Ser encontrado morto num campo de golfe será para muitos o sinal de uma espécie de idílio, e muitos teriam dificuldade em imaginar melhor composição edénica do que um percurso interminável de golfe, com a hierarquia dos anjos a admirar o swing do jogador. Mas ser encontrado a boiar no lago de um campo de golfe parece, por outro lado, o prenúncio de algo ominoso. Assim apareceu o corpo do antigo ministro social-democrata António Couto dos Santos na segunda-feira, dia 6, num lago no Citygolf, na Senhora da Hora, em Matosinhos. A Polícia Judiciária não demorou a pôr de parte o cenário de uma morte violenta, e depois a autópsia afastou a hipótese de afogamento, inclinando-se para uma morte natural.
Testemunhas afirmam tê-lo visto a jogar golfe sozinho antes de ser encontrado a boiar. Assim, tudo parece apontar para a tal ligação entre a terra e o céu. A menos que o ex-governante tenha ido daqui a remoer o seu legado, tendo ficado conhecido como o «ministro da geração rasca». Talvez fosse mais adequado corrigir para ‘à rasca’, em grande medida por ter sido responsável pelo aumento das propinas no ensino superior e pela Prova Geral de Acesso ao Ensino Superior, medidas que desencadearam um período de forte contestação estudantil, o qual acabaria por conduzir à sua demissão.
Cavaco Silva viria a reconhecer que o colocou numa posição ingrata, confiando-lhe «questões particularmente difíceis». Começara como secretário de Estado da Juventude, Qualidade de Vida e Ambiente, antes de assumir a pasta da Juventude entre 1987 e 1991. Ainda nesse ano e até 1992 tutelou os Assuntos Parlamentares, e depois veio a pasta da Educação. Saiu entre manifestações, conflitos institucionais e carga policial sobre os estudantes, e depois alcançou o lugar ao sol desses cargos com que o aparelho partidário distribui as suas benesses. Depois de estar ligado à administração da Associação Empresarial de Portugal (AEP) entre 1995 e 2007, foi presidente da Casa da Música, no Porto, entre 2004 e 2005, e, em 2011, chegou à Assembleia da República enquanto deputado eleito pelo distrito de Aveiro, durante o governo de Pedro Passos Coelho. O último cargo que desempenhou foi o de cônsul honorário da Rússia no Porto, tendo apresentado a sua recusa ao lugar em fevereiro de 2022, na sequência da invasão da Ucrânia.