Bruxelas manteve a estimativa de crescimento económico de Portugal abaixo das previsões do Governo e aponta para 1,7% este ano e 1,9% e 2025. São dados positivos?
Em primeiro lugar, não há alterações substanciais porque o crescimento não é propriamente muito grande. De qualquer forma, a dinâmica da economia portuguesa está relativamente melhor em relação àquilo que é neste momento o dinamismo da economia europeia. Houve um ajustamento em baixa, mas 0,1%, não é propriamente uma grande diferença. Por outro lado, o que está previsto para 2025 e 2026 é uma ligeira recuperação. No entanto, com a situação que estamos a viver, quer no mundo, quer na Europa, estas projeções podem ser completamente alteradas, como tem acontecido nas mais recentes previsões. Temos de estar preparados para ajustamentos sucessivos porque vivemos uma situação de muita incerteza e tudo pode acontecer e mesmo se não acontecer, as expectativas das pessoas, os estados de espírito, etc., podem ter uma influência bastante grande na própria economia.
Os números estão muito abaixo face ao que o Governo apresentou na campanha eleitoral…
As próprias perspetivas do enquadramento orçamental apontavam para números ligeiramente mais positivos. E quando olhamos para Europa vimos que a Europa está mal. Os últimos dados apontam para recessão na Alemanha, apontava-se para um crescimento nulo em 2024, mas agora, as perspetivas são de um crescimento negativo de 0,1%, o que significa que são dois anos seguidos de recessão económica.
E quando a Alemanha espirra, o resto da Europa constipa-se…
Apanhamos uma gripe e não é só a Alemanha, a França também. Os dados apontam para um aumento substancial do défice público na casa dos 6% e com a dívida a subir. Quando olhamos para as relações económicas de Portugal na Europa temos uma grande concentração em três países: Espanha, em primeiro lugar, que é responsável por cerca de 20 e tal por cento das nossas exportações, mas também a França e a Alemanha. Se esses países têm dificuldades, nós sentimos imediatamente.
E não é possível procurar novos mercados de um dia para o outro…
Não é. Portugal tem de aproveitar e tem de fazer um esforço sério no sentido de diversificar mercados, mas a conjuntura internacional também não é muito favorável a uma expansão forte da procura. Aliás, quando olhamos para aquilo que tem sido a evolução da economia global nos últimos 10, 15, 20 anos, o que vemos é uma redução da tendência para a abertura das economias. Por outro lado, também há fenómenos curiosos que põem em causa as tendências da globalização, fundamentalmente até à crise de 2008/2009, depois daí as coisas começaram a mudar substancialmente. Houve uma tendência para uma reorientação do comércio tradicional e para uma certa reversão daquilo que foi o processo de globalização com a expansão das cadeias de valor a nível internacional, com as empresas a deslocalizarem a sua produção em função de determinados critérios, seja de mão-de-obra, seja de proximidade de matérias-primas, seja por outras razões. E chegou-se à conclusão que os países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos ou como a Europa, sofreram um processo de desindustrialização, assistiu-se a um aumento das vulnerabilidades e das dependências, o que significa que está a haver um processo dos países reganharem mais domínio sobre as suas próprias estruturas económicas. No caso dos Estados Unidos não foi preciso chegar Trump. Já vinha do tempo do Biden. Há um programa fundamentalmente nacionalista de reindustrialização e de renacionalização de processos que estavam internacionalizados.
Esse maior protecionismo será ainda mais reforçado com Trump….
Pode haver agora o incentivo dessas políticas, mas já existiam. Trump não vai introduzir nada de novo. Há uma certa continuidade da política económica americana, no sentido da renacionalização das atividades económicas que é trazer as indústrias que antes estavam afastadas para zonas mais próximas do país de referência e também para zonas, em que há afinidades de natureza política ou ideológica. O exemplo mais paradigmático é a China, embora seja muito difícil porque a própria economia americana está muito pendente da chinesa e durante muitos anos o dinamismo da economia americana tinha muito a ver com o próprio dinamismo da economia chinesa. Aliás, um processo muito semelhante àquele que ocorreu com a Europa na relação aos EUA a seguir à Segunda Guerra Mundial.
Como vê o relatório Draghi? Faz vários alertas para a Europa…
O relatório Draghi é uma peça fundamental, não tanto por aquilo que diz relativamente ao diagnóstico da Europa porque há muitos anos que muitos, particularmente os economistas, andavam a alertar para os problemas estruturais da Europa que se agravavam. A Europa deu saltos muito importantes, quer do ponto de vista económico, quer das relações entre os diferentes países, quer mesmo no plano institucional – e o grande salto foi a constituição da União Económica e Monetária e a criação do euro – mas depois houve um choque externo ao processo que foi a implosão do bloco soviético. E, de repente, a Europa confrontou-se com uma coisa que talvez não estivesse nos seus planos que foi ter de absorver todo esse conjunto de países e penso que isso até hoje não está bem resolvido. Por exemplo, Portugal foi um dos países bastante afetados por esta entrada de novos países da União Europeia, designadamente em termos da reorientação dos investimentos. Por exemplo, empresas alemãs, etc., deram prioridade a essas relações, até porque esses países tinham uma mão-de-obra razoavelmente qualificada, barata, e davam incentivos para a entrada de capitais, além de estarem no centro da Europa. A Europa não conseguiu, até hoje, gerir e encontrar uma nova arquitetura institucional e novos modelos de funcionamento que permitam superar as debilidades que se vinham manifestando.
E há setores mais penalizados, como é a indústria automóvel…
Exatamente, e à Europa faltou-lhe talvez uma certa capacidade de fazer as coisas de uma forma mais pragmática. Aliás, o relatório Draghi chama a atenção precisamente para isso: a Europa foi sucessivamente adiando decisões fundamentais, deu prioridade aos consensos, o que acho fabuloso, mas há 20 anos que não crescemos ou temos um crescimento medíocre, deixámo-nos atrasar tecnologicamente relativamente aos países mais avançados, como os Estados Unidos e a China e confrontamo-nos agora com esta crise geopolítica e com uma dependência em matérias-primas essenciais.
Este relatório acaba por diagnosticar os problemas que já eram visíveis a olho nu. Não estamos a correr atrás dos prejuízos?
Põe a verdade nua e crua. E define três grandes áreas: recuperação do grupo tecnológico, descarbonização e a batalha da competitividade e a questão da segurança e da redução das vulnerabilidades. E o que diz? É preciso também mais Europa, mais política económica integrada, mais discussão em conjunto para podermos atingir estes objetivos. Não pode cada um estar para o seu lado. Temos de ter projetos europeus integrados. Aliás, a integração é uma espécie de uma bicicleta: se paramos de dar aos pedais, caímos.
Há economistas que apontam a nossa entrada no euro como um dos principais problemas económicos…
Temos de ter uma visão bastante descomplexada e objetiva e não fazer uma leitura e uma observação demasiado ideológica. Recordo-me das discussões que existiram sobre a entrada de Portugal no sistema monetário Europeu e depois no euro em que havia muitas dúvidas de muitos economistas reputados e de referência de que isso fosse ser positivo no imediato para a economia portuguesa e que íamos perder um instrumento fundamental de ajustamento económico que era a taxa de câmbio, particularmente para ganhar competitividade a nível internacional. Sou daqueles que acho que foi importante para o país estar e desenvolver-se no euro, mesmo que, na altura, também partilhasse algumas dúvidas. Mas o balanço que podemos fazer é positivo. E também acho que se estivéssemos fora do euro, a situação provavelmente teria sido pior para a nossa economia.
Em Portugal, os problemas de produtividade e de falta de escala estão identificados. Há pouca ambição ou pouca vontade para resolver?
Estão diagnosticadas, mas questões como ganhar competitividade ou ganhar escala não se fazem de um momento para o outro. Temos de ter, em primeiro lugar, empresas que estejam dispostas a isto e não nos podemos esquecer que temos uma estrutura de pequenas e médias ou mesmo micro empresas que são dominantes. Dizermos que é preciso ganhar escala, todos estamos de acordo, mas o processo em si requer uma maior capacidade de intervenção. Há aqui um problema teórico e um problema político. Prefiro pôr as coisas em termos teóricos, que é saber quais são os limites para a intervenção do Estado e da sua relação com o setor empresarial, particularmente com as empresas privadas. E isto evolui consoante a própria evolução da situação económica. Quando as coisas estão mal há sempre uma tendência para recorrer ao Estado para resolver as situações. Quando as coisas estão bem diz-se que o Estado está a mais e que não pode intervir. Isso tem sido assim historicamente e acho que em Portugal o Estado tem de ter capacidades para orientar a economia. Tenho utilizado uma expressão que é parceria público-privada macroeconómica entre o Estado e o setor empresarial para que haja uma repartição de responsabilidades e também de riscos, em que o Estado tem de ter um papel bastante dinamizador e que possa ser um vetor de introdução de uma perspetiva estratégica para a economia que normalmente não há.
No caso do PRR não houve essa tentativa?
Não sou especialista em matéria de análise dos efeitos do PRR, mas devemos ter uma lógica de enquadramento de médio e longo prazo numa perspetiva estratégica da economia e de dizer quais são os setores que queremos apostar. Esta reflexão tem de ser feita e devemos ter a preocupação de criar dinâmicas que produzam efeitos estruturais na economia. E tem-nos faltado isso. Dou um exemplo: a dependência do turismo em que nos encontramos atualmente. Dá a ilusão que estamos bem, mas pode ter problemas muito graves. Imagine que as pessoas ficam com medo de uma guerra nuclear e então pensam: ‘Vou agora para Portugal e depois como regresso?’ Aliás, Portugal também foi beneficiado relativamente a outros países mais próximos dos conflitos, nomeadamente o norte de África, com os turistas a virem para cá. Tudo se pode alterar porque é uma procura que não dominamos. E isto significa ser contra o turismo? Não, é fazer com que os outros setores também desenvolvam e acompanhem o turismo e procurar maximizar os impactos do turismo na própria estrutura económica. Julgo que há riscos de haver uma sobre-dependência ou uma sobre-especialização do turismo que pode ter consequências muito graves. Um desses casos é a mão-de-obra. O turismo não precisa de mão-de-obra muito qualificada e isto pode levar a uma incapacidade de absorver toda a mão-de-obra qualificada que estamos neste momento a produzir em Portugal e que tem tendência a procurar outros países. Pode dizer-se que têm direito de o fazer, mas uma coisa é fazer como experiência, outra é fazerem porque estão obrigados ou porque não encontram casa ou não conseguem constituir família porque têm salários extremamente reduzidos, etc. Isto é algo que temos de alterar com um pensamento estratégico e com a adoção de medidas que possam efetivamente reforçar setores.
Medidas como o IRS Jovem podem ajudar?
Não sou daqueles que se opõem ao IRS Jovem. Acho que pode fazer sentido haver uma discriminação positiva dos jovens, mas é preciso que seja uma medida bastante calibrada, no sentido de produzir efeitos e não podemos meramente pensar que por terem uma redução de IRS que até pode ser substancial que se fixam em Portugal. Têm de ter satisfação no emprego, têm de se sentir realizados. E o IRS Jovem não é nada que não seja feito noutros países, é importante estudar a experiência dos outros para ver o que está a produzir. Não me escandaliza uma discriminação positiva dos jovens, mas o nosso sistema fiscal tem um problema que é ser extremamente complexo. Mesmo eu, economista, se quiser ver que impacto este ou aquele imposto produziu é difícil porque temos um sistema extremamente complexo com os impostos diretos e os indiretos. O sistema deve ser simplificado e deve ser estável. Não podemos estar sempre a variar. Ora diminui um ponto percentual no IRC, ora aumenta 1% não sei aonde, etc. Tem de haver estabilidade. E, mais do que descer impostos ou subir em alguns casos, o sistema fiscal tem de estar ajustado àquilo que queremos fazer na economia.
É a tal previsibilidade?
Exatamente, e também não há um balanço, uma análise, uma avaliação à posteriori para saber se as medidas que foram tomadas produziram ou não efeitos. Quais são os estudos que suportam o IRS Jovem? Quais são os impactos previsíveis? Há alguns estudos relativamente aos impactos da descida do IRC e a ideia que há é que tem um impacto positivo no crescimento económico.
Há diga que esta redução do IRC vai beneficiar grandes empresas…
É bom que tenhamos grandes grupos económicos, podem ter um papel muito importante até na dinamização da nossa própria estrutura empresarial e ser um incentivo para ganharmos escala. Mais uma vez, é tudo uma questão de bom senso e de equilíbrio. O nosso problema é não termos, neste momento, grandes grupos económicos, particularmente na indústria. Temos muito poucos e o que há está muito ligado ao capital internacional. Se o grande grupo económico utilizar os seus retornos para investir, para gerar emprego, para distribuir rendimento, é ótimo. E pode ser também um exemplo para as outras empresas. Estávamos a falar da falta de escala, então é importante que haja políticas que favoreçam a criação de escala, a fusão de empresas, a cooperação entre empresas, etc., particularmente no domínio da própria exportação. O facto de o país ser pequeno não quer dizer que não possa ter grupos económicos com relevo.
O IRC e o IRS Jovem eram duas políticas de bandeira do Governo, mas a fórmula deste Orçamento assenta na descida de impostos, na subida de salários, mantendo o equilíbrio orçamental. É possível?
É um bocado a Quadratura do Círculo. Os riscos hoje são mais do que muitos. Mas Portugal, apesar de tudo, no meio destas coisas todas, está numa posição que julgo que é relativamente cómoda e que lhe dá autoridade para ter um papel ativo, por exemplo, nas questões europeias e internacionais. Ora, Portugal está com as contas certas, está a crescer mais do que a média europeia, a dívida está a reduzir-se, portanto, dá-nos autoridade para procurar influenciar a Europa e as decisões europeias no sentido de olhar para a situação que estamos a atravessar como uma situação de ameaça de recessão grave. E voltamos ao relatório Draghi. Ele fala no final da procrastinação. O que é procrastinação? É a maneira sofisticada de dizer empurrar com a barriga, que é o que a Europa está a fazer. Está a fechar os olhos às realidades e não é capaz de dar um salto que tem de dar no plano da arquitetura institucional e também no modo de funcionamento para gerar dinâmicas positivas ao nível do setor empresarial. Draghi fala também na grande questão de a Europa precisar de uma nova estratégia industrial, não é regressar à industrialização dos anos 70 ou 80, mas de uma reindustrialização que se apoie das tecnologias emergentes e que permita às empresas europeias dar saltos. O mundo está a evoluir e põe tudo a nu: ou fazem ou perdem o barco.
O relatório corre o risco ficar na gaveta?
Corre esse risco, mas o relatório Draghi vem na sequência do relatório de Letta que já apontava linhas de orientação, mas este é mais radical e mais dramático. Provavelmente precisamos de um novo tratado de Maastricht que permita redefinir a própria arquitetura institucional europeia. Temos de olhar seriamente para isto e acho que a Europa continua incapaz de ver isso. A Comissão Europeia está a ser constituída, e quando olho para Ursula von der Leyen dá, às vezes, a sensação que está um bocado perdida, sem saber o que fazer. Tem de haver capacidade de em conjunto encontrar formas de resolver os problemas, ter planos conjuntos e Draghi diz também que é preciso abrir os cordões à bolsa porque vai ser preciso cerca de 800 mil milhões.
E onde a Europa vai encontrar esse dinheiro?
Isso requer um modelo completamente diferente de financiamento. Não pode ser o orçamento que representa 1% ou 2% do PIB europeu, tem de ser mais. Se não fizer isto corre o risco da fragmentação e do salve-se quem puder. Quando olhamos para aquilo que foram as bases do desenvolvimento económico do pós-guerra nos anos 50, 60 até 70 vemos que o crescimento dessa época foi o maior da história das economias. A economia mundial cresceu a taxas superiores a 5%, em média anual. Portugal teve taxas elevadíssimas, chegou a ter anos de crescimento de dois dígitos. E teve também associada a progressão dos rendimentos e a criação de vastas classes médias porque era isso que, de certa maneira, era visto como o antídoto para o comunismo não avançar com o argumento que os trabalhadores estão bem, evoluem e querem continuar assim. Esta progressão simultânea dos rendimentos com o crescimento económico permitiu sustentar a economia durante duas décadas e meia, até aos anos 70. Isso perdeu-se. Nos anos 80 e 90 houve uma modificação da atitude relativamente à economia, em que o grande objetivo era a competitividade internacional, redução de custos, etc. e este processo de constituição de classes médias ficou bloqueado, sobretudo a ideia da ascensão. Sou professor e falo com centenas de estudantes e procuro saber os seus sentimentos e eles têm a ideia que não vão evoluir como evoluíram os seus pais, que vão viver pior e que não vão ter reforma . Têm uma visão extremamente pessimista do futuro e isso é péssimo.
O facto de os salários mínimos e o médios estarem muito próximos também não ajudará…
Certamente. Estamos a igualar por baixo quando a diferença dever-se-ia reduzir por evolução das próprias pessoas. Hoje em dia temos uma população licenciada, sobretudo nas camadas mais jovens, com boa formação e que não estão com essa perspetiva de evolução positiva em termos da sua vida.
Voltando à realidade portuguesa, foi importante não ter havido uma crise política?
É, mas neste momento há várias coisas que estão em jogo. Provavelmente ninguém tem garantias que se houvesse eleições melhoria a sua posição. Por outro lado, acho que também houve algum sentido de responsabilidade da parte das forças políticas mais importantes que consideraram que no contexto que estamos a atravessar é fundamental a estabilidade política e a existência de um Orçamento. Não é a separação de 1% no IRC ou a questão do IRS Jovem que justificaria uma rejeição do Orçamento. Desse ponto de vista, penso que houve bom senso.
Teria sido dramático viver em duodécimos?
Não sei. Talvez fosse porque viver em duodécimos poderia ser a justificação para muita coisa. E é bom termos um Orçamento até para podermos aferir enquanto sociedade onde é que estão as responsabilidades. Mas é preciso ter a ideia de que o Orçamento é também uma previsão de receitas e despesas e para se concretizar depende do enquadramento da evolução da situação económica interna e externa.
Como ex-ministro das Obras Públicas, como vê a TAP ou a alta velocidade estarem praticamente fora dos temas do Orçamento?
Com alguma apreensão. O país perdeu 20 anos ou mais em termos de infraestruturas. Precisamos desesperadamente de um novo aeroporto por várias razões, não só para resolver os problemas de constrangimentos de partidas e de chegadas, mas também do ponto de vista económico. Por outro lado, também nas ligações de alta velocidade temos de estar ligados à Europa e a ligação a Madrid é fundamental.
Independentemente da guerra das bitolas?
Tenho sérias reservas relativamente ao modo como as coisas são vistas. Pessoalmente, tenho sérias reservas a esta ideia de fazer as ligações de alta velocidade em bitola ibérica. Não quer dizer que tenhamos de migrar toda a rede para bitola europeia, mas particularmente Lisboa, Porto e Algarve deveriam estar preparados para estas ligações internacionais. Os argumentos que são utilizados para não se fazer em bitola europeia não me convencem. Talvez seja influenciado pelas discussões que havia mas, nessa altura, os próprios financiamentos europeus exigiam bitola europeia. Não sei como está agora. E num momento em que a Europa precisa de mais integração e de uma nova arquitetura institucional do financiamento estamos a permitir que continue a existir uma distância efetiva. Até podemos ficar prejudicados em relação a Espanha porque, em termos de fixação de capitais, de sedes de empresa, etc., podem preferir ir para Espanha porque chegam mais rapidamente à Europa do que se vierem para cá.
E em relação ao aeroporto?
Acho que o grupo de trabalho fez um excelente trabalho e a Governo também esteve bem em aceitar o relatório e avançar para o novo aeroporto. Agora estou a ver que isto continua difícil e em termos da construção poderia optar-se por fases, por exemplo. Não sou engenheiro, mas julgo que já na altura se discutia a possibilidade de se ir progressivamente construindo. É preciso pensar e ver as alternativas mais adequadas às nossas necessidades.
Quanto à TAP faz sentido privatizar agora que tem dado lucro?
A questão do lucro ou do prejuízo não é uma questão fundamental e também se não houvesse lucro não se privatizava. É bom sinal que dê lucro. Do meu ponto de vista, o setor aéreo é estratégico e Portugal não pode deixar de ter algum controlo na questão das suas articulações aéreas e a questão da TAP deve ser encarada do ponto de vista de uma estratégia internacional. O que é que queremos em termos do transporte aéreo? As outras empresas aéreas, como a francesa, espanhola e até a própria alemã, de uma forma ou de outra, o Estado também está lá metido, com maiores ou menores participações. A questão do mais privado ou do menos privado deve estar relacionado com a definição da estratégia. Não é ‘vamos privatizar a quem oferecer mais’, não defendo essa perspetiva.
Consoante essa estratégia, o Estado pode ter uma posição maior ou menor?
Até se pode chegar à conclusão que é melhor privatizar tudo, mas esta discussão não é feita.
Sente que a TAP é usada como arma de arremesso político?
Acho que há muita ideologia nessa discussão, quando se devia ter em conta o interesse do país e a afirmação do país no contexto europeu e internacional. Essa é que deve ser a prioridade. Será que conseguimos utilizar o novo aeroporto e a TAP como instrumento de reforço da nossa voz, da nossa posição no contexto europeu? Na minha opinião é isso que deve presidir no momento da decisão.
O interesse do país deve estar acima de qualquer guerra política-partidária…
Acho e, muitas vezes, as guerras são primárias. Sou pela privatização porque sou favorável à economia de mercado. Essa é uma opção ideológica.