‘Processos-elefante’ do DCIAP: Ordem para acelerar

Caso Monte Branco, que já leva 14 anos, deverá ser encerrado em 2025. Equipas de investigação do DCIAP vão ser reorganizadas para dar maior celeridade aos inquéritos. José Sócrates e os outros 21 arguidos da Operação Marquês já não escapam ao julgamento.

O procurador-geral da República (PGR) está com pressa em arrumar a casa e uma das primeiras decisões internas foi em relação ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), onde é investigada a criminalidade mais complexa e os megaprocessos. No tempo de Lucília Gago, era o vice-PGR que despachava os assuntos do DCIAP, por delegação de poderes, mas agora Amadeu Guerra mudou tudo e é ele próprio quem despacha todos os assuntos do departamento que exigem uma intervenção do topo da hierarquia.
Segundo o Nascer do SOL apurou, o PGR já falou com os procuradores titulares dos inquéritos mais complexos e badalados – como a Operação Influencer, que fez cair António Costa, a Operação Zarco, que investiga suspeitas de corrupção na Madeira e atingiu Miguel Albuquerque em plena campanha eleitoral, e a Operação Maestro, onde o empresário Manuel Serrão é suspeito de fraude na obtenção de subsídios da União Europeia, que poderão ultrapassar os 40 milhões de euros.
Amadeu Guerra quis fazer um ponto de situação e ouvir o elencar de provas enunciadas pelos investigadores. Ouviu as equipas, deu luz verde para continuarem, mas exigiu a todos maior organização, planificação de trabalhos e rapidez nas decisões. Ao trio que lidera a investigação Influencer, atolado em informação resultante das 42 buscas realizadas no ano passado, incluindo ao gabinete do então primeiro-ministro, em S. Bento, já despachou favoravelmente o pedido que fizeram de um computador com capacidade-extra para analisar a prova.
O facto de os mesmos procuradores acumularem vários megaprocessos é uma das maiores dores de cabeça do novo diretor do DCIAP, Rui Cardoso. Por maior esforço que façam, não é humanamente possível fazer investigações céleres. Por exemplo, o procurador Hugo Neto está em dois grandes casos: os três inquéritos em que a Operação Influencer foi dividida e os três processos do caso EDP. A procuradora Rita Madeira, por outro lado, está no caso Influencer e no da Madeira, onde, passado um ano, ainda não foram analisadas as ‘toneladas’ de prova apreendidas. O PGR deu carta branca ao diretor do DCIAP para reorganizar as equipas, mudando a titularidade dos inquéritos para outros magistrados.
Além disso, a tolerância para os processos que se têm arrastado no tempo é zero. Amadeu Guerra fez, por exemplo, um ‘ultimato’ aos procuradores Hugo Neto e Carlos Casimiro, que ainda têm em inquérito uma certidão do dossiê EDP, que já leva uma década: fez um despacho de aceleração processual em que lhes deu 30 dias para apresentarem um plano para ‘desatar’ o processo e estabelecerem o que falta fazer e como o vão fazer.
Outro dos processos mais antigos em que o PGR também já interveio foi o Monte Branco – o gigantesco esquema de branqueamento de capitais montado por uma rede suíça e usado por dezenas de empresas e executivos empresariais para fugirem ao Fisco, que foi detetado em 2011 nas investigações do caso BPN. Grande parte dos arguidos beneficiou, ao longo destes anos, da suspensão provisória do processo, ou seja, pagaram o que deviam ao Fisco e o DCIAP não deduziu a acusação, mas há arguidos ainda a aguardar uma decisão. Amadeu Guerra deu instruções a Rosário Teixeira, titular do inquérito, para que os notifique: ou pagaram o que devem até ao fim de 2024 ou serão acusados de fraude fiscal e branqueamento de capitais já nos primeiros meses do ano.
No total, até agora, o processo Monte Branco foi bastante rentável para os cofres do Estado, tendo já permitido recuperar para cima de 150 milhões de euros, que foram pagos pelos arguidos em troca da suspensão provisória do processo. Uma das empresas que pagaram foi a construtora Bento Pedroso, que hoje integra o grupo Odebrecht: cerca de 5 milhões de euros. Na sua pegada, vieram outras.
Recorde-se que foi o caso Monte Branco que deu origem a alguns dos processos mais quentes da década, como a Operação Marquês, iniciada em 2013, e depois os mais recentes Cartão Vermelho, Prolongamento e Operação Picoas – estes três iniciados em 2018 e ainda em inquérito no DCIAP, sem conclusão à vista.
O Cartão Vermelho tem como arguidos Luís Filipe Vieira, o filho Tiago, o empresário José António dos Santos (conhecido como ‘Rei dos Frangos’) e o empresário desportivo Bruno Macedo. Em causa está a venda de 25% do capital da Benfica SAD a um empresário estrangeiro, com ganhos milionários, sem comunicação prévia ao regulador do mercado, e ainda as suspeitas da prática de crimes de burla qualificada ao Fundo de Resolução, envolvendo propriedades e empréstimos do BES (e depois Novo Banco), fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. Segundo o Nascer do SOL apurou, o andamento das investigações está a marcar passo, dependente de três cartas rogatórias uma delas da Tunísia, até agora sem resposta.
A Operação Prolongamento tem Pinto da Costa no centro do furacão: o ex-presidente do FC Porto é suspeito de desviar 40 milhões de euros do clube. O MP investiga ainda empresários do seu círculo íntimo, suspeitos de obter comissões ilícitas com jogadores e na venda de direitos televisivos à Altice.
Foi na sequência destas investigações ao reino do futebol que, em 2023, caiu nas malhas da justiça a maior operadora francesa que comprou a PT, a Altice. Em causa está a suspeita de que o seu ex-diretor executivo, Armando Pereira, terá desviado 250 milhões de euros do grupo em conluio com o empresário Hernâni Vaz Antunes. A dupla, para o MP, foi o cérebro de um circuito financeiro que fazia circular os lucros ilícitos obtidos com a Altice entre três eixos fundamentais: Zona Franca da Madeira, Dubai e Luxemburgo. Conseguiram com o esquema lesar o Estado em 110 milhões de euros.
Um ano depois da operação de buscas (realizadas no verão de 2023), e não tendo ainda sido deduzida acusação, as medidas de coação impostas aos arguidos caducaram. Recentemente, a defesa de Armando Pereira requereu a aceleração processual do caso, o que foi acolhido pela Procuradoria-Geral da República, que deu seis meses ao DCIAP para acusar ou arquivar o inquérito, podendo haver uma dilatação do prazo se existirem diligências em curso. Segundo o Nascer do SOL apurou, há ainda sete cartas rogatórias enviadas, nomeadamente para a Suíça e para o Luxemburgo ainda sem resposta.

Processo Marquês: No banco dos réus, finalmente?
Mais de uma década depois do início da investigação, parece que é desta: José Sócrates e mais 21 arguidos começarão a ser julgados em 2025, embora nunca antes do mês de setembro. Uma decisão recente do Tribunal da Relação de Lisboa pôs fim à litigância em carrossel do ex-primeiro-ministro – que resultou em pelo menos meia centena de recursos, reclamações e incidentes de suspeição nos tribunais superiores –, ordenando que o processo siga de imediato para julgamento e que os recursos sejam apreciados em separado. Para isso, o juiz desembargador Francisco Henriques, da Relação, recorreu a um artigo do Código de Processo Civil que permite tomar essa decisão quando o tribunal constata que a defesa, com os recursos, apenas quer obstaculizar o andamento de um processo.
Recorde-se que o processo Marquês teve início em 2013, Sócrates foi detido em 2014 e o Ministério Público deduziu acusação em 2017 contra 28 arguidos, apontando-lhes 189 crimes. Depois, o juiz de instrução Ivo Rosa levou quatro anos (até abril de 2021) a fazer a instrução e terminou arquivando a maioria dos crimes apontados pelo MP, que ficaram reduzidos a 17, e a extrair quatro certidões, para serem julgadas em separado. Uma delas era contra Sócrates e o amigo, Carlos Santos Silva (por três crimes de falsificação e outros três de branqueamento), outra contra Ricardo Salgado (por três crimes de abuso de confiança), outra contra Armando Vara e uma quarta contra um antigo motorista do ex-primeiro-ministro, João Perna (por posse de arma proibida). Tanto o ex-presidente do BES como o ex-ministro foram julgados e condenados em penas de prisão, estão a aguardar decisões de recursos apresentados junto do Tribunal Constitucional. O veredicto do chefe do clã Espírito Santo depende agora de uma perícia sobre se está ou não em condições psíquicas para cumprir a pena, tendo em conta avaliações médicas que lhe diagnosticaram a doença de Alzheimer.
Apenas uma das certidões, portanto, não foi julgada (a relativa a Sócrates e Santos Silva). Entretanto, o MP tinha recorrido da decisão de Ivo Rosa e viu a Relação de Lisboa dar-lhe razão, ratificando a esmagadora maioria da acusação inicial – tendo apenas ficado de fora os factos e crimes das três certidões entretanto julgadas (e que, por isso, não podiam ser novamente apreciadas). É contra esta decisão que Sócrates e o seu primo, José Paulo Pinto de Sousa, têm vindo a recorrer, entre a Relação e o Supremo Tribunal de Justiça – até que o juiz desembargador Francisco Henriques colocou um ponto final nessa estratégia e mandou separar todos os recursos, permitindo que prossigam, à parte e sem efeito suspensivo.
Agora, enquanto o Conselho Superior da Magistratura e os responsáveis dos Juízos Centrais Criminais de Lisboa estão ainda a avaliar em que instalações poderá decorrer o julgamento (as salas maiores do Campus de Justiça da capital estão ocupadas, uma delas com o julgamento do caso BES), o MP está também a organizar-se.
O procurador-geral da República, Amadeu Guerra, constituiu uma equipa que atuará a dois níveis. Na linha da frente, num remake do que já aconteceu com outros megaprocessos (como os das FP-25, nos anos 80, e depois, nas últimas duas décadas, os da Casa Pia, BPN, BCP, BPP e BES), ficará Rómulo Mateus que será coadjuvado por Rui Real, um jovem procurador do DIAP de Sintra, e Nadine Xarope, a magistrada que não deu tréguas a Manuel Maria Carrilho que acabou condenado pelo crime de violência doméstica contra a ex-mulher Bárbara Guimarães. Na retaguarda, ficarão os melhores conhecedores das 53 mil páginas e 13,5 milhões de ficheiros do inquérito: os procuradores Rosário Teixeira, Ana Catalão e Inês Bonina. Cabe a este trio municiar a ‘frente de batalha’ com a localização da prova e a informação necessária para contrariar os argumentos da defesa.
A apreciar as provas e os argumentos do MP e da defesa, num julgamento inédito na história da democracia em Portugal – um ex-primeiro-ministro a ser julgado –, estará um coletivo composto por três mulheres: a juíza Susana Santos Seca, que presidirá, e as juízas Rita Seabra e Alexandra Pereira. Terão à sua frente um extenso grupo de arguidos e crimes para apreciar: entre eles os de corrupção, branqueamentos de capitais e fraude fiscal. Alguns, como a falsificação de documentos, com o tempo entretanto decorrido, já prescreveram. É o caso do contrato de arrendamento fictício que Sócrates tinha feito com Santos Silva, relativamente ao apartamento em Paris onde o antigo primeiro-ministro viveu entre setembro de 2012 e julho de 2013, na Avenida Presidente Wilson, num dos bairros mais chiques da capital francesa. O MP sustenta que Sócrates era o verdadeiro proprietário do apartamento, comprado por cerca de dois milhões de euros, e que apenas ficou em nome do amigo, seu testa-de-ferro.
Mas até que a juíza-presidente Susana Seca marque uma data para o início do julgamento, ainda há diligências que terá de fazer. Todos os arguidos têm de ser notificados para apresentarem a sua contestação aos argumentos do MP e isso tem um prazo (50 dias), sendo que há pelo menos dois que estão em Angola (o primo de Sócrates e o empresário Helder Bataglia) e que poderão ter de ser notificados por carta rogatória às autoridades deste país.
«Isto vai levar uns meses. Se forem notificados em janeiro, o prazo acaba em março. Com mais um espaço para uma carta rogatória, isso atirará para abril ou maio. Nessa altura, não fará sentido a juíza marcar o julgamento para antes da paragem judicial no verão, até porque tem de acordar com os advogados as datas compatíveis para todos. Muitos deles estão no julgamento do caso BES e outros noutros grandes casos», explica uma fonte judicial, rematando: «Vai ser bonito…».