Centenário. O lutador da liberdade e do lado lúdico da vida

Mário Alberto Nobre Lopes Soares nasceu a 7 de dezembro de 1924 –faria 100 no próximo sábado. A história em imagens, e não só, de um dos fundadores da democracia portuguesa e um grande defensor da liberdade.

Se há quem diga, metaforicamente falando, que determinados jogadores de futebol nasceram com uma bola colada ao pé, no caso de Mário Soares e a política a história não é muito diferente: sempre respirou, viveu e transpirou política. Vejamos o que disse ao jornalista Joaquim Vieira, autor da biografia Mário Soares, Uma Vida, edição D. Quixote. “No meu terceiro ano do curso liceal, resolvi fazer um ministério no Colégio Moderno com colegas meus (incluindo também raparigas). Nomeei vários como ministros e pus-me a mim como primeiro-ministro”. Cerca de 30 anos depois, a ‘profecia’ haveria de concretizar-se.
Mas o que tinha Mário Alberto Nobre Lopes Soares de tão especial, que levou até o seu pai a ‘dar-lhe’ três tutores devido às fracas notas que conseguia? “Não era antipático, não era mania da superioridade, era um estilo talvez um pouco paternalista. Olhava cá para baixo pensando que éramos pouco desenvolvidos e tinha de nos ensinar, mas todos gostávamos dele. Já tinha facilidade de falar, e falava sempre de cabeça levantada, direito, com aquela mesma maneira de andar. Já o ouviam, já era um chefe, tinha comunicabilidade, capacidade de arrastar os outros, já era diferente. Despertava uma grande empatia. estava sempre bem-disposto, era simpático, nunca o vi de mau-humor. Acho que nasceu político, um líder. Tinha uma força interior muito grande, mas com graça, não era um duro (…) Parecia até mais velho, sempre foi um adulto”. As palavras, que constam do livro citado, são de Odete Ferreira, aluna do Colégio Moderno, e que nos anos 90 iria liderar a luta contra a Sida em Portugal.

O professor Cunhal

Apesar do seu pai ter determinado que não teria privilégios no Colégio Moderno, pertença da família, Mário Soares acabou por ter direito a três ‘professores’ especiais: Agostinho da Silva, filósofo, poeta e ensaísta, Álvaro Salema, professor de Filosofia do Colégio, e Álvaro Cunhal. Foram estes três homens que tiveram uma importância fundamental na formação intelectual daquele que viria a ser um dos principais mentores da liberdade em Portugal. “Este meu filho tem a inteligência fechada, tem de abri-la”, disse João Soares para Agostinho da Silva.
Pouco tempo depois, Mário Soares acabará por aderir ao PCP, acabando por ser expulso uns anos depois, devido à sua incorrigível sede de liberdade e dos prazeres da vida. Ao entrar na política, Soares acabará por se notabilizar na campanha presidencial do general Norton de Matos. As suas passagens pelas prisões, a mando da PIDE, a polícia política da ditadura, hão de dar-lhe estaleca e reconhecimento da sua luta contra o regime do Estado Novo. Com dois meios irmãos, Soares não era o típico português, filho de um antigo padre, também ele um combatente contra a ditadura, será pela mão do pai que iniciará os prazeres da carne , quando foi levado a uma casa de prostituição. “Despacha-te que não tenho o dia todo para ti”, ter-lhe-á dito a profissional do sexo, segundo o livro de Joaquim Vieira.
Outro dos grandes momentos políticos de Soares será a criação, em 1964, da Ação Socialista Portuguesa (ASP), a antecessora do Partido Socialista. Depois de ter sido desterrado para São Tomé e Príncipe, de onde não podia sair, tendo a PIDE a controlar todos os seus movimentos, sendo-lhe quase impossível trabalhar para arranjar dinheiro para sobreviver, foi já com Marcello Caetano na presidência do Governo, depois da morte de Salazar, que Soares pôde voltar a Portugal, mas por pouco tempo. Com a ameaça de que seria preso se não saísse do país, Mário Soares vai então para Paris, onde tenta acabar o seu livro Portugal Amordaçado. Com a agitação da capital francesa, não consegue concentrar-se na escrita, tendo o editor francês convencido Soares a ir para a Abadia de Royaumont, nos arredores de Paris. “Ao fim de duas semana, eu disse [a Oulman] que não tinha escrito uma linha porque ali só havia mulheres de várias nacionalidades (até uma pintora russa) que me distraíam das minhas tarefas. Foi-me buscar de volta para Paris”, chegou a contar a Joaquim Vieira. Antes, já conquistara as atenções da comunicação social estrangeira, pelo seu papel na defesa da família de Humberto Delgado. Por esta altura ‘dividia’ com Álvaro Cunhal o estatuto de líder da oposição à ditadura portuguesa.
Em 1973, cria, juntamente com outros companheiros de luta, o Partido Socialista, e em 28 de abril de 1974 chega a Portugal, vindo do exílio, já como líder de um partido. Chegou dois antes de Álvaro Cunhal, o secretário-geral do PCP. Após as peripécias do 1 de maio de 1975, faz o célebre comício da Fonte Luminosa, onde tem toda a direita consigo, além daqueles que não queriam ver o país cair noutra ditadura, agora comunista. Soares é pois um dos obreiros do 25 de Novembro, mas Ramalho Eanes, líder militar operacional que colocará um ponto final nas loucuras da extrema-esquerda – a extrema-direita também quis aproveitar a situação, mas também foi posta na ordem –, ficará sempre como um dos homens a quem Soares nuca perdoou. Além de Eanes, pode juntar-se os nomes de Cavaco Silva e Rui Mateus, este por ter denunciado os escândalos de Macau.
Soares seria primeiro-ministro por três vezes – 1976/77, 78 e 83/85 –, e Presidente da República por duas, 1986-1996. Nas eleições de 86 conseguiu derrubar Freitas do Amaral e tornou-se o primeiro Presidente civil em democracia. Haveria de tentar um terceiro mandato, em 2006, contra a vontade da família e dos mais próximos, mas o seu ‘ódio’ a Cavaco falou mais alto e sofreu uma derrota estrondosa, tendo mesmo ficado atrás do seu companheiro de luta Manuel Alegre, que concorreu como independente.Soares teve o apoio do PS de José Sócrates.
Nesta edição especial, percorremos os 92 anos de vida de Mário Soares em fotografias, pertencentes à Fundação e aos fotógrafos Alfredo Cunha e Rui Ochoa. Alfredo Cunha, que foi fotógrafo oficial de Soares, resume a obra: “A ideia foi criar uma linha de tempo. Tentamos nos planos criar uma leitura e uma narrativa que as fotos estabelecem”. No fundo, é uma espécie de contraponto, em que “Soares está a chegar e a partir”. “Vi-o poucas vezes muito chateado. Era um bem-disposto. Soares era fixe!”.