“Não chega ser comentador televisivo para chegar à Presidência”

São muitos os políticos que ocupam o espaço de comentário nas televisões nacionais. Depois de Marcelo, poderão Marques Mendes, Seguro, Ana Gomes ou Paulo Portas usar os media como trampolim para Belém?

Há muito que a relação promíscua entre políticos e o comentário televisivo se faz notar. Ao fazer zapping pelos principais canais noticiosos é quase certo encontrar caras conhecidas da política nacional em espaços de comentário e opinião. «Não é inédito ver políticos que tomam decisões durante o dia e à noite aparecem na televisão a comentar a própria decisão._Claro que isso levanta algumas questões éticas», critica Rita Figueiras, investigadora em Comunicação Política.

Com o aproximar da eleições presidenciais, é impossível não notar o impacto que esta visibilidade poderá ter numa possível candidatura. É o caso de Marques Mendes, ex-líder do PSD e comentador habitual da SIC Notícias, que já admitiu a possibilidade de se candidatar à Presidência da República.

A confirmar-se, poderá repetir o trajeto de Marcelo Rebelo de Sousa, popularmente conhecido pelo seu papel no comentário político, primeiro na rádio TSF e, mais tarde, na RTP e TVI. A aparição dominical do ‘Professor’ – como era carinhosamente apelidado – serviu-lhe como um trampolim para o Palácio de Belém. Marques Mendes terá a mesma sorte?

«Luís Marques Mendes é uma figura bastante conhecida na sociedade portuguesa, naturalmente decorrente do facto de estar num espaço de opinião num canal generalista. Esta visibilidade existe, agora se ela se reverte em votos, só testando o candidato. Obviamente que ele se beneficia da imagem e de uma relação de familiaridade, mas não significa necessariamente que resulte numa vitória», afirma Figueiras, também autora do livro O efeito Marcelo. O comentário político na televisão.

«Se é verdade que Marcelo Rebelo de Sousa fez uma certa escola e que o comentário foi fundamental para o sucesso eleitoral que depois teve, principalmente nas primeiras eleições presidenciais, não é líquido que o resultado será o mesmo para todos os outros candidatos», acrescenta.

Dentro da lista dos possíveis candidatos a Belém em 2026 está ainda António José Seguro, que após dez de silêncio, desde que saiu da liderança do PS, regressa também ao comentário político na CNN, num espaço semanal chamado Liberdade. Inocente ou não, o regresso de Seguro ao espaço mediático poderá ser uma vantagem.

«A televisão acaba por ser um treino. O facto de, semana após semana, entrarem na casa das pessoas, aprenderem a estar, a falar, a ter um ritmo, uma cadência das ideias, a familiaridade com as audiências, tudo isso os vai beneficiar em circunstância de debates e entrevistas de campanha eleitoral», afirma Rita Figueiras.

Além de Marques Mendes e António José Seguro, Ana Gomes e Paulo Portas são outros dos nomes de políticos comentadores apontados na corrida a Belém.

«Embora também seja comentador politico, Paulo Portas teve uma carreira partidária, muito ligada ao CDS-PP, ao contrário de Marques Mendes, que tem um estatuto mais individual. O indicador de notoriedade dos meios de comunicação social é sempre um fator importante para candidatos presidenciais na medida em que é uma iniciativa individual», destaca o Investigador coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, António Costa Pinto. «O estatuto de comentador tem como função, fundamentalmente, mantê-los ativos e influentes, em nome individual e não do partido. É uma característica muito própria da sociedade portuguesa que não se encontra na maior parte das outras democracias europeias».

Já Miguel_Morgado, militante do PSD e antigo membro do Governo de Pedro Passos Coelho, considera que «as pessoas se deixaram entusiasmar demasiado pelo exemplo de Marcelo Rebelo de Sousa», mas esquecem-se que o atual Presidente da República «já tinha um extenso passado político, para além de ser um tipo de comentador com um temperamento difícil de replicar». «Começaram a pensar que é preciso ser comentador televisivo para chegar à Presidência, mas isso só por si não é suficiente», acrescenta.

Segundo as últimas sondagens, é o almirante Gouveia e Melo, chefe do Estado-Maior da Armada, o favorito dos portugueses para suceder a Marcelo Rebelo de Sousa. Alguém que, além de não ter passado político, raramente aparece no espaço mediático.

Enquanto António Costa Pinto justifica este favoritismo pela «notoriedade da carreira do_Almirante», Miguel Morgado refere que Gouveia e Melo «tem um perfil semelhante à do general Ramalho Eanes adaptado ao século XXI». «Gouveia e Melo tem um perfil mais rígido, mais distante, mas que mostra mais honestidade, diferente da ‘política dos afetos’ de Marcelo Rebelo de Sousa. É um perfil que se calhar faz mais sentido às pessoas nesta fase em que os partidos passam por uma crise grande e depois de uma liderança de Marcelo e Costa que explorou muito esta obsessão pelos afetos e pelo emocional».

Maioria dos comentadores de direita e só 24% são mulheres

O número de comentadores políticos nas televisões aumentou 47% nos últimos oito anos, de 53 para 78, concluiu o MediaLab, centro de investigação do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e a Empresa (ISCTE-IUL) focado na comunicação em espaço público.

Registou-se ainda «um maior predomínio de número de comentadores com posicionamento político à direita» nas televisões, passando de 22 em 2016 para 37 em 2023.

Um desequilíbrio que, segundo Rita Figueiras, é comum em vários ciclos eleitorais. «Desde os anos 90 até 2020 a tendência é que, logo antes de uma cor política entrar no poder, a prevalência no comentário político tende a ser dessa cor política, que depois acaba por ser eleita. Já ao longo desse ciclo eleitoral a tendência é o comentário ser um pouco como um contrapoder, com maior prevalência do partido da oposição».

Ainda de acordo com o estudo do MediaLab, em todos os espaços de comentário televisivos apenas 24% são mulheres, menos do que em 2022 (28%).

«Sempre houve muito menor presença de mulheres nos espaços de comentário, desde os anos 80. Isso tem claramente a ver com os recrutadores, que têm essa responsabilidade. E há muito menos mulheres com espaços de opinião individuais, sem ser em parelha com um homem», acrescenta a investigadora.

De Trump a Boris Johnson: o salto dos media para a política

A abundância de políticos-comentadores em Portugal não encontra paralelo noutras democracias a nível global, mas há vários exemplos de políticos em todo o mundo que começaram as suas carreiras ou ganharam influência ao participar em programas de análise e comentários políticos.

É o caso do recém-eleito Presidente norte-americano, Donald Trump, outrora uma estrela televisiva como apresentador e produtor executivo do reality show The Apprentice. Além disso, era também comentador frequente em redes como a Fox News, onde discutia questões económicas e políticas, antes do anúncio da sua campanha presidencial em junho de 2015.

Já a atual primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, não tendo sido uma comendora política profissional na televisão no sentido tradicional, teve uma presença significativa nos media italianos. Era convidada regular em diversos programas de televisão na Itália, como o talkshow Porta a Porta (RAI) e o Piazzapulita (La7) onde debatia questões políticas e sociais, especialmente ligadas à ideologia conservadora e ao partido que lidera, o Fratelli d’Italia.

No Reino Unido, Boris Johnson anunciou no final do ano passado que iria abraçar uma nova carreira como comentador e apresentador do canal de notícias britânicas GB News, apesar de até agora ainda não se ter estreado.

Mas esta não é a primeira vez que o ex-primeiro ministro do Reino Unido participa em espaços mediáticos. Nos anos 2000 era uma figura recorrente em programas televisivos como o Have I Got News for You (BBC), um programa satírico de painel, e foi também editor da revista The Spectator, uma das publicações mais respeitadas e influentes no cenário político do Reino Unido.

diana.gomes@nascerdosol.pt