É mais uma marca da originalidade do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, a caminho do nono ano de uma Presidência que começou num estado de graça entre os portugueses, mas que se foi esmorecendo entre percalços e polémicas.
Ao contrário do que tem sido prática comum de outros Presidentes da República, a maioria dos discursos oficiais de Marcelo Rebelo de Sousa, desde o início do seu mandato, em 2016, não consta da Página Oficial da Presidência da República, nem do sítio do Arquivo Histórico da Presidência da República.
À exceção de alguns discursos que foram sendo publicados na íntegra, como é o caso das sessões comemorativas do 25 de Abril, do 5 de Outubro (em vídeo), do Dia de Portugal, ou a última intervenção na XXIX Cimeira Ibero-Americana, no_Equador, estão em falta grande parte dos discursos oficiais de Marcelo. Uma ausência que a Presidência da República até ao momento não soube justificar, após ser questionada pelo Nascer do SOL.
«Toda a atividade oficial dos governantes e da Presidência, que não seja secreta nem confidencial, é suposto estar publicada. Há muita documentação que seria relevante para o conhecimento da vida política portuguesa que, apesar de insistentes apelos, não está publicada. Isso significa sempre uma falta de transparência», critica o historiador José Pacheco Pereira.
Este é mais um traço insólito que marca o percurso do chefe de Estado recordista em condecorações – são já mais de 1400, muitas delas entregues em circunstâncias que levantam muitas dúvidas a representantes das ordens honoríficas que lamentam a informalidade em que foram entregues as condecorações. Por outro lado, no caso dos discursos, não sabem quantos são no total, mas contam-se pelos dedos das mãos os que se encontram divulgados ao público.
A lacuna salta ainda mais à vista por ser insólita entre Presidentes da República em Portugal. Basta uma breve pesquisa para se ter acesso aos discursos na íntegra de Cavaco Silva ou Mário Soares, publicados durante os seus mandatos nos sites oficiais e agora disponíveis no sítio do Arquivo Histórico.
Já no caso de Marcelo Rebelo de Sousa, os poucos discursos disponíveis nem sempre são fáceis de encontrar no website da Presidência e há muitos que nem se encontram publicados, o que no limite pode pôr em causa a própria memória histórica e política do seu legado na Presidência.
As razões para esta ausência são meramente especulativas, mas, de acordo com o historiador «representam sempre uma negligência porque foram discursos pronunciados publicamente, são públicos por natureza e não nos podemos apenas fiar nos excertos que a a comunicação social faz».
«Tem de se ir muito mais longe, tem de se conhecer os documentos na íntegra, quando se trata de discursos oficiais. Não é apenas uma questão de se saber mais ou menos, isto muda a história de Portugal. O arquivo de Sá Carneiro muda a história de Portugal. O arquivo do Otelo Saraiva de Carvalho vai, sem dúvida, mudar muitos aspetos da história de Portugal. O arquivo do Vítor Crespo muda a história de Portugal», acrescenta.
Sempre um crítico acérrimo da forma como é feito e preservado o arquivo e documentação histórica pelas instituições em Portugal, Pacheco Pereira alerta que este não é caso único. «Sob esse ponto de vista, os Governos e a Presidência portam-se sempre mal. É uma prática de pouca atenção, de falta de rapidez na desclassificação de documentos que não têm nenhum sentido serem secretos ou discretos. Infelizmente, isso é bastante comum. Repetem-se sistematicamente erros, interpretações que não são rigorosas, porque as pessoas não dão atenção, não só aos documentos que já estão disponíveis, como também à importância do trabalho histórico. Sabemos bastante menos do que imaginamos».
Também Alfredo Barroso, ex-chefe da Casa Civil de Mário Soares, admite «achar estranho não estarem disponibilizados os discursos no site», dando o exemplo comparativo do antigo Presidente Mário_Soares, que manteve sempre um arquivo com os seus discursos e chegou até a publicar livros com os mesmos.
«A não publicação dos discursos oficiais representa obviamente um obstáculo para o público em geral, mas principalmente para o trabalho jornalístico», remata.
PR terá decidido viajar sem assessores à última hora
Na última viagem internacional do Presidente da República ao Equador, a propósito da XXIX Cimeira Ibero-Americana, Marcelo Rebelo de Sousa terá decidido, à última hora, viajar sem os assessores, apesar dos bilhetes comprados (e não reembolsáveis )para a sua equipa, soube o Nascer do SOL. A situação não é nova e já terá acontecido em outras ocasiões, garantem-nos.
Quando questionada sobre quem acompanhou o Presidente da República na última viagem internacional oficial ao Equador, qual o valor de prejuízo para o erário público dos bilhetes não reembolsados e se esta é uma situação que já aconteceu noutras viagens, a Presidência da República respondeu oficialmente o seguinte: «Sua Excelência o Presidente da República deslocou-se ao Equador como previsto e com a comitiva prevista, para participar na XXIX Cimeira Ibero-Americana».
Não tendo obtido respostas sobre que elementos da equipa acompanharam o Presidente, qual a composição desta comitiva presidencial e se a situação mencionada é ou não recorrente, o Nascer do SOL voltou, novamente, a remeter as mesmas questões à Presidência, estando ainda a aguardar resposta.