezes, de forma dolorosa para os trabalhadores, mas hoje temos uma enorme estabilidade. Mesmo os bancos tradicionais de retalho que operam há mais anos no mercado português, que têm posições mais consolidadas – estou a falar do novobanco, Santander Totta, Millenium BCP, Crédito Agrícola e Montepio Geral – vemos que de 2023 para 2024 não houve uma diminuição do emprego. Além disso, Portugal tem se transformado, fruto da qualificação, numa plataforma importante de serviços financeiros, operados, quer por bancos, quer por empresas, vamos chamar parafinanceiras. Em Lisboa, Fundão, Castelo Branco, Coimbra, etc. há cada vez mais centros de apoio a clientes, há cada vez mais equipas de desenvolvimento de sistemas informáticos e hoje o cluster financeiro e de suporte ao negócio financeiro tem por cada trabalhador bancário clássico, pelo menos, outro em empresas que só não são formalmente classificadas como bancos, mas que prestam serviços financeiros a montante, a jusante na área das operações. Faltam agora alguns bancos com operações de retalho em Portugal trazerem para cá os seus centros de competência. Temos dois bancos franceses que escolheram Portugal para prestar serviços a regiões da Europa, da Ásia, do Médio Oriente, a partir de Lisboa e do Porto. Não temos ainda os bancos de capital espanhol a fazê-lo de forma contínua e massificada, mas acredito que é um caminho que vamos seguir.
E estamos perante uma maior paz social em torno das negociações salariais?
Como maior sindicato já chegámos há bastante tempo a acordo sobre as atualizações salariais no ano de 2024. Em 42 entidades temos um diferendo com duas, espero conseguir resolvê-lo nas próximas semanas. Para 2025 lançámos as negociações, mas é importante não esquecer o que tem acontecido nestas últimas semanas, em que os níveis de incerteza subiram e os riscos geoestratégicos alteram-se imenso. Até ao início de outubro não tínhamos um alargamento da guerra no Médio Oriente, nem a entrada do Irão de forma mais visível no conflito. Isso tem riscos geoestratégicos tremendos. Também não víamos a entrada da Coreia do Norte na guerra da Europa, não tínhamos a vitória de Trump e estes três movimentos não funcionam a favor da estabilidade dos preços, da estabilidade dos fornecimentos de matérias-primas, nem da estabilidade dos movimentos migratórios. Este aumento de volatilidade não é necessariamente mau, nem bom ao setor financeiro, mas introduz um elemento de preocupação e de cautela quando se faz uma negociação coletiva e, por isso, este sindicato tem-se batido para chegar a acordo, mas introduzindo cláusulas de salvaguarda. Por exemplo, em 2022, a inflação média foi de 7,8% e no setor financeiro, alguns muito apressados em fazer acordos fizeram-nos com 1,1%. Esta perda de rendimentos dos trabalhadores bancários de quase sete pontos percentuais vai demorar demasiados anos a recuperar, por isso, convém que haja prudência para 2025 e iremos introduzir cláusulas de salvaguarda que são pioneiras em Portugal, mas são absolutamente normais na negociação coletiva no centro da Europa.