O PS sobrevive, mas não voltou

José Luís Carneiro proclamou na noite eleitoral que ‘o PS voltou’. Mas não faltam socialistas a alertar o líder que não terá sido bem assim. Com destaque para Duarte Cordeiro, que classificou os resultados de domingo como uma derrota do partido. Sem apelo nem agravo.

Um dos momentos mais marcantes de Titanic, o filme de James Cameron, é o diálogo entre os dois protagonistas, quando Jack faz Rose prometer que, aconteça o que acontecer, ela tem de sobreviver, enquanto ele morre nas águas geladas do Atlântico Norte.

Esse momento deu origem a um dos maiores enigmas da história do cinema: por que é que Rose não cedeu espaço a Jack nos destroços que lhe serviam de jangada?

O enigma tornou-se uma piada que Leonardo DiCaprio se recusa a comentar e à qual Kate Winslet responde sempre com humor. Na narrativa de Cameron, Jack não podia sobreviver – caso contrário, não haveria filme.
Para o PS sobreviver, alguém terá de se sacrificar. Nesta narrativa, Jack é… José Luís Carneiro. Desapaixonadamente, o PS segura o líder, mas não se sabe por quanto tempo. O PSD, partido do Governo, não se comove com o sacrifício do secretário-geral socialista, que acabará por ver submergir, gelado, um dia destes.

O PS não ‘voltou’ na noite eleitoral autárquica. O PS sobrevive nas águas geladas de uma crise mais ampla: a crise dos partidos de esquerdas. Um naufrágio inevitável.

O PS foi derrotado nas autárquicas, perdeu a liderança após 16 anos e ficou atrás da AD. As críticas começam nas ‘alianças controversas’, onde se insere a derrota de Alexandra Leitão em Lisboa, e terminam na necessidade de reafirmar ‘posições centristas’, numa linha que converge com a ‘abstenção exigente’ na votação do Orçamento do Estado para 2026, já assumida por José Luís Carneiro, mesmo quando considera o orçamento «vazio de ambição e de conteúdo». Carneiro contemporiza, em claro contraste com o anterior líder socialista, Pedro Nuno Santos, que ainda ocupa as últimas filas do Parlamento, mas apenas por mais uma semana, uma vez que suspendeu o mandato por 180 dias, decisão anunciada na semana passada.

Entre todas as leituras possíveis, conclui-se que não foi «o PS que voltou», mas sim que o pedronunismo se foi – com resultados contraditórios nas autárquicas. A vitória de Ricardo Leão em Loures, em contraponto com a derrota de Alexandra Leitão em Lisboa, foram apostas do antigo líder, que acabou por ceder na escolha do candidato do PS à Câmara do Porto, também derrotado. Ainda assim, Pedro Nuno Santos recorreu às redes sociais para reivindicar escolhas vencedoras, como Coimbra, Bragança ou Évora. No entanto, dentro do PS há a tentação indisfarçável de associar os resultados em Lisboa ao pedronunismo e ao estertor final de uma liderança de má memória.

Pedro Costa classificou o resultado da candidatura de Alexandra Leitão como um ‘desastre’. O filho do atual presidente do Parlamento Europeu e antigo primeiro-ministro afirmou que a candidata não conseguiu convencer os eleitores de que seria uma alternativa melhor a Carlos Moedas. Pedro Costa acrescentou ainda que João Ferreira, candidato da CDU, foi «incomparavelmente melhor» nos debates eleitorais, apresentando um projeto e soluções para a cidade.

A meio da semana, no Parlamento, Eurico Brilhante Dias, ao fazer o balanço dos resultados autárquicos, acusou o PCP de ter recorrido à política salazarista do «orgulhosamente sós».

Duarte Cordeiro também vocalizou críticas – não tanto à candidata derrotada em Lisboa, Alexandra Leitão, embora sublinhando a incapacidade de concentrar os votos à esquerda para conquistar a câmara -, mas, sobretudo, ao líder derrotado nas eleições autárquicas de 2025, José Luís Carneiro. Cordeiro afirmou que o PS «não teve um bom resultado», por não ter conseguido travar o «poder absoluto» do PSD, que domina o Governo central, as regiões autónomas, a maioria das câmaras municipais, as áreas metropolitanas e as capitais de distrito. O PSD sai das eleições com uma posição dominante no país, e o PS enfrenta um cenário difícil. Cordeiro está, assim, totalmente desalinhado da narrativa oficial de Carneiro.

Mais alinhado com o líder socialista está Fernando Medina, que considera que o PS teve um desempenho positivo e que, apesar da derrota em Lisboa, a elogiou a convergência que o PS fez com partidos como o Livre, BE e PAN, e evitou atribuir culpas à CDU pela derrota da coligação de esquerda na capital.

Um… dois… três exemplos de que, se o PS voltou, voltou confuso e com um líder preso a uma ideia de ‘moderação’ e ‘responsabilidade’ que também o pode afundar.