O que se ensina e o que se aprende na Matemática?

Não se aprende contas de dividir com muitos números nem se obriga os alunos a decorar a tabuada. Mas os objetivos na Matemática são os mesmos de sempre. O raciocínio é o mais importante. 

A conversa começa sempre pelo comparar de gerações: no meu tempo decorávamos a tabuada, fazíamos contas de cabeça e sabíamos mais na quarta classe do que hoje os miúdos aprendem no 8º ano. A prova dos nove, a regra três simples e outros clássicos ficaram gravados na cabeça de quem tem hoje mais de 50 anos e não esquece a sofrida escola primária lecionada antes e depois da revolução, em que o programa se manteve inalterado durante algum tempo por obra e graça do ministro Veiga Simão. O exame da 4ª Classe, universal e obrigatório para todos, era o momento alto da vida das crianças, que tinham de decorar, memorizar e resolver contas de dividir com dividendos e divisores de milhões e restos que teimavam em não dar zero. Por outro lado, e o paradoxo é este, são hoje poucos os pais que conseguem acompanhar os filhos nas suas tarefas escolares. Quantos não vão às soluções dos manuais antes de os ajudarem a resolver um exercício sobre ângulos ou conversões ou estudam às escondidas antes de ensinar para aprenderem o que têm de ajudar os filhos nos trabalhos de casa?

Em Matemática, o currículo começa a complicar-se no segundo ciclo, onde se dão os primeiros cheirinhos das funções, onde entram as incógnitas, as raízes quadradas, o volume com os famosos cálculos sobre quanto tempo demora a encher uma banheira que tenha determinada dimensão. É aqui que a vida escolar começa a separar os pais dos filhos, os alunos da Matemática e a Matemática do comum dos mortais.

O que se passa com a Matemática?

Os resultados das avaliações internacionais mostram que os alunos portugueses estão mal a Matemática e não é um mal europeu. É mesmo nacional. Os nossos alunos que desde 1995 até 2015 evoluíram a um ritmo constante e chegaram a ultrapassar vacas sagradas nos rankings das competências em Educação como a Finlândia, começaram a regredir há nove anos, pioraram com a pandemia e a melhora é uma promessa que irá demorar a cumprir mas que não apanhará uma geração já avessa aos números e ao cálculo.

O sucesso dos alunos portugueses começou em 2000 e não parou de crescer. Foi a partir de então que se começou a dar maior importância à avaliação estabelecendo-se as provas de aferição nos finais dos ciclos do Ensino Básico que seriam substituídas por Nuno Crato por exames com consequência para a nota final. Mais tarde, em 2010, foram elaboradas as primeiras Metas de Aprendizagem, no Governo de Sócrates. Uma definição “precisa e escalonada as metas de aprendizagem para cada ciclo, o seu desenvolvimento e progressão por ano de escolaridade, para cada área de conteúdo, disciplina e área disciplinar”, disse a ministra Alçada Batista na altura. Estas metas foram revistas em 2012. Professores, especialista em Educação e investigadores reorganizaram os programas e estabeleceram-se metas para cada ano. A metodologia de ensino, essa, caberia a cada professor definir. Em 2015, o Governo socialista apoiado pelo PCP e BE iniciou uma rutura com o passado e aprovou a iniciativa do BE que acabava com os exames. Professores, alunos e pais descomprimiram. Os programas era extensos e as metas difíceis de atingira, queixavam-se. As novas indicações foram surgindo a conta-gotas: foi transmitido às escolas que os programas em vigor não eram para ser seguidos à risca, reduziu-se os conteúdos programáticos em 25%, e estabeleceram-se as famosas Aprendizagens Essenciais elaboradas por associações profissionais. As famosas Aprendizagens Essenciais aparecem como um referencial para o ensino e para a avaliação onde estão definidos os conhecimentos e as capacidades que os alunos devem desenvolver no final de cada ciclo. Aprendizagens Essenciais, Programas e Metas Curriculares, Perfil do Aluno e Orientações Curriculares da Direção Geral de Educação, era com estes documentos que os professores deviam trabalhar, desenvolver o seu próprio currículo. Foi-lhes dada “autonomia curricular, com possibilidade de partilha de horário entre diferentes disciplinas”, assim como a possibilidade “integração de projetos desenvolvidos na escola em blocos que se inscrevem no horário semanal, de forma rotativa ou outra adequada”, e os currículos passaram a ser lecionados em função das necessidades da turma e dos ritmos de aprendizagem. Os resultados apareceram em 2018, 2019, 2022 e outra vez em 2023, nos relatórios internacionais onde os alunos portugueses aparecem pela primeira vez em queda, a descer nos lugares nos rankings, nas pontuações e a serem ultrapassados por outros países. Na Matemática a queda deu-se e mantém-se em todos os domínios: Geometria, Números, Álgebra e Dados.

É a forma ou o conteúdo?

Chegados aqui, temos uma certeza e várias questões: os alunos que têm hoje menos de 13 ou 14 anos são os que menos sabem Matemática em comparação com os seus colegas mais velhos. Quanto a perguntas: o problema está no conteúdo do que se ensina ou na forma como se ensina? Será que os irmãos mais velhos destes alunos sabem mais que os seus pais? O que aprendem os nossos alunos?

“Não é mais complicado por ser exigente”, diz Isabel Hormigo, da Sociedade Portuguesa de Matemática. “Quando se tem um currículo mais exigente, ou seja, um currículo com objetivos bem claros, bem estruturado, com uma sequência correta, pode parecer mais exigente mas não é. Para os professores fica tudo mais claro”. Quanto aos conteúdos, hoje em dia ensina-se o mesmo que dantes, no tempo da reguadas, “só que a compreensão dos miúdos é muito maior neste momento”, garante esta professora de Matemática. Os pais tiverem um programa mais mecanizado, aos filhos dá-se um programa mais explicado. As perguntas andavam sempre à volta do mesmo, hoje dá-se muita importância ao conteúdo, aos conhecimentos que estão interligados e depois passa-se para a parte das aplicações. “Também não se dava tanta importância ao raciocínio”, explica. E quanto à memorização, pode não parecer, mas ainda é considerada fundamental. “Se os alunos não estiverem treinados na tabuada, no algoritmo, não podem estar sempre a parar o raciocínio para ver quanto é que é 6×7. Há aqui um misto: antigamente talvez fosse tudo pela memorização, atualmente há alguma memorização, mas sabe-se que à medida que o tempo vai passando e que os miúdos vão crescendo é necessário ir desenvolvendo a parte cognitiva nas várias vertentes”.

Na mesma senda vai a professora Paula, que ensinou Matemática durante mais de 40 anos em todos os níveis de ensino. A primeira coisa a ter em conta, segundo esta professora, é a massificação do ensino: “Não pode ser tão exigente como antigamente. Os meus netos no 7º e 8º fazem cálculos que dantes se faziam na quarta classe”. Aquilo que é mais valorizado é que “os miúdos raciocinem, é mais importante do que decorar. A exigência até pode parecer menor em termos de conteúdo mas em termos de resolução de problemas e raciocínio, é muito mais exigente. Estarem aptos a resolver qualquer situação sem terem já resolvido um caso igualzinho há uns tempos atrás”.

Quanto às contas de dividir intermináveis, Isabel Hormigo diz que foi contra quando se deixou de exigir esta competência aos alunos em 1987. “Era uma das formas eficazes de treinar a concentração”, garante. Já a professora Paula defende que “nos dias de hoje não é importante os miúdos fazerem essa contas todas, com as tecnologias é mais importante desenvolver o raciocínio dos miúdos de formas mais desafiantes. É como saber os rios e os afluentes, hoje em dia está obsoleto: carregamos num botão e temos a informação toda”. Na sua opinião, “um miúdo no ensino básico talvez tenha menos contas de dividir, mas sabe raciocinar mais do que uma pessoa há 20 ou 30 anos. Essa é a grande diferença”. O importante, sublinha, “é dar tempo para que as políticas educativas mostrem os seus resultados e não ande a mudar cada vez que mudam os governos”.