Apesar de a disciplina de Português ser aquela que tem mais horas, que os alunos estudam mais anos e a única que tem direito a dois exames obrigatórios ao longo dos 12 anos de escolaridade obrigatória, parece que os nossos alunos escrevem com cada vez mais erros, não leem livros e falam um novo tipo de português, qualquer coisa entre o português de Portugal e o português do Brasil. Os resultados do PIRLS 2021, o estudo internacional de avaliação da literacia de leitura dizem que os alunos portugueses do 4.º ano leem pior do que em 2016 e do que em 2011. A tendência negativa confirmou-se no famoso PISA de 2022. Os quase 7 mil alunos portugueses de 15 anos que realizaram as provas de leitura e interpretação de textos obtiveram piores resultados do que os seus colegas em 2018, penas 5% conseguiram compreender textos longos, entender conceitos abstratos e distinguir um facto de uma opinião. Estes resultados só são compráveis aos níveis de desempenho dos nossos alunos avaliados em 2007.
Apesar desta tendência, a verdade é que hoje 50% dos jovens entram na universidade, os restantes estão a acabar o 12º ano, e são mais do que a média dos países da OCDE. Há 50 anos era apenas 3%. O mesmo no abandono escolar, que é de cerca de 5% e em 2010 era de 40%. No entanto, o Português é caso complicado. É pedido a todos os alunos que leiam Gil Vicente, que conheçam heterónimos de Fernando Pessoa, que saibam as obras de Eça de Queiroz, de Padre António Vieira ou que consigam interpretar Luís de Camões. Mas cada vez mais essas obras, a literatura, está longe do seu mundo dominado pelo TiK Tok, pelas mensagens feitas de siglas e pelas leituras rápida dos écrans. “No primeiro ciclo, os alunos vão progredindo apesar da fraca capacidade leitora e grande parte deles chegam ao 2.º Ciclo apenas com leitura silábica”, relata a professora Assunção Silva, de Ensino Especial, que há mais de 30 anos acompanha alunos com dificuldades dentro e fora das escolas. No Português aquilo que é o mais importante preditor de bom desempenho são as famílias. O nível de escolaridade dos pais, o número de livros que os alunos têm à sua disposição em casa, terem ou não pais que leem e a valorização que é dada à escola pela família. O estudo Práticas de Leitura dos Estudantes dos Ensinos Básico e Secundário, elaborado pelo Plano Nacional de Leitura CIES-Iscte, revelou que mais de metade dos alunos, 57%, é oriunda de famílias com uma relação fraca com a leitura e praticamente um terço dos alunos do Secundário nunca ou raramente vê familiares a ler. Outra conclusão diz que “os alunos com mais livros em casa são aqueles que mais frequentam as bibliotecas escolares”.
Gramática e leitura A forma como se passa o conhecimento, o tipo de conhecimento, os tipos de textos muito fechados, que precisam de ser lidos mais do que um vez para os professores perceberem. Rui Santos, professor de Português, no Porto, que leciona há mais de 20 anos em várias escolas, garante que é um mundo aquilo que separa a realidade ensinada na escola da vida real dos alunos.“É preciso muito imaginação, criatividade e técnica para se conseguir que eles se interessem pelo Português. Porque só motivados conseguem aprenderem e apreciar a língua, os autores e as obras e ganharem o gosto pela leitura e escrita”. O Plano Nacional de Leitura continua a recomendar os meus livros de sempre. Os clássicos, os autores que há dezenas de anos ajudam os alunos a perceber o mundo e a darem alas à sua imaginação. O desfasamento está na matéria prima que se encontra na sala de aula. “O que se nota é que há uma fuga clara à leitura porque a vida dos miúdos é cada vez mais distante da leitura. Eles passam em média 4 horas nas redes sociais e a leitura implica tempo, paciência e outra postura que eles não têm”, garante a professora Assunção.
No entanto, ao nível da gramática, há coisas muito mais específicas que não se dava antigamente. Apesar de a gramática mais complexa, não está a ajudar a capacidade ou o gosto pela leitura e escrita dos alunos. “Esta complexidade apenas serve para distinguir um aluno que consegue ir mais além no Português de um aluno médio, porque regra geral eles não percebem o complemento do adjetivo, o complemento do nome, o predicativo do complemento direto ou indireto, verbos copulativos, transitivo direto e indireto, etc.. São coisas tão especificas”. E não ajuda. Os professores são da opinião que regra geral os alunos não estão motivados para a leitura e para a escrita. Apenas aqueles que chegam ao 2.º Ciclo com boas bases e quando, nas famílias, há esse treino, se conversam, se partilham interesses, só assim se consegue motivar os alunos. “Tudo isso é determinante”, garante a professora Assunção.
Além da falta de disponibilidade para os livros, as redes sociais que roubam o pouco tempo livre e que ocupam cerca de quatro horas em média dos alunos por dia, o português do Brasil é outra das variáveis que está a baralhar as contas e a condicionar as aprendizagens. “Está a entrar de uma forma muito discreta mas está a entrar. Há muitos miúdos que falam português do Brasil e não são brasileiros”, conta. Os pronomes antes do verbo, o gerúndio, na pormenorização, ‘eu dou a ela’, por exemplo, e até no vocabulário, na semântica, como nazistas em vez de nazis, são o dia-a-dia nas escolas”, garante.
O problema mais grave é que o domínio do Português é meio caminho andado para o bom desempenho nas outras disciplinas e é fundamental para se conseguir interpreta os problemas de Matemática, perceber História ou estudar Ciência. Dificuldades a Português é a causa de falta de aproveitamento em muitas outras disciplinas, garantem os professores. Como quebrar o ciclo? São muitas bolas no ar e muitas variáveis a ter em conta. No entanto, “não se pode baixar as fasquia. O problema não está nos conteúdos de leitura nem da complexidade da Gramática – que até podia ser agilizada –, mas sim na na forma como se ensina. É preciso muita criatividade e técnica”, afirma a professora de Ensino Especial.