Marques Mendes deixou claro que dará posse a um governo do Chega caso este vença as eleições, mas exigirá ao partido garantias constitucionais escritas. Ou seja, o candidato reconhece o direito de qualquer partido a governar, desde que se comprometa a agir no quadro constitucional, exigindo sobre isso garantias substanciais. Independentemente da retórica, o vencedor ficará condicionado a aceitar e respeitar a separação de poderes.
Houve, entre os comentadores tradicionais, quem não o entendesse, porque não estarão atentos aos sinais do tempo. Veja-se como o líder do Chega acusou o Governo de ser «frouxo» por ter acolhido as preocupações constantes no veto do Tribunal Constitucional (TC), a quem o Presidente da República (PR) enviou a Lei dos Estrangeiros para fiscalização. Ventura defendeu que a versão original devia ser mantida, pressupondo-se que pretenderia que, com o seu apoio, o Governo ensaiasse um braço de ferro com o PR e o TC.
Sabendo que a lei inalterada voltaria a ser vetada, preferia manter o status quo, responsabilizando por isso esses órgãos de soberania? Ou queria enganar os mais incautos, convencendo-os de que a lei original só não é aprovada porque o Governo é «frouxo»? Nada disso: Ventura, candidato a PR e líder de um partido que crê que mais cedo ou mais tarde governará o país, deixou um aviso à navegação. Tal como quando afirmou que, se vencer as eleições, não será Presidente de todos os portugueses.
Enuncia, assim, o desejo de utilizar o poder que lhe seja conferido democraticamente não apenas para governar, mas também para alterar o regime, emulando o que Trump pretende e que Orbán já conseguiu instituir: a democracia iliberal. Na interpretação do húngaro, o ‘Estado iliberal’ não rejeita os valores da democracia liberal. Mas não os adota como elemento central da organização do Estado e defende que a maioria obtida democraticamente legitima o afastamento das ‘Forças de bloqueio’, através da concentração do poder. Elimina assim os checks and balances que, nos regimes liberais, controlam as atividades de quem governa. Recordo que Pacheco de Amorim sugeriu que, caso Ventura vença as eleições presidenciais e o Chega obtenha uma vitória nas legislativas, o PR passaria a presidir ao Conselho de Ministros.
Não falta legitimidade a Ventura: assume-se como antissistema, não esconde o jogo e não hesitará em romper com o status quo, afastando ou manietando as ‘forças de bloqueio’. Gouveia e Melo, por seu turno, defende que o PR deve demitir o governo que não cumpra as suas promessas eleitorais, ignorando que é o eleitorado que pode penalizar nas urnas quem o enganou. Por inspiração de Rio, o Frei Tomás do regime, admitiu que se fosse Presidente teria demitido o governo de Passos Coelho, numa fase crítica em que a ação política estava sob tutela externa. Já Seguro tem uma visão minimalista ajustada à sua sobranceria: encolhe os ombros e entregará sem mais o poder ao Chega, se este vencer as eleições.
Ora, o mais importante papel do PR é o de garantir o normal funcionamento das instituições. Na democracia liberal são essas as regras de jogo para os vencedores, cujo poder não pode ser absoluto, e para os vencidos, a quem cabe respeitar a maioria, esperando que chegue a sua vez.
É este o contexto que nos espera, chamados a escolher o sucessor de Marcelo. Prefiro aquele que quer preservar a democracia liberal, que nos dá garantias de escrutínio e de que o nosso futuro não ficará condicionado pela escolha que fazemos hoje.