Disse numa entrevista que houve uma tentativa de reduzir o ensino superior privado e de lhe dar uma versão diferente daquilo que verdadeiramente é. O que quis dizer com isso?
Ao longo dos últimos anos temos assistido a um conjunto de atitudes que demonstram alguma discriminação do privado em relação ao setor estatal. Agudizou-se a dificuldade no acesso a fundos para estimular a economia, como o Portugal 2030 ou o PRR que são fundos para estimular a economia e em proveito dos estudantes, como é o caso das residências universitárias, apoios para a deslocação. Mas em muitas situações esses concursos são estritamente para o setor estatal. E não podemos esquecer que 63% dos nossos alunos apresentam dificuldade do ponto de vista familiar e económico. A ideia de que no Privado só estudam alunos que têm posses ou capacidade financeira é absolutamente errada. Na maioria dos casos, o setor particular e cooperativo fica de fora desses financiamentos, no entanto, todos os estabelecimentos do setor particular e cooperativo têm reconhecimento de interesse público, na maioria dão cooperativas, e fazem parte da rede pública de ensino superior. Só que não são estatais. Temos sentido, ao longo do tempo essa discriminação, não somos tratados com equidade da mesma forma que são tratadas as instituições públicas.
Considera que essa diferença de tratamento se deve a um preconceito ideológico?
Estou convencido que é fundamentalmente por uma questão ideológica. O setor privado é visto como um setor que existe para ganhar dinheiro. Claro que apesar não ter fins lucrativos tem de ter capacidade de captar o seu próprio financiamento para pagar salários, construir, investir, fazer fase a despesas correntes, etc.. Mas há um preconceito que de tempos a tempos se agudiza e depende muito do contexto político. Não do contexto político tradicional, que seria partidário, mas de pessoas. Podemos ter dentro do mesmo grupo político comportamentos e funcionamentos completamente distintos. Já tivemos alturas em que o setor privado foi apoiado no sentido de não ser discriminado, ou seja, se são bons projetos, têm de acontecer; mas já tivemos muitas situações contrárias. O reconhecimento de graus e diplomas estrangeiros é um exemplo claríssimo da discriminação. Ora, se nós fazemos parte de uma rede oficial europeia, se estamos autorizados para a integrar e se é reconhecida a nossa qualidade, por que é que não podemos reconhecer graus e diplomas como fazem as universidades estatais ou a Direção-Geral do Ensino Superior (DGES)? Não tem nenhum sentido técnico nem objetivo e é claramente uma discriminação ideológica. O problema agora agudiza-se com a necessidade do nosso setor ter uma forte vertente de internacionalização. Não é nada simpático quando algum estrangeiro se dirige a uma das nossas instituições para ter o reconhecimento do grau ou diploma e nós dizemos que não os podemos reconhecer.
Tem esperança que haja mudanças neste sentido?
O senhor ministro da Educação tem sido muito claro quando se refere ao setor particular e cooperativo dizendo que é igualmente importante para o futuro da economia e que para ele não existem diferenças. Apenas que tem de ser um ensino de qualidade e deve respeitar aquilo que são as principais regras do funcionamento dos estabelecimentos de ensino superior. Temos fortes expectativas que o senhor ministro tenha atenção a este aspeto dos reconhecimentos o que seria um sinal muito objetivo de que nos reconhece como igualmente importantes. O setor privado poderia ter uma enorme vantagem no mercado global do ensino superior, o qual obriga a maior agilidade e autonomia das instituições para podermos ser agressivos. Atualmente há países de Leste que têm um foco muito importante para alimentar as economias locais e regionais. Temos a Hungria com uma abertura muito grande para o ensino privado, a Polónia ou mesmo Grécia que nunca teve ensino privado e já deu sinais de que vai investir em instituições que não estatais.
Com objetivos económicos?
As contas são fácies de fazer: se quiser formar 1000 médicos em Espanha, onde já existem 12 faculdades privadas além de 40 estatais, esses estudantes deixam lá cerca de 24 milhões de euros ao fim dos seis anos do curso. E não só em mensalidades. O mais grave é que para além desse dinheiro sair do nosso país, uma parte significativa dos licenciados fica em Espanha por existir capacidade de encontrarem trabalho bem remunerado e melhores condições. Podíamos fazer isto ao contrário, como já fazemos, por exemplo, na medicina dentária, onde 72% dos alunos das privadas são estrangeiros e maioritariamente comunitários. Neste caso, tal como na Medicina Veterinária, estamos a captar recursos que vêm de fora. lamentavelmente, mais um preconceito quanto ao privado é não se deixarem abrir suas faculdades de medicina privadas. Tivemos um sinal muito ténue, mas muito aquém daquilo que seria a capacidade instalada e de resposta à imensa procura.
Quais são as razões para não se deixarem abrir cursos de medicina no setor privado?
São claramente ideológicas. Neste caso, e do meu ponto de vista, é por necessidade de controlar o mercado. Às vezes diz-se que a Ordem dos Médicos coloca algum entrave, à semelhança de todas as ordens ou associações que defendem a as suas corporações. O que é normal. Mas nenhuma das outras é tida em conta e no caso da Medicina serve de desculpa a quem avalia e aprova os cursos para poderem dizer que não.
Garante que nesta área as Privados podem ter a mesma qualidade das Públicas?
Nós temos vários tipos de faculdades médicas em Portugal. As chamadas clássicas, mais robustas, temos algumas mais recentes que também apresentam capacidades para responder às exigências do ensino médico, mas temos outras que na minha opinião, não cumprem os requisitos mínimos para poderem funcionar.
Tais como?
Não vou dizer, mas quem estiver dentro do assunto sabe claramente do que estou a falar. Há a necessidade de evitar que se demonstre de forma objetiva que o setor privado é capaz de fazer tão bem ou melhor. Como já faz na Medicina Dentária, que é a primeira escolha, na Medicina Veterinária, nas Ciências Farmacêuticas ou na Fisioterapia. Falo da saúde porque é o setor que conheço melhor.
Uma das reclamações do setor é maior autonomia para poderem estabelecer o número de vagas.
Quais são as limitações?
A questão das vagas tem que ver com o funcionamento das instituições. Nós deveríamos ter um sistema que dissesse às universidades que para terem X alunos têm que ter determinadas condições. Essas condições não são muito explicitas. Sabemos mais ou menos quais são mas frequentemente pedimos a acreditação dos cursos, tentamos fazer um investimento para podermos ter um determinado número de vagas, mas quem decide determina que podemos ter 20% ou 60% daquelas vagas que estiveram na origem do projeto. Não faz sentido: ninguém propõe um curso, um ciclo de estudos, sem fazer um estudo de viabilidade económica, e não é legítimo que para um curso que é proposto com base em determinados pressupostos, o outro lado decida impor uma redução.
Propõe deixar o mercado funcionar por si?
Deixar o mercado funcionar, cumprindo regras que mantenham a qualidade. Mas não é dizer ‘eu tenho 100, mas agora eu quero ter 200’. Se quero ter 200 devo ter as condições e capacidade para isso. As regras têm de ser claras e objetivas. O que faz falta no nosso sistema, é retirar aspetos emocionais naquilo que é a gestão do ensino superior. Isto é, gosto, não gosto, talvez sim, talvez não. Acho que vai ser muito difícil acontecer, mas tenho muita expectativa que possa tornar-se uma realidade
É assim tão subjetivo?
Imenso e às vezes de uma forma absolutamente descarada. Só para se perceber até onde é que isto consegue chegar, nos últimos anos, à exceção do último ano, o grande argumento para não serem aprovados cursos medicina é que não há falta de médicos. Pode ainda não faltar médicos em número, mas falta mão de obra médica ou não existiam listas de espera. Utilizam-se argumentos que não têm lógica. Não podemos criar a situação de expectativa de acreditação de um curso que foi proposto para 120 vagas, com um investimento acima de 12 milhões €, como aconteceu recentemente, e só termos aprovadas 60 vagas.
Isto acontece também no setor público?
Sim. E não é só o setor privado que tem interesse em que isto mude, o setor estatal também tem. Acho que pela primeira vez há escolas públicas que também começam a não se sentirem confortáveis com este tipo de estratégia.
Em relação à contratação também há essa discriminação?
Em Portugal, o setor estatal já tem o regime próprio, mas éramos obrigados a ter carreiras paralelas ao do setor público. Resta saber o que é que se quer dizer com paralelas. Nós entendemos que seria algo objetivamente lógico, que seriam as categorias profissionais: um professor catedrático é um professor catedrático esteja onde estiver. O que defendemos é um regime com os professores de carreira, do quadro, mas também professores convidados que ajudam a acompanhar as flutuações de mercado e tornando viável o funcionamento das instituições. Para nós é muito importante que este estatuto de contratação de carreira do docente e investigador do setor privado seja discutido e aprovado mas que respeite a natureza jurídica das instituições. Se somos privados, temos constrangimentos por sermos financiados pelo nosso próprio trabalho e por estarmos a concorrer com um setor que é tendencialmente gratuito.
Quais são as vossas expectativa quando ao novo Regime Jurídico da Instituições de Ensino Superior (REJIES)?
Nós ainda vivemos com o REJIES de 2007. É preciso um regime jurídico que perceba que a diferença entre o estatal e o privado tem que ser reconhecida e essa diferença tem que ser objectiva. O Estado tem regras próprias, nomeadamente regras de contratação, etc., já os privados têm obrigatoriamente de tentar comprar sempre o melhor possível e gastar o menos possível. Não é por acaso que o aluno do setor privado custa pouco mais de 4.000 € ano, enquanto que no Estado é o dobro. O novo regime vai ser discutido em 2025 e tenho a noção que vai ser uma enorme guerra entre aqueles que querem manter o estado das coisas. Vai ser muito difícil uma mudança de fundo.
Quanto à avaliação das IES, que também as públicas reclamam não ser bem feita, como qualifica?
Temos de ter um sistema em que toda a gente acredite nele. Não podem ser só os avaliadores a acreditarem que estão a fazer bem. Quem é avaliado tem que acreditar na avaliação que é feita. Neste momento, e digo isto sem grandes exageros, o caos está instalado. Neste momento até temos as estatais a queixarem-se. Estão imensos processos em tribunal que não aceitam determinadas decisões absolutamente inaceitáveis nessa área.
Acha que ainda faz sentido o estatuto especial da Universidade Católica?
Eu sou católico e diria que 99% dos meus alunos são católicos e não entendo porque são tratados de forma diferente. Têm um estatuto muito especial, mais especial do que as pessoas julgam do ponto de vista de apoios. Mais uma vez, as regras têm que ser claras e têm que ser iguais para todos. Tenho muita consideração pela Universidade Católica, que se esforça e trabalha por fazer bem, e faz bem, mas isso não quer dizer que deva ter um tratamento diferente das outras. Nós assistimos durante algum tempo à atribuição de apoios estatais ao ensino, aos estudantes o que não nos parece razoável, porque somos quase todos católicos, partilhamos os mesmos ambientes, a mesma sociedade e há aqui um tratamento especial. No entanto, e ainda bem, essa diferença tem vindo a ser diluída.