Para muitos, a escola constitui uma grande parte da existência. É lá que fazemos os primeiros amigos, que aprendemos as bases para aquilo que seremos no futuro, que temos as primeiras crises existenciais e que nos perdemos e reencontramos inúmeras vezes. Gostando ou não, a verdade é que todos os alunos com idades compreendidas entre os 6 e os 18 anos devem frequentar o regime de escolaridade obrigatória. E, mesmo que haja disciplinas que se goste menos, é importante que se perceba que o conhecimento é uma das únicas riquezas que nunca nos poderão ser retiradas. Mas o que pensam os alunos da escola? Qual a importância que lhe dão e o que mudariam nela?
Estudo e autonomia
Olívia Silva tem 15 anos e frequenta o 9.º ano. Adora viajar, já tendo feito algumas viagens internacionais e tirado alguns cursos de verão fora do país. Além disso, é membro de uma Academia de Música e colabora regularmente com o grupo de teatro de Santo André, GATO SA. Quando pensa em escola, a primeira palavra que lhe vem à cabeça é “estudo”: “Porque para mim a escola é principalmente um local de aprendizagem de novas matérias a que de outra forma teríamos mais difícil acesso”, explica ao i. “Mesmo as matérias que parecem não ter aplicação na nossa vida, vão servir como treino para adquirir outros conhecimentos”, acredita.
Ainda não sabe que área irá escolher depois dos exames, mas tem preferência pelas humanidades, “pelas disciplinas e essencialmente pela aprendizagem de novas línguas”. E sabe que quer ir para a universidade. “Quero experimentar novas áreas e acabar os meus estudos para depois poder começar uma nova fase e arranjar um emprego que eu goste”, conta.
Na opinião da jovem, as maiores falhas no ensino português prendem-se, sobretudo, com a “falta de aulas práticas que poderiam ajudar a estimular o entusiasmo por algumas das matérias”. “A falta de intervalos mais longos também interfere com a nossa disposição nas aulas. A indisponibilidade de professores para fazer coadjuvância em algumas disciplinas”, revela. Olívia Silva também sente falta de “projetos interdisciplinares em que os alunos tivessem autonomia para desenvolver projetos do seu interesse”. “Daria mais valor aos trabalhos individuais e em grupo e diminuiria o peso dos testes na nota final”, justifica.
A disciplina que menos gosta é Matemática, “por não entender, muitas das vezes, a sua aplicação no dia-a-dia”. “Mas no geral o desinteresse em algumas matérias ou disciplinas deve-se mais ao tipo de professor e da relação que estabelece com os alunos”, aponta.
Avaliação vs aprendizagem
João Roque, tem 17 anos, é aluno do 12.º ano, da área de Ciências e Tecnologias e sonha tornar-se um arquiteto. Sempre esteve envolvido em atividades extracurriculares. Aos seis anos, entrou para o teatro e, pouco depois, também para os Escuteiros. “Participei e experimentei sempre de tudo um pouco, desde desportos, até atividades mais ligadas à cultura, como a dança, as artes circenses, concursos de leitura e o parlamento dos jovens. No ano passado juntei-me à AMSA (Academia de Música de Santo André), onde toco flauta transversal na Orquestra de Sopros e Percussão. A propósito de intercâmbios, também faço parte do Clube Europeu da escola, com o qual já fui até Bruxelas. Participei também no projeto Erasmus, ficando durante uma semana acolhido numa família em Alcúdia, Mallorca. Este ano, participarei novamente no Erasmus, desta vez em França, em Pont-Audemer”, afirma ao i.
A sua relação com a escola foi, por isso, “quase sempre muito positiva”. “Penso que foram todas estas atividades e experiências, que me moldaram na pessoa organizada, comunicadora e empenhada que sou”, acredita. “Quando me levanto, todos os dias, vou para a escola para aprender. O problema é que, muitas vezes, a escola transforma-se num espaço centrado noutra palavra: avaliação. Sobretudo a avaliação formativa, como testes ou exames. Seja por considerarem este método eficaz para promover a aprendizagem, seja por não disporem, ou não quererem dispor de outra forma de aferir as capacidades dos alunos. Considero lamentável que se priorize a avaliação em detrimento da aprendizagem”, lamenta.
Na sua opinião, há muita coisa que está mal no método de ensino português. “Embora tenha havido alguma evolução, o modo como se ensina e avalia mantém-se inalterado. Grande parte do que aprendemos não é essencial para a nossa vida futura, e muitos conhecimentos verdadeiramente úteis não são ensinados na escola”, acrescenta. “Claro que é importante que qualquer indivíduo tenha um conhecimento geral das diversas áreas do saber. Contudo, os programas escolares, tal como estão estruturados, priorizam um conhecimento muito específico e teórico, em detrimento de algo mais prático e útil. Por exemplo, faria muito mais sentido aprendermos sobre culinária ou bricolage, em vez de decorar os cognomes dos reis da primeira dinastia. Mesmo nas disciplinas atuais, uma abordagem prática seria muito mais interessante e proveitosa para os alunos do que aulas passadas a ler ou a copiar textos para o caderno”, explica João Roque.
Para si, outra grande falha do sistema é a avaliação, já que “a maior parte da nota de um aluno baseia-se num único momento de avaliação teórica, como um teste ou exame”. “Todos os alunos têm capacidades diferentes: alguns têm excelente memória e raciocínio lógico, mas outros destacam-se pela criatividade na resolução de problemas ou pela facilidade de comunicação. Infelizmente, o ensino atual valoriza apenas o primeiro grupo. E mesmo entre os alunos com boa memória e raciocínio, basta que tenham um dia menos bom para o teste correr mal. Faz sentido que a sua nota seja comprometida por causa disso?”, interroga o aluno do 12.º ano.
Os exames são outra questão “frustrante”. No entanto, o jovem reconhece que estes funcionam como “um mecanismo de equilíbrio entre o ensino público e privado, o que é extremamente importante”. “Muitas vezes, as notas dos colégios são inflacionadas, mas o oposto também se verifica nas escolas públicas. Vários professores, esperam tanto dos alunos que se regem por padrões extremamente exigentes, deflacionando também as notas. É necessário encontrar-se uma alternativa aos exames que continue a garantir esta igualdade. Qual seria essa alternativa? Não sei, mas acredito que o tema deveria ser discutido entre o Ministério da Educação, professores e alunos, para se encontrar uma solução viável que atendesse aos interesses e preocupações de todas as partes envolvidas”, sublinha.
Preparar-nos para o mundo
Para Francisco Sousa, escola é sinónimo de “dever”. “De momento, a escola é o meu trabalho, como tal é minha obrigação fazer o meu melhor para alcançar os meus objetivos académicos”, explica. Tem 19 anos e frequenta o 12.º ano do Curso de Ciências e Tecnologias. Gosta de música, ler, escrever, de jogos de tabuleiro e videojogos. “Também gosto de participar em projetos escolares, nomeadamente o Projeto Erasmus +, no qual já participei no ano letivo de 2023/2024 e que irei participar novamente neste ano”, revela. O jovem já está certo daquilo que pretende seguir: engenharia química, pois gosta muito de química e matemática.
No seu entender, o maior problema no ensino português é “a falta de certas disciplinas no currículo escolar”: “Nomeadamente disciplinas como Literacia financeira, Habilidades de Comunicação/Trabalho em Equipa em Ambiente Profissional e Educação Sexual”, enumera. “Apesar destes temas poderem ser ensinados em ambiente familiar – e de algumas escolas ensinarem o básico através de outras disciplinas, como o caso de Cidadania –, considero que aprofundar estas questões na escola é benéfico para os jovens portugueses, que na sua maioria não têm esse apoio no âmbito familiar”, alerta.
A disciplina que menos aprecia é Educação Física. No entanto, Francisco Sousa acredita que “tudo o que aprendemos tem utilidade”. “Mesmo que no presente não pareça, eventualmente tudo o que aprendemos será posto à prova um dia e o ‘saber nunca ocupa lugar’”, lembra.
Adaptar o ensino a cada um
Catarina Gomes tem 14 anos e, tal como Olívia, está atualmente no 9.º ano. Uma das suas maiores paixões é a dança. “Danço desde os três anos e sempre houve qualquer coisa que me chamou. Tanto o ballet como a dança contemporânea fazem-me sentir bem. Os livros também acabam sempre por me salvar, levando-me para outras realidades”, afirma a jovem.
Quando pensa em escola, pensa em “conhecimento”: “Todos os dias é-nos transmitido conhecimento vindo tanto dos professores como dos funcionários da escola. Não nos são apenas transmitidos os conhecimentos essenciais das disciplinas mas também outro tipo de coisas que nos vão ser necessários na vida”, defende. E é lá que dá o seu melhor todos os dias. “Tanto nas notas como na pessoa que sou”, frisa.
A área que quer seguir ainda é uma “incógnita” para si. “Se estivesse numa cidade perto dos grandes centros provavelmente iria para dança, mas como essa não é a minha realidade, provavelmente vou para Ciências, Geometria Descritiva, tudo menos Geologia”, garante. No entanto, imagina-se no futuro como bailarina profissional numa companhia de dança contemporânea, a dançar todos os dias. “Também me imagino a escrever histórias de fantasia e de romance, a escrever sobre os meus sentimentos. Eu acho que me imagino a viver dentro do mundo da arte, a expressar os meus sentimentos e pensamentos”, reflete Catarina Gomes.
Apesar de adorar a escola e isso se refletir nas suas notas, a aluna no 9.º ano acredita que a escola não prepara os alunos a 100% para o mundo. “Não nos ensinarem a cozinhar (já que nem todos o aprendem em casa), a pagar os impostos e como funcionam. Acho que é uma grande falha no ensino porque a partir do Secundário coisas como essas deveriam ser ensinadas”, acredita. Além disso, “não colocaria todos os alunos a ter o mesmo tipo de ensino”. “Não somos todos iguais e isso não é um problema, pelo contrário. Mas por essa mesma razão não aprendemos todos de maneira igual. Uns estão bem adaptados para este tipo de ensino. No entanto, os outros, se calhar, tiravam melhores notas se aprendessem as coisas de maneira prática com exemplos do dia-a-dia, principalmente na Matemática”,justifica.
Catarina Gomes, não é “grande fã” das disciplinas Cidadania e Desenvolvimento e TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação). “Por um lado são importantes para nos preparar para a vida lá fora, mas depois de uns anos a ouvir sempre as mesmas coisas começa a ser cansativo”, lamenta.
Ensino cada vez mais tecnológico
No que toca à utilização de tecnologias e à transformação dos meios de estudo… João Roque considera-se um utilizador intensivo de tecnologia no contexto escolar. Em qualquer trabalho ou atividade, recorre “às mais diversas ferramentas tecnológicas e digitais”. “É uma enorme mais-valia para o meu método de trabalho. Dito isto, acredito que a inclusão do digital no ensino faz cada vez mais sentido”, admite
Porém, continua o jovem de 17 anos, há aspetos que considera que devem ficar fora dessa evolução. “Antes de mais, a maior parte dos professores não tem prática no uso das ‘novas tecnologias’ e muitos alunos também não sabem, pelo menos corretamente, como recorrer às diversas ferramentas digitais”, começa por explicar. “Um exemplo disto é o simples ato de fazer uma pesquisa na internet e saber filtrar ou selecionar os resultados. Isto constitui uma falha grave no ensino, já que se espera que os alunos realizem grandes trabalhos utilizando tecnologia, mas não se ensina como utilizá-la”, revela. A disciplina de T.I.C., nesse sentido, “falha em larga escala”. “Quando a tive no 2.º e 3.º ciclos, o que fiz foram pequenos trabalhos com ferramentas como PowerPoint ou Padlet, muitas vezes sobre temas de outras disciplinas”, lembra.
Quanto aos manuais digitais, João Roque nunca os utilizou e é contra a sua adoção. “Por mais apelativo que possa parecer ter um recurso interativo de aprendizagem, considero que não são funcionais. Em primeiro lugar, trazem consigo um enorme problema: dependem de eletricidade e de ligação à internet para funcionarem. Além disso, o seu uso apresenta enormes distrações para os alunos que, com um simples clique, podem desviar-se completamente da aula. Por fim — e isto para mim é que não faz qualquer sentido — discute-se o alheamento das novas gerações em relação aos livros e à informação física, mas promove-se um recurso que representa exatamente o oposto”, denuncia.
Para si, os computadores individuais devem, sim, ser utilizados nas aulas, mas para trabalhos específicos e pontuais, e não como um dos principais meios de ensino. “Caso contrário, corremos o risco de comprometer a aprendizagem de um aluno só porque está trovoada e a internet ficou lenta”, sublinha.
A beleza dos manuais físicos
Para Catarina Gomes também era melhor “quando os manuais eram físicos”: “Acabamos por nos distrair com o computador. Pessoalmente gosto mais de ter papel para tocar e para poder fazer apontamentos e sublinhar. Sei que o suposto é carregar menos peso na mochila, mas o meu computador consegue ser bastante pesado”, conta.
Contrariamente, Olívia Silva e Francisco Sousa preferem o ensino com os manuais digitais. “Acho que melhorou a qualidade das aulas facilitando as pesquisas e também diminuiu o peso das mochilas. Pessoalmente sinto que desenvolvi novos métodos de estudo e consigo me organizar melhor tornando o estudo mais produtivo”, garante a aluna de 15 anos. Além disso, gosta da autonomia que os computadores permitem ter, “facilitando o estudo em qualquer hora e local”. Para si, a qualidade das aulas também melhorou.
Já para Francisco esta também facilita a comunicação entre colegas e professores. “O que gosto mais na escola é o facto de estar entre colegas que considero como amigos/amigas. Frequentar uma escola na companhia das pessoas que gostamos dá-nos a possibilidade de encarar as aulas e testes de uma forma mais positiva. Com isto quero dizer que socializar e constituir amizades é benéfico tanto para a nossa autoestima como também para o nosso ensino, pois não sentimos que temos de ‘passar’ por isto sem apoio”, acrescenta o jovem.
“Gostava de imaginar a escola daqui a uns anos como um espaço de edificação de indivíduos, onde fosse possível não apenas aprender teoria, mas também crescer a nível social, comunicativo, afetivo e de caráter. Um espaço onde não aprendêssemos as respostas, mas antes como chegar até elas. Um espaço onde pudéssemos aprender, com prazer”, remata João Roque.