Morreu José António Saraiva

Recorde José António Saraiva através das suas melhores entrevistas.

José António Saraiva, um dos fundadores do SOL e conselheiro editorial do jornal, morreu esta quinta-feira, aos 77 anos, vítima de um cancro fulminante.

“Não gosto muito de ser protagonista. Gosto de fazer coisas provocatórias, às vezes de forma mais agreste, mas não gosto de protagonismo. Por isso nunca gostei de televisão, sempre evitei lá ir”, disse-nos, em 2016.

É impossível falar no SOL sem falar de José António Saraiva, um homem de ideias fixas, de posições vincadas, que nunca deixou nada por dizer mas que teve sempre, sempre, um sorriso para mostrar a quem com ele se cruzava. Todos os dias.

Escreveu a sua última crónica para o Nascer do SOL na semana passada sem saber que seria a última. Nem ele, nem nós. “Isto não é uma despedida”, dizia. Mas foi.

Começou no Expresso, quase sem querer, mas foi lá que passou grande parte da sua vida e onde foi diretor durante 22 anos. Depois quis criar o SOL. E criou. 18 anos depois, a sua criação ainda está nas bancas. E de certo que isso lhe trazia um certo orgulho.

“Nunca me senti jornalista”, escreveu nessa última crónica. Mas a verdade é que o foi. Mais do que pensa. Pesquisou, escrutinou, ajudou e ensinou.

E disse ainda: “No jornal as pessoas mais velhas tratavam-me por ‘Zé António’ e as mais novas por ‘arquiteto’ ou ‘diretor’”. Para nós, era todos esses nomes. Mas era também o “pai do Zé”, nosso diretor, José Cabrita Saraiva.

É que José António Saraiva era, realmente, mais que um jornalista. Era arquiteto, escritor, cenógrafo, professor e, para quem não sabe, um adepto do Belenenses.

Era opinativo, provocador e nunca deixou nada por dizer. Realmente, nunca teve medo de dizer aquilo que pensava. Foi um visionário, um corajoso. Era cauteloso, media bem as palavras. Calmo, sempre. E não se deixava picar mesmo com grande provocações. Raramente se irritava. Mas picava os outros, isso não se pode dizer que não. Ainda assim, nunca deixava que o provocassem a ele. Respondia sempre com educação.

Apesar de nunca ter gostado que o apelidassem de jornalista – porque nunca se sentiu assim – deixou a sua marca nos jornais desde 1965. Foi comentador, cronista, diretor e fundador de um projeto ambicioso que nasceu e que sobrevive até aos dias de hoje. Escreveu até ao dia da sua morte.

Gostava de ouvir a música ‘Let it be’. Era um grande amante da comida tradicional, mas o frango à guia e o cozido à portuguesa eram a sua perdição. Não gostava de ‘modernices’, nem que se inventasse muito. Não queria exposição, mas não a temia.

Ao longo da sua vida escreveu vários livros. Escrever era realmente uma das suas paixões. Talvez tenha sido o livro “Eu e os políticos” que tenha dado mais que falar. Chegou a ser condenado por devassa da vida privada, irritou muita gente, diz-se. É que o livro trazia à luz do dia um conjunto de episódios polémicos, vividos na primeira pessoa, com diversos políticos e personalidades que ocupam as páginas da história recente do nosso país. E não foi bem visto por muitos. Mas, como chegou a dizer numa entrevista ao nosso jornal, “a verdade magoa”.

Diz-se que nunca teve um amigo político. E talvez não o tivesse tido. Mas que fique escrito que amizades não lhe faltaram na vida. Das boas. Das que já foram e das que ficam, agora, ‘órfãs’ de um pai que sempre lhes deu um ombro e uma mão amiga quando foi preciso.

Nasceu em 1948, em Lisboa. Filho de António José Saraiva – ensaísta, historiador e crítico literário -, e sobrinho do também historiador José Hermano Saraiva, formou-se em arquitetura em 1973.

Exerceu a profissão durante 15 anos. No entanto, foram as páginas do jornal que o destacaram. Escreveu no Comércio do Funchal, dirigido por Vicente Jorge Silva, sítio onde assinava crónicas sobre a sociedade. Tinha apenas 17 anos. Foi depois cronista no Diário de Lisboa.

Deu-se o 25 de abril e marcou depois de ter escrito um artigo no República sobre a extrema-esquerda que chamou a atenção do administrador da Bertrand, Eduardo Martins Soares. Na mesma altura, escreveu o livro Do Estado Novo à II República. Ingressou depois no semanário Expresso, do qual se tornou diretor em 1983. Foi José António Saraiva quem tornou este jornal num dos mais bem sucedidos do país. Sob a sua direção, o Expresso afirmou-se como um jornal de referência. Criou o a coluna semanal “Política à Portuguesa” que marcou gerações.

Antes disso, deu aulas no Centro de Formação da RTP entre 1977 e 1980. Foi autor da grande reportagem televisiva “O 25 de Abril, Três Anos Depois” e da série “Os Anos do Século”.

Fundador e diretor do semanário Sol entre 2006 e 2015, sempre quis transmitir motivação e confiança.

Foi ainda professor convidado da Universidade Católica no Instituto de Estudos Políticos, onde lecionou entre 2000 e 2015 a cadeira de Política Portuguesa.

Ao longo da sua vida, nunca duvidou do lugar das pessoas, dos que fazem jornais, do que se passa lá dentro e do valor de quem os faz. “Um jornal compra-se e deita-se no caixote do lixo no dia seguinte. Um jornalista é um funcionário que pode influenciar pessoas, mas não deixa uma marca, um marco no lugar”.

O jornalismo fica, hoje, mais pobre.

Recorde algumas das entrevistas de José António Saraiva

‘‘Os portugueses, por natureza, tendem a ser anarquistas”, publicada em março de 2024.

“Nunca gostei de chamar fascismo ao salazarismo. É um fascismo rural, relativamente suave”, publicada em junho de 2022.

“Se o 25 de Abril não tivesse acontecido, não estaríamos muito longe de onde estamos”, publicada em junho de 2020.

“As lições que o meu pai me ensinou”, entrevista que José Cabrita Saraiva, fez ao pai, na véspera do centenário do nascimento do avô António José Saraiva, publicada em dezembro de 2017.

“Nunca pensei provocar uma hecatombe destas”, publicada em setembro de 2016.