Carla Pais. ‘O distanciamento permitiu-me ver Portugal despido. Sem nuvens nos olhos’

Diz que fez sempre tudo ao contrário e que por isso a sua biografia é tão pouco convencional. Aos 17 anos, decidiu que queria descobrir o amor. Em 2012 emigrou para França, onde trabalhou nas limpezas e a embalar salmão. Mas nunca deixou de escrever. Acaba de ser distinguida com o prémio LeYa

Tem dois romances publicados: Mea Culpa (2017) e Um Cão Deitado à Fossa (2022), ambos com a chancela da Porto Editora, numa escrita que ergue palavras que caem como um trovão e nos fulminam o ouvido, com gradações de sombras que se manifestam com fulgor. A bonança pode acontecer, mas cada dia de sol é pago com semanas de invernia. No passado dia 19 de novembro, foi o ouvido de Carla Pais que estremeceu ao receber o telefonema do anúncio do Prémio LeYa 2025, o maior para obras inéditas escritas em português, pelo livro A sombra das Árvores no Inverno.

Nascida numa aldeia, nas cercanias de Leiria, mas atualmente a viver em Paris, Carla Pais pratica outros géneros e prepara-se para publicar um livro de poesia.

Passam duas semanas sobre o dia em que lhe foi atribuído o prémio LeYa. Já se recompôs?

Ainda estou um tanto incrédula com tudo isto. Essa foi uma semana terrível… Tinha tirado a semana de férias para poder avançar num novo romance. Tinha visto antes que, a concurso, havia 1460 obras e apenas seis tinham sido selecionadas. A probabilidade de uma delas ser a minha era, na minha cabeça, nenhuma. Estava tranquila em casa [em Paris], no meu pijaminha, na companhia do meu gato, a escrever e dou-me conta de uma chamada internacional, que me fez acelerar o coração… Do outro lado da linha, a voz inconfundível de Manuel Alegre, a repetir a palavra ‘unanimidade’ e a dizer-me para me preparar para falar aos jornalistas, quando nem para mim própria tinha conseguido ainda encontrar as palavras… Eu nem conseguia falar. Lembro-me de ter perguntado se ele tinha a certeza.

Reminiscências do que sucedeu com o Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís [anunciado e depois retirado por questões de regulamento]?

Não sei se fiz essa ligação, talvez inconscientemente a tenha feito. Mas a primeira questão que me ocorreu foi se tinham mesmo a certeza, talvez pela dimensão do prémio, pelo prestígio, pelo montante, pela possibilidade de reviravolta que pode significar na carreira de um escritor. Depois, a notícia espalhou-se rapidamente. Entretanto, ainda mal tinha tido tempo para respirar, para processar, recebo de Leiria um telefonema do meu pai, zangadíssimo, depois de ter sabido da atribuição do prémio por uma vizinha: ‘Importas-te de nos explicar por que é que nós somos os últimos a saber desta história?’ [risos].

Concorreu ao prémio com um pseudónimo masculino, num gesto que foi interpretado por alguns como uma tentativa de alargar o perímetro das possibilidades… Por que razão o fez?

Na verdade, por nenhuma razão especial, simplesmente porque enviei o livro no último dia e foi o nome que me ocorreu. Podia ter sido feminino, como fiz noutros casos, e isso não me impediu de ganhar. Simples coincidência.

Os elogios rasgados que o Júri do Prémio lhe dirigiu, pesam-lhe ou condicionam-na, de algum modo?

Comovem-me. A literatura, tal como eu a entendo, não me pode pesar nem condicionar, ou então deixa de ser literatura. A minha literatura só pode ser feita com a liberdade e a honestidade que eu lhe impuser. Um elogio não é garantia de nada. Ali, foi um reconhecimento generoso da obra, com palavras muito poderosas para o ouvido de um escritor, mas gosto de lembrar que as distinções não têm nome próprio, não pertencem. São apenas das obra. E aquela mereceu-a. Começo um novo livro e voltamos ao ponto zero da história. Tudo em branco. Sem passado. Volto à liberdade de escrever o que virem os meus olhos do mundo. Depois se é bom, isso já é outra coisa. Eu faço o que posso, como posso e até onde posso, o resto deixo para os outros.

A badana dos romances que anteriormente publicou expõe algumas facetas do seu percurso profissional, bem afastadas do mundo das letras e das artes: limpezas, embalar salmão, tomar conta de crianças. Porquê esta opção?

Talvez tudo na minha vida seja pouco habitual e aquela pequena biografia ilustre isso mesmo. De facto, o meu percurso não se estruturou dentro das artes e das letras, como em princípio impõe um certo quadro social que te categoriza e te coloca ordeiramente num catálogo. Eu não gosto de catálogos, não são nada originais. No fundo, nunca fiz nada do que a sociedade esperava de mim, nem o que era suposto fazer a cada nova fase da vida. Aos dezassete anos, a sociedade dizia-me para estudar e ser boa aluna e eu decidi que aos dezassete anos eu queria era descobrir o amor. Sempre fiz tudo ao contrário, e por isso aquele amor, tal como eu o queria viver, ou seja, como todos os amores têm de ser vividos, intensamente, não era compatível com a escola que a sociedade me impunha. Entre o amor e a escola, não foi muito difícil a escolha. Agora que penso nisso, o texto das badanas não foi uma opção. Quando me pediram uma biografia, não tinha outra coisa para entregar senão a verdade. Eu sou o que lá está escrito.

Saiu de Portugal em 2012. Quando chegou a França que dificuldades encontrou? E, nessa altura, que lugar ocupava a escrita e a literatura na sua vida?

O meu marido (aquele tal amor aos 17 anos) decidiu que Portugal não nos permitiria projetar um futuro digno para os nossos filhos, na altura com 8 e 12 anos. E por isso decidiu ir embora. No fundo, nós não emigrámos, nós mudámos de país como poderíamos ter mudado de casa, se Portugal o tivesse permitido. Saindo um, naquele caso o meu marido, saímos todos. Quando chegámos, fomos todos aprender a língua. Os meninos na escola de dia e eu e o Paulo num centro de formação à noite. Foi a nossa grande prioridade. Sem linguagem não há integração. Isso era uma evidência para nós, portanto foi muito natural a nossa instalação em França. Eu trabalhava no serviço cliente de uma empresa de material elétrico em Leiria, tinha um bom posto e uma vida sem grandes chatices profissionais. O que quer dizer que profissionalmente estava satisfeita e realizada. Quando cheguei a França, depois de os miúdos estarem adaptados à nova escola, fui fazer limpeza. E é curioso ver como as pessoas associam imediatamente este tipo de trabalho a precariedade e a dificuldades várias. Quase como se não fosse digno. Inferior. Falamos certamente de preconceito. E eu gostava de falar sobre isto. Gostava de dizer que estas experiências, nomeadamente a limpeza, foram das experiências mais enriquecedoras que a vida me pôde proporcionar até hoje.

E porquê?

Primeiro, porque, uma vez mais, foi uma escolha minha: a forma mais eficaz que eu encontrei de treinar a nova língua. E depois porque me permitiu entender rapidamente aquele novo país e os seus códigos sociais. As suas gentes. As suas filosofias. Compreender que uma empregada de limpeza, ainda que estrangeira, é uma pessoa. Que ali não havia títulos, mas nomes. Entras na casa de um alto funcionário de uma multinacional cotada na bolsa e a primeira coisa que recebes é um sorriso, uma cadeira, uma chávena de café e umas bolachas artesanais antes de começares a trabalhar. Ouves o teu nome, numa língua que não é a tua. Recebes um obrigado por teres organizado a biblioteca e regado as plantas do jardim. E isto acontece de mesma forma na casa de uma velhota que não sabe nada da Bolsa, mas que educa a neta num apartamento minúsculo e reza para que o filho a deixe ler o jornal antes de acordar com o vinho no corpo e as mãos trémulas de violência. E ainda assim, agredida no seu íntimo, não negligencia o sorriso à empregada de limpeza, o café, o obrigada. É disto que gostaria de falar, desta nobreza de gestos. Foi tudo o que encontrei ao fazer limpezas. O acolhimento que em pouco tempo fez daquele país o meu país. A precariedade não tem que ver com o trabalho que fazes, porque, para mim, não existem trabalhos de primeira ou de segunda categoria. Existem apenas trabalhos. A precariedade é outra coisa. Tem que ver com uma suposta exploração do trabalhador e isso refere-se à pessoa que explora e não ao trabalho em si-mesmo. É na índole de cada um que encontras a matéria-prima que nos fabrica. Para o bem ou para o mal. Talvez tenha sido nesta altura que percebi que a literatura se podia fazer diferente. Pegar numa quantidade de ingredientes e cozinhá-los sem testo. Deixas ferver a panela e depois moderas a labareda do fogão para não esturrar. Talvez seja isto que faço nos meus livros, um arremedo de refeição gourmet porque nunca fui muito boa cozinheira.

Vai nisso uma boa dose de intensidade…

A literatura tem de me estimular. Obrigar-me à beleza do desconhecido, daquilo que é estranho, sobretudo pela capacidade que o autor tem em colocar a linguagem ao serviço da narrativa. Como o resultado de um bordado numa toalha de linho trivial.

À distância, Portugal vê-se melhor? Ou, se preferir, quando nos olhamos de fora vemo-nos com mais nitidez?

Acho que sim. O distanciamento permitiu-me ver Portugal despido. Sem nuvens nos olhos. Quase que me atrevo a dizer que descobri um outro país. Outras gentes. Nem sempre para o melhor, confesso. Mas gostei de um dia abrir a janela e ver o meu país despir-se para os meus olhos. De repente, encontras um ecossistema que te era estranho, a tua memória desconstrói-se e reinventa-se num outro prisma. Como se estivesses num teatro e de repente subisse o pano. Nesse momento, não sabes o que te espera, se uma comédia ou uma tragédia. Fui vendo as duas. Nitidamente. Porque não estou no palco, sou apenas espectadora. Os meus livros nascem desse lugar escuro que é a plateia e crescem em função do lugar que decido ocupar.

A questão de ser português parece balançar, com pendularidade cíclica, entre dois extremos: um sentimento de grandeza e um sentimento de mediocridade. Neste plano inclinado, em que ponto nos situa?

Eu também sou portuguesa. Ainda que me tenha zangado com o meu país, sempre acreditei nos valores que a nossa sociedade defende. A identidade portuguesa tem, de facto, essa tendência para oscilar entre a euforia da grandeza e a angústia da mediocridade, mas talvez essa ‘cíclica pendularidade’ diga mais sobre a forma de nos vermos do que sobre aquilo que realmente somos. Somos um povo com conquistas históricas relevantes, com criatividade, resiliência e uma capacidade notável de adaptação, mas também com fragilidades estruturais importantes. A grandeza existe e a mediocridade também, mas nenhuma das duas define sozinha o país. O que nos define é a tensão entre ambas, a capacidade que devemos ter para criar um comedimento que nos permita evoluir, como indivíduos e como sociedade.

Quando é que começou a escrever?

Aos 13 anos. Idade extremamente difícil para todas as questões que te adoecem a cabeça, porque ninguém quer saber das tuas perguntas idiotas. Então, nessa altura, recebi um diário com folhinhas perfumadas e um cadeado. Foi nesse caderninho que fiz os primeiros exercícios de escrita. Aliviava-me imenso. Depois, mais intensamente, e com outras questões por compreender, foi em França. Ainda hoje acho que os melhores exercícios para lavar o coração são ler e escrever.

Ao longo desse agitado dia do anúncio do prémio, o seu nome ocupou o centro das redes sociais. Foram mais que muitos os que se manifestaram, de tal modo que poderia dar a ideia de que os seus leitores são em abundantíssimo número…

Senti o poder brutal que podem ter as redes sociais – para o bem, mas também para o mal. A coisa tomou tais proporções que toda a gente quis associar-se, por um motivo ou por outro. Sei que não tenho assim tantos leitores que, de súbito, tenham acordado para dizer: ‘Eu conheço a Carla Pais’. O plano de marketing da comunicação da Leya e uma série de poderosos gatilhos desencadeiam toda essa dinâmica. Não há como deter aquela máquina em marcha, nem a mecânica do algoritmo.

A sua ficção não é propriamente uma ficção de aquecer invernos. O vento sopra com intensidade, há um frio que passa de uns livros para os outros, desce sobre o corpo, entra-nos pelos ossos, gela-nos, por vezes. Nesse sentido, A Sombra das Árvores no Inverno é um título que volta a situar-nos na sua estação?

Não é que o inverno seja propriamente a minha estação. Gosto de fazer dos elementos aliados para poder dar corpo e matéria àquilo que eu ou as personagens possam sentir num determinado momento. Cada uma das estações tem a sua riqueza, mas o inverno é particular porque é violento, agressivo. Vem para nos dar coisas mas tira mais do que dá. É como se fosse o meu aliado nos livros e neste [cuja publicação está prevista para abril] também vão comparecer traços invernais, embora não tão intensos, talvez. O inverno ajuda-me a materializar coisas difíceis de dizer com palavras.

Fez saber o júri que o seu romance se centra em «situações problemáticas e convulsas de candente actualidade na Europa». Quer explicitar?

Demorei seis anos a escrevê-lo, é um livro que me deu muito trabalho. Estou a viver em França desde 2012, como sabe. Em Portugal, felizmente, não temos assistido a atentados terroristas, ou a cenas de violência extrema, como aqui pude assistir, em 2015, e que me marcou imenso. Entre 2015 e 2018 há um aumento crescente de ataques terroristas, mas, em paralelo, a crise dos refugiados, gente que precisa de fugir da guerra na Síria. Não me conformo com o discurso ‘É tudo terroristas que aí vêm’. Mantenho grandes discussões, mesmo com amigos, e insisto na pergunta: com que direito dizemos que são terroristas se não os conhecemos? São pessoas que ali vêm, não sabemos em que condições vêm, que histórias de vida carregam consigo. Como é que nós, enquanto país e enquanto Europa, nos preparámos para esta situação? Tínhamos todas aquelas pessoas a fugir da Síria, com crianças… e que não estávamos de todo aptos a receber e, do outro lado, tínhamos o fenómeno inverso: famílias completamente funcionais, aqui em França, que educavam os filhos sob as regras da religião cristã mas que, a um momento, perdiam os filhos para a guerra na Síria, miúdos que se radicalizavam sem que os pais se apercebessem. Havia, portanto, aqui um enorme paradoxo: de um lado, pessoas que consideramos estruturalmente bem compostas, funcionais do ponto de vista cívico, que educam crianças numa Europa civilizada; do outro, a incapacidade de acolher os que chegam. O meu romance nasce deste quadro.

É a complexidade dessa dinâmica de forças opostas que a faz demorar neste livro? Ou há outros motivos?

Há uma altura em que há uma quebra da escrita e eu não consigo continuar o livro. Tenho a sensação de que aquelas personagens se zangaram comigo. Ninguém me falava ou eu não conseguia compreender o que me diziam. Eu insisto mas o silêncio das personagens, às tantas, começa a fazer-me tanto mal, que pede afastamento. Como se o livro tivesse de ficar quieto para poder respirar. Um dia, e como eu acreditava no livro, tirei férias e fui para uma casa de campo, sozinha. Trabalhava das sete às três da manhã. Foi como se nos confinássemos ali todos, as personagens tinham de me voltar a falar. Foi nessas condições que o terminei. É que, por vezes, tens uma ideia na cabeça, um pensamento, uma imagem, algo que ainda não sabes o que é nem se virá a ser. Mas pode haver um momento em que aquela imagem desaparece e fica-se ali perdido. Se aquela voz que está ali contigo não te fala, tu já não sabes escrever o livro, como se de repente estivesses no meio do mar, caísses à agua e já não soubesses nadar.

E a bóia, onde está?

Na poesia, na desconstrução do mundo pelas palavras. Desordeira e sem obediências a convencionalismos. A liberdade de dizer e sentir diferente, e de para isso ter uma arma tão poderosa como a linguagem. É a língua que me fascina nesta fábrica falida. E fábrica falida é a desobediência que só a poesia pode impor ao texto. Normalmente, começo a ler poesia; pequenos livrinhos que me vão despoletando ideias, que anoto, e que me colocam noutra frequência, na da criatividade. Aí, já posso voltar ao livro porque é provável que as personagens tenham voltado comigo, e agora me possam responder. É uma coisa pouco razoável, estranhíssima – até de contar.

Nos romances anteriores, atribui um título próprio a cada capítulo. É uma tentativa de subir as bainhas ao romance?

Gosto da expressão. E posso dizer que sim. Mas explico de outra maneira: o romance é como uma grande vila para mim, e à medida que vou descobrindo aquela nova vila preciso de anotar o nome das ruas para não me perder, e isto porque sou de facto muito boa em perder o norte. Não tenho nenhuma apetência para a orientação geográfica. Pelo nome dos capítulos sei onde mora cada personagem e isso ajuda-me a resgatá-las quando preciso delas.

O tema da servidão, tratado com crua força poética, atravessa a sua escrita. É uma obsessão?

É uma coisa minha. Nasci numa pequena aldeia que era um ninho de histórias e sei que vou beber ali muitas coisas, muitas experiências, memórias de quando era miúda. Lembro-me de uma senhora, tão alcoólica quanto pobre, que teve um filho que nasceu morto; enterraram-no, rodeado de algodão, numa caixa de sapatos, porque não tinham dinheiro para fazer de outro modo. Havia também uma família de alcoólicos, pai, filha e genro, nem um escapava. O velhote, que tinha uma bicicleta e um cão pequenino, fabricou uma carroça, que o cão, sempre a acompanhá-lo, puxava, qual burro, com um garrafão, que haveria de voltar a passar, cheio. Figuras muito próprias, quase saídas de filmes. Os meus pais tinham construído casa na área do lamaçal da aldeia, que era mais rica em histórias, em fenómenos mirabolantes. E havia a outra parte, depois da igreja, onde viviam as pessoas com mais posses, que frequentavam outro tipo de lugares. Logo ali, notamos, ainda bem cedo, que há uma submissão de classes. Há os que podem tudo e há os que estão misturados com a lama e não podem nada. E à medida que vou crescendo, vejo isso em todo o lado: a minha avó que é completamente submissa ao meu avô, a minha mãe que é submissa ao meu pai, como as mães das minhas amigas. Há uma força de poder que é desequilibrada e não a entendo. Nem posso colocar questões porque ninguém me vai responder, mas a ausência de respostas ficou a ecoar em mim.

Nasce portanto de uma incompreensão da sua parte, desde muito cedo.

Sim, e vai-me acompanhando. Ainda hoje, vou à aldeia e sento-me a tomar café, chega um casal, o homem vem à frente e a mulher segue atrás. Dir-se-ia que são coisas aparentemente simples, mas são gestos de poder em relação ao outro. E a forma que eu encontro de quebrar isso, é fazer tudo ao contrário. Quando toda a gente diz ‘tu agora tens de ir fazer isto ou aquilo’, eu decido que vou fazer o que a minha liberdade me permitir fazer. A vida que me estão a entregar não é a que eu quero. É como naquele poema batido do Régio: é a minha vida. Precisamente para não me vergar a essa servidão. Não quero vergar-me à servidão.

E que expectativas deposita neste prémio?

Não sou uma pessoa de criar expectativas, gosto de saborear as coisas devagar. Com uma lentidão que é minha, totalmente contra a corrente dos dias de hoje. No entanto, tenho a noção que pode ser um ponto de viragem na carreira de qualquer escritor. Na minha talvez não seja diferente. Veremos como o mercado vive o livro. Porque os livros não são apenas para ler, são sobretudo para serem vividos.