Quase meio século depois mantém-se a discussão sobre o que, de facto, aconteceu no dia 25 de Novembro de 1975. Quem ganhou? Quem perdeu? Que forças estiveram por trás dos dois lados que se confrontaram naquele dia?
É sobre as divergências nessas leituras, aliás, que direita e esquerda se confrontam ano após ano, sempre que a data se aproxima. Mas a discussão, 49 anos passados, tem mais a ver com o debate ideológico do que com os factos que ocorreram, esses estão mais ou menos escalpelizados pelos historiadores e resumem-se numa vitória do chamado centrão, que desde 75 tem governado Portugal.
Derrota ou vitória do PCP?
Uma das afirmações mais recorrentes na leitura que se faz do desfecho do 25 de Novembro, é a ideia de que o partido comunista é um dos derrotados. A própria ausência dos deputados comunistas na sessão comemorativa da próxima segunda-feira facilita essa leitura. Mas olhando para os factos, persistem dúvidas: «O PCP, que estava no Governo, continuou no Governo, a pedido dos outros governantes», refere Carlos de Brito, antigo dirigente do PCP e na altura dos factos deputado da Assembleia Constituinte.
Esta não é apenas a leitura de um dos lados da barricada que há 49 anos dividia direita e esquerda.
Também Jaime Nogueira Pinto, no extremo oposto do espectro político, confirma que «o próprio Carlucci conta que o embaixador russo o procurou aqui no verão de 75 , a dizer que a Rússia não ia meter-se em aventuras . E hoje também sabemos que o Cunhal num Comité Central restrito que houve no Verão de 75 disse claramente que não se podia ir para a guerra civil, porque perdiam a guerra, e eles sabiam isto».
Para lá dos discursos políticos atuais, a verdade é que os relatos do acontecido coincidem na mesma conclusão: no dia 25 de Novembro o Partido Comunista já tinha tomado a decisão de não se envolver e as ordens tinham chegado de fora, Moscovo deu indicações a Álvaro Cunhal para não se envolver num conflito armado.
Jaime Nogueira Pinto indica o porquê desta opção da então União Soviética. «A direção, o dr Cunhal e companhia não faziam nada sem autorização de Moscovo, e na altura, por variadíssimas razões, o Partido Comunista Russo não queria nada aqui em Portugal, por duas razões: primeiro porque eles queriam manter uma certa pressão até à independência de Angola, que foi no dia 11 de novembro, essa questão era importante para eles; segundo, o Franco está praticamente…aliás morreu no dia 20 ou 21 de novembro. E com o Franco praticamente agonizante, é evidente que se houvesse aqui uma viragem à esquerda, tipo Partido Comunista, o processo de transição em Espanha não acontecia, ora a Espanha é muito mais importante em termos geopolíticos do que Portugal».
Do lado de quem participou nos acontecimentos, Carlos de Brito explica: «O Partido Comunista não estava implicado nas ações conspirativas da esquerda militar. O Partido Comunista tinha, em relação a isso, tomado uma posição clara logo em agosto, na chamada reunião do Comité Central em Alhandra. Logo aí o Álvaro Cunhal lançou a palavra de ordem: ‘Não nos deixemos encostar à parede.’ E o Partido Comunista começou a trabalhar no sentido de não ter qualquer implicação com a conspiração militar. Firmemente nessa posição. É por isso que o 25 de Novembro tem uma nota importantíssima, que são os apelos que não se toca no PCP, que faz falta à revolução.»
Mas então como se explica que ainda hoje haja quem defenda que os comunistas foram os grandes derrotados do 25 de Novembro? Tem mais a ver com a retórica política do que com a realidade dos factos, 49 anos depois, o comunista Carlos de Brito faz a sua leitura. «A marcha sobre Lisboa, nada disso aconteceu, isso são sonhos que a direita teve, mas que não se realizou e a direita não ficou satisfeita, quer agora estar satisfeita, mas não ficou satisfeita com o resultado do 25 de Novembro. Pelo contrário, eles queriam ir mais longe e intensificar a repressão ao movimento dos trabalhadores, aos sindicatos, aos partidos de esquerda. Mas nada disso aconteceu. Portanto, quem foi punido de facto foi a esquerda militar, mas o movimento sindical não foi tocado, não havia razões para isso».
Jaime Nogueira Pinto não tem dúvidas de que o 25 de Novembro serviu sobretudo para institucionalizar o sistema que vigorou a partir daí. «O 25 de Novembro é o Tremidor português, só que em França cortaram o pescoço ao Robespierre. E aqui nós estávamos nos brandos costumes, não queríamos cortar o pescoço a ninguém. Houve uns tipos que ficaram presos uns tempos, mas também não foi muito tempo. Tudo jogava depois com o Grupo dos Nove e o centrão, portanto o centrão, o PSD e o PS, que governaram até hoje».
Influência externa? Houve mas não muita
Nos vários relatos que ao longo dos anos se foram fazendo sobre o que aconteceu no dia em que Portugal esteve à beira de uma guerra civil, há uma referência que sempre surge: as intervenções externas que se fizeram sentir de um lado e do outro, à esquerda e à direita.
Mais uma vez a história real não confirma alguns fantasmas, mas sem dúvida que a influência externa se fez sentir, só que os factos revelam que neste caso a geopolítica das grandes potências não queria agitação num pequeno país na zona mais ocidental da Europa. As disputas dos grandes blocos, Estados Unidos da América e União Soviética não passavam por Portugal.
Carlos de Brito não nega as influências externas, «não tenho dúvidas de que houve, mas não tenho elementos concretos .Não posso referir factos concretos do envolvimento das embaixadas». Quando perguntamos se essas embaixadas seriam as dos Estados Unidos e da União Soviética, o ex-deputado é evasivo. « Dos Estados Unidos. Da União Soviética não creio, porque os soviéticos queriam muito a estabilidade da situação portuguesa não queriam complicá-la».
Nogueira Pinto confirma que a influência estrangeira se fez sentir, mas mais para moderar, do que para ter ganhos de causa, «a intervenção estrangeira, era uma intervenção que ficava um bocado… vamos lá ver, quem eram os candidatos dessa intervenção estrangeira, eram o Soares e o Sá Carneiro. O que eram influências estrangeiras do lado da direita, estrutura quer americana, quer estrutura também alemã, era tudo para a acalmação, ou seja: não vamos agora deixar isto ter uma reviravolta que vá para a contra-revolução».