A queda do número de alunos inscritos no Ensino Superior fez soar alarmes – perto de 44 mil, menos 12% em relação ao ano anterior e uma quebra no interior de mais 21% – mas não foi suficiente para levar o Governo a mudar de rumo. O ministro da Educação sustenta que é necessário manter o nível de exigência.
Em causa está, segundo Fernando Alexandre, a recente mudança das regras dos exames, que «tornaram os exames nacionais, nas três disciplinas do secundário, obrigatórios» para acabar o 12.º ano. «Foi uma decisão tomada em 2023, mas pensamos que foi no sentido correto, porque temos de ter exigência. O acesso ao ensino superior, obviamente, é uma aspiração de muitos portugueses, mas não é o único percurso que é possível», disse o governante, afastando problemas relacionados com causas económicas.
Questionado pelo Nascer do SOL se houve algum facilitismo no Governo socialista, o ex-ministro da Educação, João Costa disse apenas que «não queria entrar neste debate».
No entanto, a justificação dada por Fernando Alexandre foi partilhada por Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação e atual reitora do ISCTE. «Os problemas de habitação, os problemas relacionados com as condições económicas e da ação social existem, têm de ser resolvidos, mas não são novos. São variáveis a que costumo chamar de tendência, que têm um efeito evidentemente negativo, mas que não explicam as quebras abruptas de candidaturas ao ensino superior porque não houve nenhuma mudança em relação aos anos anteriores e o mesmo aconteceu com a demografia», diz ao Nascer do SOL, referindo que «o que pode explicar a quebra abrupta é o resultado dos exames em 2025, que foram resultados muito mais negativos do que em 2024 e, como passaram a ser necessários para concluir o secundário, o que coloco como hipótese explicativa é que ficaram muitos milhares de alunos impedidos, em primeiro lugar, de concluir o secundário e, em segundo lugar, de obter nota positiva a duas disciplinas».
E lembra que estavam inscritos na disciplina de português, exame obrigatório para todos os alunos, 83 mil alunos, mas só 77 mil o fizeram e destes passaram 63 mil. Ainda assim, só se candidataram ao ensino superior menos de 50 mil. «A minha pergunta é: o que é que aconteceu a estes alunos? Estavam inscritos, mas não foram todos a exame e, por outro lado, chumbaram uns milhares deles. Então concluíram o secundário ou não? Estes alunos que estão a faltar nas candidaturas estão retidos no secundário?», questiona.
Maria de Lurdes Rodrigues recorda ainda que as taxas de reprovação nos exames entre 2024 e 2025 subiram em 10 das 12 disciplinas que vão a exame e «não foi um ponto percentual ou dois, chega a ser de mais de 10 pontos percentuais». Um cenário que a leva a acreditar «que há milhares de alunos que estão, neste momento, à porta do secundário, uns para repetir e tentar concluir o secundário, outros à espera de melhorar as notas nos tais exames e outros a desistir».
E deixa um apelo: «Não se pode abandonar estes alunos que chumbaram este ano», principalmente numa altura em que estamos em pleno emprego, referindo que é preciso levar a cabo um programa de recuperação para estes alunos que estavam a frequentar o oitavo e o nono ano quando surgiu a covid. «São alunos que podem ter problemas de déficit de aprendizagem e são aos milhares e estão espalhados pelo país. Não são menos inteligentes do que os outros, não tiveram foi condições de aprendizagem iguais às dos anos seguintes e dos anos anteriores». Agora, defende, cabe às escolas secundárias e às instituições de ensino superior fazerem um trabalho conjunto para não os deixar desistir e para os preparar para os exames do próximo ano. «Caso contrário, para o próximo ano vamos ter o mesmo problema. Qualquer instituição de ensino superior aceita um projeto e um desafio destes. Esse trabalho deve ser feito, em vez de nos andarmos a lamentar sobre o interior e sobre as vagas. Isso não é o problema», diz ao nosso jornal.
Já em relação às vagas no interior que ainda estão por preencher, a ex-governante acredita que não são motivo de especial preocupação. «Se conseguirmos recuperar os alunos, essas vagas podem ser preenchidas no próximo ano. Essas vagas só são a mais quando não há alunos. Digo sempre que não temos vagas a mais. Temos alunos a menos. E quando o número de alunos diminui, isso fica mais evidente ainda», insistindo que a prioridade não deve ser acabar com os exames ou mudar o modelo, mas sim olhar para os alunos que não entraram e tentar recuperá-los para o ensino superior: «Se fizermos isso, no próximo ano teremos mais alunos, de certeza absoluta. Se não, a tendência será sempre cair de ano para ano».
‘Fiquei contente’
Mais satisfeito em relação a estes resultados está Pedro Ferraz da Costa. «Fiquei contente porque estávamos a formar alguma gente para ir para o estrangeiro e isso faz parte da União Europeia e da livre circulação das pessoas, logo, é uma coisa que devemos aceitar, mas também estávamos a produzir licenciados que depois tinham emprego muito abaixo daquilo que estudavam», refere ao Nascer do SOL. E perante este cenário não hesita: «Qualquer dia temos em atividades industriais licenciados ou empregados com mestrado que estão praticamente a ganhar o mesmo que as mulheres de limpeza».
O problema que mais preocupa o presidente do Fórum para a Competitividade diz respeito ao déficit do ensino profissional. «O ensino profissional ronda os 40% – um número que até ponho em causa porque duvido que seja tanto – mas a Suíça tem, por exemplo, 80% e a maior parte dos países europeus anda entre os 70 e os 75». É aí, considera, que Portugal deve apostar. «Esta conceção que se criou de que toda a gente tinha uma vocação académica não corresponde à realidade. Isso não é verdade em sítio nenhum», atira.
Já em relação ao futuro, Ferraz da Costa admite que está dependente de muitas variáveis. «Se as universidades conseguirem ter ofertas educativas mais estreitas e mais práticas, se calhar têm mais alunos. Se continuarem a querer ensinar como ensinavam há 40 ou 50 anos, têm menos». Defende, pois, que a oferta tem de se modernizar e de se adaptar aos desafios atuais e às pessoas. «E com isso não estou a dizer que sejam melhores ou piores. Há muitos miúdos que praticamente têm uma cultura de telemóvel. Portanto, têm dificuldade em entrar em coisas mais elaboradas. Têm dificuldade em fazer respostas fundamentadas a uma pergunta e com certeza que muitos deles não se revêm naqueles cursos que estão ainda organizados como há 40 ou 50 anos».
Outro problema, de acordo com o responsável, diz respeito à falta de orientação profissional que existe atualmente. «Ninguém aconselha os miúdos a perceberem para onde é que deviam ir e quais são as vocações que têm. Faz-se muito pouca orientação profissional». E dá como exemplo existirem muitos alunos em cursos como biologia ou biotecnologia, áreas onde não há praticamente empresas na Europa por se ter acabado com a proteção de patentes dessas áreas. «Diz-se que são coisas naturais e portanto não são patenteáveis. São de todos e não são de ninguém. E é por isso quase todas essas áreas muito modernas se deslocaram para os Estados Unidos, para a China, para a Singapura e para essas novas civilizações», afirma.
‘Conhecer as causas’
Apesar de admitir que esta queda da inscritos no ensino superior é preocupante, Álvaro Beleza afirma que é preciso ir à procura da causa real. «É preciso fazer um estudo sobre isso. Qual é a diminuição? São portugueses? São estrangeiros? São estudantes dos PALOPs? E isso é preocupante por vários níveis. É preocupante para o futuro do país termos menos licenciados, é preocupante para as universidades porque vivem dos alunos. Agora o principal é fazer o diagnóstico», refere ao Nascer do SOL.
Já em relação ao facto de muitas vagas terem ficado por preencher no interior, o presidente da SEDES admite que essa tendência «mostra a realidade de que o interior não é atrativo», algo que os incêndios que têm atingido o nosso país ainda vieram agravar. «Temos o país desequilibrado, temos pessoas a saírem do interior para o litoral e situações como estas dos incêndios não ajudam nada», reconhece.
Álvaro Beleza diz ainda que num cenário de desistência por parte de portugueses é preciso perceber as causas, deixando em aberto várias possibilidades: «É por causa da pirâmide demográfica ou é porque os jovens não têm capacidade para pagar habitação?».
No caso se serem estrangeiros também defende que é necessário conhecer as razões. «Portugal é um porto de abrigo, tem uma capacidade de atração enorme, não só de imigrantes mais desqualificados, mais pobres à procura de melhor vida, mas também de milionários. Este ano Portugal é o terceiro país da Europa a atrair milionários. O sétimo do mundo. Não é só o Mick Jagger que vem cá passar férias», conclui.
Recorde-se que, na 1.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior, foram colocados 43.899 novos estudantes. Das 55.292 vagas colocadas a concurso, sobraram 11.513, um valor que representa um aumento de 130,4% em relação à mesma fase em 2024. Números que levaram o candidato presidencial Henrique Gouveia e Melo a considerar que «começa a haver uma convicção de que ter um diploma ou não», em termos salariais, é «quase indiferente».