Casas. Preços altos, ofertas insólitas e alternativas complicadas

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Os preços atuais dos imóveis em Portugal não estão à altura da carteira de qualquer um. Quem procura, depara-se muitas vezes com anúncios cujos preços e características da casa não consegue justificar. E, para comprar mais barato, pode trazer processos com os quais muitos não estão familiarizados. Uma coisa é certa: a oferta é pouca para tanta procura e essa é uma das principais causas dos preços atuais.

Rita tem o sonho de comprar casa. Sérgio também tinha, mas desistiu, pelo menos para já. Estão os dois na casa dos 30 anos e querem sair de casa dos pais para se aventurarem na vida a solo. Mas sem parceiros, é ainda mais difícil conseguir pagar uma casa e assegurar as restantes despesas obrigatórias.

A procura não tem sido exatamente um processo fácil. «Eu já não sei se é realmente aquilo que a casa vale se são as pessoas que se aproveitem dos preços. A verdade é que, enquanto houver pessoas a pagar…», lamenta Rita, que refere que o ideal, para si, seria mais ou menos 160 mil euros por um T2 habitável. Praticamente impossível aos dias de hoje, pelo menos nos locais onde procura, periferias da Grande Lisboa. Por um T2 habitável, na zona da Amadora, por exemplo, o preço médio é mais ou menos 200 mil euros. «E nem é totalmente habitável, precisa de obras», lamenta.

Se for abaixo desse valor, tem sempre algum problema. «Ou está arrendado e é vendido assim, ou está à venda mas tem um contrato com renda vitalícia ou então vendem só partes dos imóveis. Nem sei como alguém pode comprar uma casa assim», diz Rita à LUZ. Morar na Amadora era o que queria, ainda que já tenha tentado ver zonas próximas. «Mas os valores são mais ou menos a mesma coisa». «Se calhar, para encontrar uma casa que possa pagar, tenho que ir para as Caldas da Rainha, por exemplo». Mas não queria ir tão longe porque é na zona da Amadora que tem a sua vida.

Questionada sobre o género de anúncios que tem encontrado, ri-se. «Às vezes eu não sei se as pessoas têm noção do ridículo. Imagine um T2, com 70 metros quadrados, sem qualquer obra desde a sua construção – que deve ser para aí 1940 – a 210 mil euros. Alguém acredita nisto?».

A verdade é que os há, muitos. Mas a jovem diz que não vai desistir. «Há quem faça natação, toque violino… o meu hobby é procurar casas. Acredito que vou encontrar algo. Sei que não será a casa dos meus sonhos, mas algo que sirva para já».

Certo é que os preços têm subido. Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que, nos primeiros três meses deste ano, o preço mediano dos 40.163 alojamentos familiares transacionados em Portugal atingiu os 1.951 euros por metro quadrado. Este é um valor que representa um aumento de 4,3% relativamente ao último trimestre do ano passado e de 18,7% em relação ao período homólogo de 2024. É esta a variação mais elevada desde o início da série, no primeiro trimestre de 2019, há seis anos. E não são os únicos dados a mostrar este crescimento.

A LUZ tentou perceber o porquê de os preços das casas estarem a subir tanto. «A resposta é simples: o driver é a falta de oferta», começa por explicar o consultor imobiliário e especialista em habitação, André Casaca. No entanto, acrescenta, «é preciso ter em conta a fonte onde verificamos a subida dos preços e a forma como esta é calculada», uma vez que, na sua opinião, «a ausência de dados fiáveis sobre os preços reais de transação cria, por vezes, dificuldade em perceber com clareza os movimentos reais do mercado». E deixa exemplos. «Verifica-se uma subida de preços relevante em imóveis residenciais cujos valores de transação rondam os 180.000 euros a 250.000 euros. Este intervalo coincide, grosso modo, com a capacidade aquisitiva de um casal jovem, especialmente os que conseguem aceder às condições de apoio disponibilizadas pelo Governo». O que se observa, «na prática é um movimento especulativo, resultante não da valorização intrínseca dos imóveis, mas da melhoria das condições financeiras dos promitentes compradores».

Muitos falam numa bolha prestes a rebentar, algo que André Casaca não crê que exista. «Não me parece que existam bolhas no mercado», diz à LUZ, defendendo que, «o que vemos são comportamentos diferentes em diferentes localizações, consoante a relação entre procura e oferta». E explica: «Como a oferta continua muito abaixo da procura, os preços acabam por variar consoante a capacidade da procura. Ou seja, os preços sobem mais onde há mais pessoas com capacidade para comprar, e não necessariamente porque os imóveis valham mais por si próprios».

Mas então, quais são as perspetivas reais? O consultor imobiliário adianta que «as perspetivas reais, tanto no mercado imobiliário como na restauração, hotelaria e outros setores, são semelhantes. Os preços têm vindo a subir de forma significativa, refletindo o aumento dos custos e a pressão da procura».

E deixa o alerta: «Só antevejo uma queda de preços se houver uma retração da procura». E, no caso da habitação, «essa retração só deverá acontecer se houver dificuldades no acesso ao crédito, seja por via do aumento das taxas de juro, restrições bancárias ou perda de rendimento disponível por parte dos compradores».

Questionado sobre se os preços praticados podem afastar as pessoas da compra de casa, André Casaca defende que «as pessoas continuam a preferir comprar em vez de arrendar, o que leva muitas vezes a confundir acessibilidade à habitação com capacidade para comprar casa». No entanto, na sua opinião, «o equilíbrio do mercado só será possível com o desenvolvimento de um verdadeiro mercado de arrendamento habitacional, que consiga responder às necessidades da procura com base nos rendimentos reais das famílias».

Rendas vitalícias ou vendidas pela metade
A LUZ tentou ainda procurar os entraves encontrados por Rita na sua procura de casa. Não são recentes nem difíceis de encontrar. Tentámos então perceber junto de uma advogada como se procede nestas situações, também para conseguir entender se vale ou não a pena comprar casa nestes termos.

No que diz respeito às casas que estão à venda apenas pela metade, Beatriz de Mello Sampaio, advogada da Carlos Pinto de Abreu e Associados, explica que «é possível morar numa casa na qual só se seja proprietário de uma parte». Contudo, «tudo dependerá da situação concreta e do acordo com os demais comproprietários, sendo possível que estes exijam o pagamento de uma renda referente à respetiva quota do imóvel que detêm». E deixa um exemplo: «Se já existir um comproprietário a residir no imóvel, ou até um arrendatário ou um usufrutuário, não poderá despejá-lo sem mais, podendo apenas, em certos casos, exigir o pagamento da renda correspondente à quota parte de que é proprietário», acrescentando que «havendo comproprietários, estes terão sempre direito de preferência sobre a aquisição de parte do imóvel em questão».

Já na situação das casas à venda onde mora uma pessoa com renda vitalícia, Beatriz de Mello Sampaio refere que o direito ao arrendamento «é um contrato que pode ser acordado com longa duração ou mesmo vitaliciamente». Neste último caso, «o direito caduca com a morte do morador ou, se constituído a favor de mais de uma pessoa, com a morte do último deles».

Segundo a mesma advogada, o contrato «pode ser resolvido antes do falecimento do morador, em qualquer momento da sua vigência, desde que tal resolução ocorra através de renúncia operada pelo próprio morador que tem o contrato vitalício e que a mesma seja apresentada com uma antecedência mínima de noventa dias quanto à data em que pretende desocupar e entregar o imóvel». Além da morte do morador e da renúncia pelo mesmo, «é ainda possível que o contrato seja terminado por acordo ou resolvido por qualquer uma das partes nos casos em que se verifique incumprimento definitivo por parte da outra parte, nomeadamente a falta de pagamento de rendas, ou a reincidência de constituição em mora por parte do morador».

Esclarecidas estes casos, encontrámos ainda casas à venda onde moram pessoas com rendas antigas. Nestes casos, é preciso distinguir. «Tudo depende do quão antigos são os contratos e, consequentemente, as rendas», começa por explicar Beatriz de Mello Sampaio.

«Quanto aos contratos habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), estes passaram, em 2019, a estar submetidos automaticamente ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), com algumas especificações», detalha. Já quanto à possibilidade de resolução dos contratos habitacionais de duração limitada celebrados durante a vigência do RAU, «considera-se que estes se renovam automaticamente no fim do prazo pelo período de dois anos, se outro prazo superior não tiver sido previsto». Assim sendo, a advogada diz que «o senhorio poderá sempre resolver o contrato nos termos gerais do Código Civil».

Também quanto aos contratos de duração ilimitada «se aplicam as normas atualmente em vigor, com algumas exceções». Nestes casos, adianta Beatriz de Mello Sampaio, «fica vedada a denúncia do contrato pelo senhorio quando o arrendatário tiver 65 ou mais anos de idade ou, independentemente desta, se encontre em situação de reforma por invalidez absoluta, ou não beneficiando de pensão de invalidez, sofra de incapacidade total para o trabalho». A denúncia pelo senhorio mediante comunicação ao arrendatário com uma antecedência mínima de cinco anos «também fica sem efeito e o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%».

Já quanto à atualização da renda, «aplicam-se também as normas em vigor, as quais fixam que as partes estipulam, por escrito, a possibilidade de atualização da renda e o respetivo regime, ou seja, fica no escopo da autonomia das partes». E em caso de «nada dizerem contratualmente sobre a atualização das rendas, refere o legislador que a renda será atualizada anualmente, após um ano de vigência do contrato, de acordo com os coeficientes de atualização vigentes».

Mas a advogada ouvida pela LUZ diz que situação diferente são os contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU, ou seja, os contratos anteriores a Outubro de 1990, «os quais apenas transitam para o NRAU e cujas rendas só podem ser atualizadas mediante comunicação formal do senhorio ao arrendatário, a qual deve cumprir todas as formalidades legalmente exigidas». Tomando o senhorio esta iniciativa de comunicação, «o arrendatário dispõe de 30 dias para responder, entendendo-se o seu silêncio como aceitação do proposto. Na sua resposta, pode o arrendatário aceitar as condições propostas ou opor-se ao valor da renda, bem como à duração proposta do contrato, fazendo uma sua contraproposta, ou pode ainda denunciar o contrato de arrendamento, denúncia esta que produz efeitos no prazo de dois meses, durante os quais não há lugar a atualização de rendas, devendo desocupar o imóvel no prazo de 30 dias».

Se o arrendatário não concordar com o prazo e valor de renda propostos pelo senhorio, apresentando uma contraproposta, «o senhorio pode ou não aceitá-la». No caso de não aceitação, «o senhorio tem o direito de denunciar o contrato de arrendamento, pagando ao arrendatário uma indemnização equivalente a cinco anos de renda resultante do valor médio das propostas formuladas pelo senhorio e pelo arrendatário, ou de atualizar a renda ao abrigo do disposto no regime transitório do NRAU, considerando-se o contrato celebrado pelo prazo de cinco anos».

Beatriz de Mello Sampaio detalha ainda que «na resposta à iniciativa do senhorio, a arrendatário pode ainda invocar – e tem de comprovar – que o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), que tem idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%». Nestes casos, «o contrato não transita para o NRAU e, não havendo acordo quanto ao valor da renda, esta apenas pode ser atualizada de acordo com o coeficiente de atualização anual da renda».
Depois, verificando-se a transição do contrato para o NRAU, «aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto para os contratos de arrendamento habitacionais celebrados na vigência do RAU».

Estas são os vários trâmites que têm que ser seguidos para quem arrisca comprar casas mais baratas do que os valores médios praticados atualmente. No entanto, nem todos estão disponíveis para ter este ‘trabalho’.

Arrendamento também vai subindo
Sérgio, que apresentámos no início do texto, vê-se agora a braços com uma tentativa «difícil» de encontrar uma casa para arrendar depois de ter desistido ou «adiado, para já», a compra de uma casa. Residente na zona de Sintra, é por ali que gostava de continuar a morar mas não tem sido fácil. «Imagina o que é encontrar casas por mais de mil euros na zona de Monte Abraão? Não se percebe», lamenta. E esta nem é a zona que queria. De resto, não encontra nada «aceitável» por menos de 800 euros. «Se eu recebo pouco mais de 900 líquidos, como vou pagar as contas e ter vida com o que me sobra?», questiona. Não é, certamente, caso único.

André Casaca adianta que, no caso do arrendamento, «os preços têm subido significativamente em várias localizações» e que este aumento «pode estar a ser impulsionado, em parte, pela necessidade habitacional imediata de muitos imigrantes que chegam a Portugal à procura de melhores condições de vida». A oferta de apartamentos para arrendamento «é praticamente inexistente, o que agrava ainda mais a pressão sobre os preços e dificulta o acesso à habitação, sobretudo para quem não consegue comprar».
É certo que faltam casas em Portugal e, se essa oferta não aumentar – e é preciso lembrar que Governo e autarquias têm estado a mostrar trabalho nessa área -, os preços não vão descer tão cedo.