Depois dos carros elétricos e das redes sociais – entre outros – Elon Musk, dono da Tesla, quer chegar à Europa com mais um negócio: a empresa automóvel Tesla apresentou um pedido ao regulador britânico do setor energético (Ofgem) para ser fornecedor de eletricidade a famílias e empresas, uma atividade que, aliás, já exerce no estado do Texas, nos Estados Unidos.
O Nascer do SOL tentou perceber como é que esta aposta de Elon Musk é vista junto dos especialistas.
Nuno Mello, analista da XTB, acredita que «o serviço, possivelmente sob a marca ‘Tesla Electric’, seja lançado no próximo ano», defendendo que «essa iniciativa expande a atuação energética da Tesla no Reino Unido além da produção – a Tesla já atua como produtora desde 2020, com as baterias caseiras Powerwall e carregadores integrados -, e segue o modelo de ‘virtual power plant’ que já utiliza no Texas».
Para o analista, esta iniciativa de Elon Musk «parece ser mais uma forma de diversificar receitas e reduzir a dependência dos resultados do setor automóvel, num momento marcado por uma queda expressiva das vendas na Europa e no Reino Unido».
Por outro lado, adianta, «ao alinhar o fornecimento de energia residencial com o carregamento e armazenamento (Powerwalls), a Tesla pode oferecer soluções mais integradas e atraentes a clientes com veículos elétricos, podendo promover o negócio da empresa no Reino Unido».
Já João Queiroz, head of trading do Banco Carregosa, defende que o dono da Tesla «decidiu adotar uma nova estratégia que pode ser inesperada ao avançar com um pedido para que a Tesla passe a fornecer eletricidade ao mercado britânico», sustentando que se trata «de uma expansão além do setor da mobilidade automóvel, que se encaixa no propósito de transformar a Tesla numa plataforma energética completa, tal como já se verifica no Texas, e significa um movimento consciente para diversificar as atividades da empresa, sobretudo, numa das economias da Europa com os mais elevados preços da energia elétrica, o que possui racionalidade e deverá constituir uma oportunidade complementar com os produtos que comercializam».
Jogada estratégica?
Questionados sobre se esta iniciativa de Musk é uma jogada para compensar a queda a pique que tem tido nos carros de elétricos, principalmente na Europa, a opinião dos especialistas diverge. Nuno Mello defende que a ideia «pode ter essa leitura». E justifica: «A Tesla enfrenta, atualmente, um dos seus piores ciclos de vendas na Europa. Em mercados-chave como a Alemanha e Reino Unido, as vendas caíram cerca de 50% a 60% em julho de 2025 face ao mesmo mês do ano anterior». Número alarmantes mais ainda quando, segundo o analista, essa quebra não é pontual: «Já se tem verificado por vários meses consecutivos, criando pressão sobre as receitas e obrigando a empresa a repensar o seu modelo de negócio na região».
Por isso, a entrada no setor de fornecimento de eletricidade no Reino Unido, sob a marca Tesla Electric, encaixa-se como uma estratégia de diversificação que visa principalmente quatro objetivos: «Gerar receitas recorrentes – O fornecimento de energia é um negócio com fluxos de caixa mais estáveis do que a venda de automóveis, que depende de ciclos de procura e inovação», «reforçar o ecossistema Tesla – Ao vender eletricidade diretamente, a Tesla pode criar ofertas integradas para clientes com veículos elétricos e sistemas Powerwall, fidelizando-os», mas também «aproveitar a infraestrutura existente – A Tesla já tem presença no mercado energético britânico como geradora desde 2020 e pode alavancar essa base para ganhar quota rapidamente». Nuno Mello considera ainda que pretende «reduzir a exposição a riscos do setor automóvel – A concorrência agressiva, a perda de incentivos governamentais e as polémicas públicas de Elon Musk afetam diretamente as vendas de veículos, mas não têm o mesmo impacto no setor energético».
Resumindo, para o analista a aposta energética no Reino Unido «funciona como um amortecedor para o impacto negativo nas vendas de carros e, ao mesmo tempo, como uma forma de manter a Tesla relevante junto de consumidores que ainda acreditam na marca como sinónimo de inovação – mesmo que não estejam a comprar um carro novo da empresa».
Nuno Mello defende que ainda que este desafio surja «num momento de retrocesso nas vendas de veículos elétricos da Tesla na Europa, com um declínio de quase 60% nas novas matrículas no Reino Unido em julho comparativamente ao ano anterior», «não se trata de uma mera manobra para compensar resultados de vendas pouco favoráveis, mas antes uma aposta estratégica de longo prazo, que visa criar e captar uma nova linha de receitas, explorando sinergias com o ecossistema energético que já detém (como os Powerwalls e a possível integração vehicle-to-grid)».
Queda da Tesla e subida dos concorrentes
A entrada de Elon Musk na política e as declarações polémicas ainda fazem mossa. E os resultados provam isso mesmo. Os lucros trimestrais da Tesla caíram para 1.17 mil milhões de dólares (990 milhões de euros), naquele que foi o terceiro trimestre consecutivo em que o lucro caiu.
Nuno Mello defende existirem vários motivos para os momentos difíceis que a Tesla enfrenta. Em primeiro lugar está a concorrência forte. «As fabricantes europeias (como a Volkswagen e a BMW) e chinesas (como BYD) têm lançado veículos elétricos modernos, acessíveis e competitivos – muitas vezes superando a Tesla em vendas e participação de mercado». Junta-se o portefólio desatualizado. «Os modelos da Tesla, especialmente Model 3 e Model Y, já têm vários anos de mercado e os novos lançamentos só devem começar a reverter essa tendência no futuro».
A isto há que juntar a imagem pública e as controvérsias políticas de Elon Musk. «O envolvimento de Musk com políticos de extrema-direita, apoio a Donald Trump e declarações controversas afetaram negativamente a perceção da marca, particularmente em mercados sensíveis às temáticas sociais da Europa. Protestos e movimentos como o ‘Tesla Takedown’ agravaram isso», atira Nuno Mello, finalizando com a retirada de incentivos e mercado heterogéneo. «A interrupção de subsídios em alguns países, aliada a um crescimento desigual das vendas de elétricos entre os países, prejudicou especialmente marcas como a Tesla».
Também João Queiroz aponta para o final dos incentivos fiscais nos EUA, bem como «uma crescente concorrência no mercado europeu, ajustes nos modelos de preços e margens, e revisões dos níveis de venda previstos». Adicionalmente, acrescenta o especialista, «a transição para produtos com preço mais baixo e a expansão dos negócios na área de armazenamento de energia assumem papel central na recuperação futura da sua principal insígnia».
Sobre se o crescimento da concorrência tem abanado a Tesla, os especialistas não têm dúvidas de que sim. «A concorrência não só aumentou em volume, mas também em inovação tecnológica», diz Nuno Mello, acrescentando que «num cenário em que os consumidores começam a ver alternativas com mais autonomia, carregamento mais rápido e preços semelhantes ou inferiores, a Tesla vê a sua posição de liderança cada vez mais ameaçada».
Já João Queiroz considera que a concorrência «tem crescido em todas as frentes com ofertas cada vez mais competitivas e alinhadas às exigências europeias» e ainda que a integração vertical da Tesla, desde a produção interna à cadeia de abastecimento, ofereça vantagens, «a erosão de quota de mercado e o ímpeto competitivo mostram que a gigante americana nunca esteve tão vulnerável como agora, sobretudo, desde que iniciou a ofensiva do setor automóvel da China e dos incumbentes da indústria europeia, com múltiplas ofertas e gamas».
E o boicote de vários países à empresa americana também não tem ajudado. «Essas ações, juntamente com a perceção negativa associada a Musk, contribuíram para a queda das vendas e também do valor das ações em bolsa, que só este ano já desvalorizaram mais de 16%, mesmo tendo em conta a forte recuperação dos últimos dias», afirma Nuno Mello.
Por sua vez, João Queiroz recorda que «as críticas públicas a Elon Musk, as polémicas associadas ao seu posicionamento político e cultural e os receios dos consumidores sobre a marca podem estar a contrariar a procura, sobretudo na Europa. Ainda que difíceis de quantificar, estes elementos têm certamente contribuído para a menor adesão aos veículos da Tesla, especialmente em mercados sensíveis à imagem corporativa, valores éticos e morais associados às marcas». Ainda assim, a insígnia «mantém um potencial de crescimento e continua a ser observada como uma cotada com capacidade de surpreender o mercado e de ditar tendências e novos padrões de consumo associados ao bem-estar, sobretudo, com base tecnológica, onde as energias observadas como ‘não poluentes’ continuarão a ser procuradas quando decorrem relevantes alterações como fenómenos climáticos adversos», finaliza.