Como os olhos vêem

A única linguagem que Putin entende é a linguagem da força. Enquanto se lidar com ele com receio, temendo os mísseis hipersónicos, temendo a bomba nuclear, temendo isto, temendo aquilo, Putin continuará a sorrir e a avançar.

A nossa opinião sobre a guerra da Ucrânia depende radicalmente do modo como a observamos – se com os olhos dos ucranianos, se com os olhos dos russos. Um episódio hilariante recentemente ocorrido ilustra bem esta ideia. Numa sessão do programa Contrapoder, em que participou como convidado o general Agostinho Costa, este expunha determinado ponto de vista quando o moderador o interrompeu, dizendo que a ideia não era consensual. Ao que ele respondeu:

– É o modo como Putin vê a questão.

Com oportunidade, o moderador perguntou-lhe então:
E como é que o senhor a vê?

Depois de uma breve hesitação, o general respondeu:
– Vejo da mesma maneira.

Ficava assim claro que este homem vê a guerra com os olhos dos russos.
E, como tal, a invasão da Ucrânia justificou-se, porque a sua possível entrada para a NATO era uma ameaça que a Rússia não podia tolerar; a vitória da Rússia é inevitável, porque é mais forte; a autorização do uso de mísseis de longo alcance para atacar território russo foi um enorme erro; o novo míssil hipersónico da Rússia é um game changer, ou seja, vai mudar a guerra; a ameaça nuclear é para levar a sério.

Somando tudo isto, qual será a conclusão?

Que a Ucrânia não deveria ter resistido à invasão russa, porque a derrota era certa; que não deveria atacar a Rússia, porque esta pode retaliar com muito maior violência; que tem de estar muito quietinha, para não levar com uma bomba atómica em cima.

É isto que concluem aqueles que vêem a guerra com os olhos da Rússia.

São incapazes de ver o outro lado.
1.º – Que a obrigação de qualquer Estado é defender as suas fronteiras, e que a Ucrânia não podia deixar de resistir à invasão russa.
2.º – Que o exército russo é mais forte, mas não é sustentável por muito tempo ver chegar todos os dias a Moscovo entre 1500 a 1700 sacos com cadáveres dentro.
3.º – Que o facto de a Ucrânia poder usar armas para ferir a Rússia profundamente não é uma escalada na guerra, mas sim o contrário. Promover a escalada, é não dar armas à Ucrânia para atacar a Rússia. Se Putin sentir que o outro lado é mole, avança.
4.º – A Rússia não usou já armas nucleares na Ucrânia porque sabe que o Ocidente também as tem. Se não fosse isso, já provavelmente as teria usado.
5.º – Os mísseis hipersónicos que a Rússia exibiu e se diz não serem intersetáveis só podem ter uma resposta: a Ucrânia também dispor deles. O Ocidente terá com certeza capacidade para os produzir e deve fazê-lo desde já.

Concluindo: a ideia de que não se pode atacar a Rússia porque ela retaliará com mais força; que não vamos desafiá-la porque ela pode lançar uma bomba nuclear; que vamos entregar-lhe tudo o que ela quiser e satisfazê-la o mais possível para que ela pare – é uma ideia profundamente ingénua. A Rússia, sempre que vir fraqueza e medo do outro lado, avançará. A Rússia só parará se vir do lado oposto força, determinação e capacidade para lhe fazer frente. Foi o que aconteceu com Hitler, aliás.

E isto leva-nos à questão decisiva: o que será mais fácil – parar a Rússia na Ucrânia ou quando a guerra já tiver transbordado as suas fronteiras? Parar a Rússia enquanto existe Ucrânia ou depois de os russos terem estabelecido arraiais dentro do seu território e terem mudado o poder em Kiev, pondo no lugar de Zelensky um fantoche tipo Lukashenko? As respostas são óbvias: será muito mais fácil travar a Rússia na Ucrânia. E assim sendo, o Ocidente só tem um caminho inteligente a seguir: não esperar mais e fazer à Rússia um ultimato: ou recua para as suas fronteiras e aceita a ordem internacional, ou será expulsa pela força do território ucraniano.

Dirão alguns que isto será o início da 3.ª guerra mundial e que a Rússia, se se vir atacada, poderá mesmo em desespero recorrer ao nuclear.
Ora, isto é um enorme equívoco. Não se trata de atacar a Rússia, de pôr em causa as suas fronteiras, de ameaçar Moscovo – trata-se apenas de a empurrar para fora do território que ilegitimamente ocupou.

Trata-se de repor a legitimidade.

O Ocidente unido é muitíssimo mais forte do que a Rússia; a NATO é entre três e quatro vezes mais poderosa do que o exército russo, que aliás está muito debilitado. Assim, terá de usar a única linguagem que Putin entende: a linguagem da força. A única forma de parar Putin, que não respeita o direito internacional, nem os direitos humanos, nem coisa nenhuma, é pela força.
Enquanto se lidar com ele com receio, temendo os mísseis hipersónicos, temendo a bomba nuclear, temendo isto, temendo aquilo, Putin continuará a sorrir e a avançar.

Isto é ver o conflito com os olhos do Ocidente; aqueles que nos interessam.