Tinha quatro anos quando recebeu o primeiro pai natal. A figura do ‘senhor de barbas brancas’, feita de palha e tecido, saiu-lhe por engano como presente numa festa de Natal, onde, tal como as outras meninas, o combinado seria receber uma boneca.
«Foi o destino», afirma Clarisse Rodrigues, que, 60 anos depois, conta já com uma coleção de mais de 10.000 pais natais de todos os feitios e tamanhos – o maior com 1,80m de altura. Clarisse ainda guarda com carinho a fotografia em criança com o primeiro exemplar da coleção que acabaria por ser considerada a maior do país.
«Achei logo piada à figura do pai natal e tem um significado especial por tudo o que simboliza: a amizade, a honestidade, no fundo, o espírito do Natal, que para mim é o ano todo», afirma a colecionadora.
Até 5 de janeiro é possível ver cinco mil exemplares do espólio no Festival de Inverno do Concelho de Alvaiázere (FICA), em Leiria, expostos na tenda gigante que acolhe o evento. «Só não estão mais por falta de espaço», brinca Clarisse, que já vai na vigésima segunda exposição ao público. ACâmara de Alvaiázere, responsável pela organização, acrescentou mais duas mil figuras em relação à edição do ano passado, com as últimas novidades.
A maior do acervo está à guarda da Câmara Municipal de Alvaiázere desde 2017, que todos os anos organiza uma exposição. O resto fica guardado no Clube Tampinhas, um espaço comunitário na vila de Ansião, onde reside a colecionadora.
Da coleção privada às exposições
«Até 2001 a minha coleção era só privada e, nessa altura, a minha casa era toda decorada com pais natais, inclusive as escadas do prédio , com autorização dos vizinhos. Era algo que chamava muito a atenção e apareciam muitas pessoas curiosas para ver», conta.
«Achei que era um ‘crime’ eles estarem fechados ao público e foi aí que comecei a fazer exposições. A coleção já passou por várias partes do país, especialmente aqui no centro. Quando comecei a ficar sem espaço para guardar tudo a Câmara de Alvaiázere fez-me uma proposta para colaborar e eu aceitei».
Os exemplares vêm de todos os cantos do mundo e têm os materiais mais inusitados, desde cerâmica, vidro, madeira, tecido e até ráfia. «Um dos mais recentes é feito de sal-gema das minas da Polónia!». Mas, para a colecionadora, o pai natal mais especial não veio de um país distante, nem é feito dos materiais mais raros. «Foi feito à mão pela minha mãe, que entretanto já faleceu. Tem um grande significado para mim. Ela demorou anos a fazê-lo e tive de lhe fazer um ultimato para que finalmente o acabasse», recorda. «É o meu favorito».
Clarisse herdou da mãe a paixão pelo artesanato e o espírito natalício e muitos dos pais natais são feitos manualmente pela própria colecionadora. A família e os amigos são os primeiros a apoiar e a participar nesta «loucura saudável» – como lhe chama – e a contribuir para o crescimento da coleção. Todos os anos, Clarisse recebe dezenas de novos pais natais. «Há sempre alguém que vê um pai natal, lembra-se de mim e oferece-me. É muito fácil darem-me prendas».
«O único critério é que nenhum pode ser repetido. Mas, mesmo quando aparece algum igual, eu arranjo forma de alterá-lo para o tornar diferente e poder fazer parte da coleção», explica.
Além das figuras e estatuetas típicas que se encontram nesta altura do ano, a coleção inclui todos os objetos que tenham a figura do pai natal, desde peças decorativas, desenhos, acessórios, roupa, bijuterias, utensílios de cozinha, brinquedos ou artesanato. «Eu recebo de tudo, até desenhos de pais natais que as crianças me fazem. Adoro ver a cara de felicidade delas e depois a reação anos mais tarde ao reverem o desenho que fizeram. Acho que é esse o espírito desta coleção», acrescenta.
Ainda que, para Clarisse, o Natal seja o ano todo, sair de casa a partir de novembro é «particularmente complicado». Com o aproximar da época natalícia, as montras e os mercados enchem-se de decorações festivas e, como não podia deixar de ser, a figura icónica do ‘velhote das barbas brancas’ também começa a a aparecer.
«É um perigo. Quando saio para dar uma volta, há sempre um pai natal que chama por mim e acabo sempre por trazer algum para casa. Tenho uma boa memória visual, o que ajuda a não comprar exemplares repetidos», conta a colecionadora, que admite que a maior dificuldade neste momento é descobrir o que ainda lhe falta na coleção.
Uma coleção digna do Guinness
Oferecidos ou comprados, certo é que a coleção de Clarisse não pára de crescer e já quase esteve para entrar no Guinness Book of Records, «não fosse o custo e o processo burocrático e complexo da candidatura».
«Era uma coisa que gostava que acontecesse, mas o custo da candidatura e para os revisores virem cá avaliar a coleção é muito elevado. Não compensa», desabafa.
Atualmente, o título de maior colecionador de pais natais do mundo é detido por Jean-Guy Laquerre, um professor do Canadá, que tem mais de 25 mil objetos alusivos ao pai natal, de acordo com o livro de recordes Guinness.
«Não me interessa tanto atingir um número ou uma meta de pais natais. A coleção vai aumentando aos poucos. Vou continuar enquanto tiver saúde e enquanto houver vontade dos outros em colaborar também», afirma.
«Isto é mais do que um hobby. Simboliza todo o espírito natalício de entreajuda e de solidariedade, que deve haver o ano todo. Infelizmente, acho que hoje o Natal é cada vez mais focado no consumismo, mas isso não é o mais importante».