É um dos maiores desafios que o Governo tem pela frente. Quando tomou posse Luís Montenegro tinha quatrocentas mil pendências na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). Ao mesmo tempo que no plano político a questão da imigração ilegal ganhava fôlego, sobretudo através do discurso do Chega, à porta dos centros de atendimento da AIMA, acumulavam-se todos os dias centenas de imigrantes em longas filas, à espera de um atendimento para regularizar a sua situação.
Logo nos primeiros dias de funções do novo Governo, foi anunciado o fim da manifestação de interesse. Uma decisão polémica que levantou críticas à esquerda, com acusações de que Montenegro estava a ceder à agenda do Chega e com o aplauso de André Ventura.
O fim da manifestação de interesse teve efeitos imediatos e ao dia de hoje mantém-se a tendência – os pedidos de entrada em Portugal reduziram em 80%. O gabinete de António Leitão Amaro garante que, com a estrutura de missão entretanto criada para resolver as quatrocentas mil pendências, a AIMA tem neste momento capacidade para responder a todos os pedidos de visto que lhe têm chegado.
PRR preocupa
O reverso da medalha das medidas tomadas pelo governo já se começou a fazer sentir. Em entrevista ao Nascer do SOL (ver páginas 8-11), o ministro da Coesão, responsável pela execução dos fundos do PRR até ao final de 2026, afirma que «esse é mesmo o grande risco do PRR, eu diria que é o maior de todos os riscos. Eu até arriscaria dizer o seguinte: se eu tivesse a certeza de que há empreiteiros suficientes e que há mão de obra suficiente para fazer todas as obras, eu garantiria a execução do PRR. Só não posso garantir por causa desse risco de falta de mão de obra.»
Para minorar o risco de os projetos PRR não serem executados por falta de mão de obra, o Governo propôs às confederações patronais um protocolo em que as empresas se comprometem a garantir contratos, habitação e formação profissional aos imigrantes que querem recrutar; em troca, o Governo promete vistos de entrada no país em tempo recorde.
O protocolo está ainda a ser negociado, não havendo ainda previsão de quando poderá ser assinado, nem que alterações serão feitas ao documento inicial.
Mas mesmo quando passar à prática, há ainda um obstáculo que o Governo tem que resolver com eficácia: dotar a rede consular de meios adequados para que a promessa de vistos rápidos seja uma realidade. Para o conseguir foram recrutados 50 novos recursos humanos que, segundo o gabinete do ministro da Presidência, estão a ser formados para virem a integrar a rede consular. Se vão ou não ser suficientes para agilizar a entrada de cerca dos 100 mil novos imigrantes que as confederações patronais dizem ser necessários para as obras previstas no Plano de Recuperação e Resiliência, é uma incógnita que só terá resposta nos próximos meses.
Seis mil regularizações por dia
De todas as medidas tomadas pelo governo da AD em matéria de imigração, a criação de uma estrutura de missão para resolver as quatrocentas mil pendências é a que está a produzir mais resultados palpáveis. O reforço de meios humanos e a multiplicação de centros de atendimento (25 espalhados pelo país), já conseguiu reduzir para metade o número de pessoas à espera de atendimento, 258 mil, contando com os 108 mil que não responderam à chamada dos serviços e que, por esse motivo, saíram da lista de espera.
A estrutura de missão informa que está a fazer seis mil atendimentos por dia , multiplicando por mais de sete vezes os anteriores 800 atendimentos diários da AIMA, antes da criação da estrutura de missão.
As previsões do Governo apontam para que todos os 400 mil imigrantes sejam atendidos até ao final do ano de 2025. Quanto aos 108 mil que não responderam aos serviços numa primeira chamada, estão ainda a tempo de o fazer, desde que paguem as taxas requeridas e apresentem a respetiva documentação aos serviços.
Em comunicado, a estrutura de missão esclarece que «relativamente aos 108 mil processos, a AIMA está a realizar notificações, através do envio de carta para a morada indicada, para rejeição dos pedidos e processos que não cumpriram com os requisitos para a autorização de residência, onde se incluem os que não procederam ao pagamento das taxas devidas. Em todas as notificações, cumprindo e lei portuguesa, essa notificação permite ao requerente a realização do pagamento, nos termos do Código de Procedimento Administrativo, para fazer cessar os motivos da rejeição».
Governo queria novo ‘SEF’ mas Chega chumbou
Foi uma das últimas votações de 2024 na Assembleia da República. O Governo queria criar uma força de Estrangeiros e Fronteiras na PSP, para controlo das entradas em Portugal e para garantir o sistema de retorno de imigrantes ilegais.
Quando entregou a proposta de lei no Parlamento, o executivo da AD estava confiante na aprovação, para tanto contava com os votos favoráveis dos 50 deputados do Chega, mas na hora de votar o partido de André Ventura votou contra e a proposta não foi aprovada.
Ao Nascer do SOL o ministro Leitão Amaro lamentou as contradições do Chega: «Anda a falar muito, mas juntou-se ao PS para deixar tudo na mesma, isto é, os procedimentos de retorno de imigrantes ilegais continuam sem funcionar». Na prática, lamenta o ministro da Presidência, apesar de ter feito declarações a dizer que era favorável à criação da unidade de Estrangeiros e Fronteiras na PSP, com esta votação o Chega mostra que «não quer autoridade das forças de segurança, não quer controlo de entradas, não quer fiscalização do terreno».
Questionado se vai apresentar uma medida alternativa ao Parlamento, o Governo não quis antecipar, limitando-se a dizer que «a questão está a ser estudada». A verdade é que, tecnicamente, neste momento não há fiscalização à imigração ilegal e, quanto a eventuais casos que venham a ser detetados, o Estado tem muito poucos meios para conseguir deportar para o país de origem quem estiver em Portugal de forma ilegal. «Num primeiro momento é dada a possibilidade às pessoas de regressarem ao seu país de motu proprio, mas nos casos em que isso não acontece, não há uma entidade com capacidade específica para o fazer».
Aposta em imigrantes da CPLP
Consciente de que o país precisa de um reforço de entradas de estrangeiros em Portugal e apesar de não querer dar indicações específicas sobre as preferências de origem dos imigrantes, o Governo tem procurado criar regras de discriminação positiva que deem vantagem a cidadãos provenientes dos países de língua portuguesa.
Neste sentido foi assinado um protocolo no âmbito da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) com novas regras que facilitam a regularização de cidadãos provenientes destes países.
As regras em vigor já preveem uma entrada mais fácil a quem venha de Angola, Moçambique, Brasil ou outros países da CPLP, mas as novas regras agilizam ainda mais o processo.
O Governo assume que com isto quer fazer «uma descriminação positiva» que permita um maior afluxo de imigrantes que por falarem português têm maior capacidade de se integrarem no país. As expectativas são que nos próximos meses haja um novo fluxo de imigrantes, sobretudo brasileiros, em direção a Portugal, muitos deles para virem trabalhar em projetos do Plano de Recuperação e Resiliência.
Na entrevista publicada nesta edição (págs. 8-11), Castro Almeida garante que não será feita qualquer recomendação aos empresários para que procurem mão de obra em países específicos.