Paula Franco. ‘A conjuntura política interna não permitiu ir mais além no Orçamento do Estado’

A Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados elege o IRS Jovem e a redução do IVA como positivo. Paula Franco diz que o Orçamento é ‘conservador e prudente’ e que algumas medidas são de continuidade face ao que foi privado em documentos anteriores.

Paula Franco. ‘A conjuntura política interna não permitiu ir mais além no Orçamento do Estado’

Como avalia o Orçamento do Estado para o próximo ano? É bom para os portugueses e para as empresas? Já admitiu que é muito contido e prudente…

É um Orçamento conservador e prudente, mas ainda bem para o bem da estabilidade, pois o documento passou no Parlamento, o que nos permite ter um ano para olhar para a economia e para o crescimento económico, o que é importante. Qualquer instabilidade e depois das instabilidades anteriores poderia pôr em causa o crescimento. Essas são partes positivas: a aprovação e o facto de ser um Orçamento conservador. O que realço mais é a medida do IRS que provavelmente é a mais significativa já que vai ter um impacto grande nos jovens, apesar de já havido outras medidas aprovadas anteriormente, mas esta vem reforçá-la ainda mais. Do lado das empresas, destaco a descida do IRC. Tenho defendido sempre a descida deste imposto, assim como a descida de tributações autónomas. Depois outras medidas, como os benefícios fiscais, o prémio salarial ficaram muito aquém do que seria desejável porque tem muitos ‘ses’, não são transversais a todas as empresas, só abrangem aquelas que têm convenções coletivas de trabalho e não abrangem aquelas que têm, por exemplo, portarias de extensão que é onde está a maior parte das empresas está e, como tal, fica um bocadinho aquém do que se gostaria em termos de benefícios fiscais.

Considera que o cenário de incerteza internacional e o próprio desenho que existe no Parlamento não permitiu ir mais além?
Acho que a conjuntura política interna não permitiu ir mais além, daí achar que também é um Orçamento cauteloso. É um Orçamento em que se veem muitas medidas de continuidade face ao que já tinha sido aprovado em Orçamentos anteriores por outros partidos. Nota-se, no entanto, que há uma melhoria em relação a algumas das medidas que já estavam implementadas e aí não houve grande inovação. Nessa parte acho que foi, em parte, para acomodar a conjuntura política interna.


Falou-se muito no risco de virmos a assistir a coligações negativas. O aumento duplo das pensões é um desses casos?
Foi com certeza, penso que para os reformados é positivo porque vão ter um aumento consolidado, isto é, permanente, mas face ao Orçamento e às margens orçamentais que existem acredito que para o Governo esta aprovação poderá ter sido complicado porque defendia subidas consoante a evolução da economia ao longo do ano. Houve aí claramente uma coligação negativa ou positiva, consoante o que queiram chamar.

Dependendo do ângulo…
Consoante o ângulo, mas tratou-se de um aumento permanente e foi superior face ao que estava previsto.


Estas aprovações ‘extra’ não tiveram em conta a ideia de contas certas?
Sou defensora das contas certas e acho que qualquer Governo, independentemente da sua cor política, tem de defender sempre este conceito. Acho que realmente o que se viu com as medidas entretanto aprovadas e a avulso que foram apresentadas pelos vários partidos, se calhar assistimos ao esquecimento desta ideia de contas certas já que aumentaram algum tipo de despesa que pode pôr em causa as contas.


Mas há risco de a despesa aumentar…
O Orçamento constrói-se com um objetivo, depois quando se começa a aprovar normas que não estavam previstas obviamente que tudo tem de ser ajustado.

E poderá pôr em causa as previsões em termos de despesa? Chegou a alertar para esse risco no verão, mas o Orçamento ainda não tinha sido apresentado…
Temos de olhar para a Europa devido às guerras e também para a nossa conjuntura interna e para todos os problemas que vivemos, nomeadamente em termos de retenção da mão-de-obra e da pressão dos aumentos salariais que estamos a assistir a todos os níveis. É difícil reter, é difícil contratar, é difícil manter trabalhadores e isso causa uma pressão muito grande, não só nas empresas, mas também no próprio Estado, no que diz respeito aos trabalhadores que o próprio Estado necessita. Toda esta pressão em relação aos aumentos salariais acaba por se refletir nas contas públicas e esta pressão em torno das subidas dos ordenados verifica-se nas mais variadíssimas profissões.

Primeiro os médicos, depois as forças policiais e militares, agora os bombeiros. Abriu-se a caixa de Pandora? Era expectável que isso acontecesse?
Era expectável porque está a acontecer a todos os níveis. Mas essa pressão também se está a verificar nas empresas privadas, só que o Estado tem uma preocupação porque conta com um número substancial de profissionais a que tem que atender e a despesa não pode aumentar consideravelmente porque a receita depois também não dá para cobrir a todos.

A não ser que Portugal encontre uma mina de ouro…
É natural que estejamos a assistir a uma pressão por parte dos funcionários públicos que estão obviamente a sofrer com a inflação, com a perda de qualidade de vida, com a perda do poder de compra e é natural que todos façam alguma pressão nesse sentido. Mas depois isso reflete-se nas contas públicas.

Em relação a medidas do Orçamento. Em termos de IRS, mantém-se a política de trajetória descendente?
Continua, mas é muito ténue, no entanto, os intervalos das taxas são ajustados. Ainda assim, continua a existir a mesma política de reduzir gradualmente as taxas de impostos.

Mas longe do que seria necessário para termos salários mais altos…

É sempre aquém. Costumo dizer que no bolso de quem recebe o salário ficará sempre aquém, mas para as contas do Estado qualquer mexida tem um impacto significativo. Por isso é necessário ser cauteloso sempre que se leva a cabo esta diminuição. No entanto, o que é importante é ir sempre neste caminho de continuar gradualmente a reduzir o IRS.

Uma das medidas que elogiou diz respeito ao IRS jovem. É suficiente para fixar os jovens em Portugal?
Suficiente nada é, porque os jovens têm outras questões que também os levam a ir para fora, nomeadamente a falta de habitação e a falta de condições para serem independentes. A questão da habitação é um problema transversal também e que deve preocupar muito os nossos governantes. Agora, todas as situações que possam existir no sentido de pagar menos impostos são mais atrativas do que não ter essa medida. Ser suficiente não, não me parece que seja suficiente, mas é melhor do que nada.

Chegou a pedir um Orçamento mais arrojado que apostasse nas questões da habitação. Essas medidas não são visíveis…
Não se veem muitas medidas, esperemos que apareçam por outras vias, fora do OE, nem tinham de aparecer. Espero que o Governo se foque nessa questão, porque não só é preocupante para os jovens como para toda a população. Além disso, vemos que esta questão agravou-se, por exemplo, com a deslocalização dos professores e de outras profissões.

Ao ter chumbado o IVA a 6% para a construção e para reabilitação urbana perdeu-se a oportunidade de ver os preços das casas mais baixos?
Era para ter ficado uma autorização legislativa, ou seja, que poderia vir a ser legislada ou não este ano, mas em determinada altura, o Partido Socialista disse que não ia aprovar autorizações legislativas.

Em relação à redução do IRC em 1% dá ideia que sabe a ‘poucochinho’?
Sabe a pouco, mas apesar de tudo é melhor esse sinal do que não haver sinal nenhum. Esse 1% em conjunto com a diminuição das tributações autónomas sobre viaturas já pode ter algum impacto nas empresas. Claro que é ténue, mas se calhar serão as medidas que mais impacto terão.


O ideal teria sido a redução de 2%? Sim. Para mim até deveria sermais.

E a isenção de IRS aos prémios será fácil de aplicar?
Vai ser uma dor de cabeça, a medida anterior também já tinha muitos ‘ses’, o que a tornou pouco aplicável. E faço notar que esta nova medida associa à necessidade de haver uma mexida nos últimos três anos na regulamentação coletiva de trabalho. O que significa que as entidades, as empresas que não estejam abrangidas por convenções coletivas de trabalho ficam de fora e não podem aplicar este benefício.

Cria uma situação de injustiça…
Sim e quando as próprias empresas ou os próprios trabalhadores não têm culpa. Aliás, é um beneficio mais para os trabalhadores do que propriamente para as empresas, porque em termos de tributação de IRS só vai ter influência no trabalhador.

Pela primeira vez não assistimos ao ‘festival’ em torno do aumento dos impostos indiretos ou não foi dado tanto destaque?
Há sempre alguns impostos encapotados que não se sentem diretamente e que acabam por ter algumas alterações. É uma forma de equilibrar o Orçamento, mas acredito que este ano não tenha sido dado destaque. No entanto, também confesso que nunca olho muito para essas medidas porque são muito específicas e pouco direcionadas para as empresas.