O body shaming atormentou Luís Marques Mendes durante anos – demasiado pequeno para grandes cargos –, mas o candidato há muito deu a volta à sua altura e é capaz de rir de si mesmo. No mais recente livro, uma longa entrevista de vida, biograficamente circunscrita, lemos logo nas primeiras páginas que teve a lucidez de passar do futebol para o andebol, «em que, apesar de tudo, as balizas já são mais condizentes com a minha estatura (risos)».
Uma questão que não o tem perturbado na pré-campanha – o que seria de mau gosto –, mas outras críticas atormentam o candidato presidencial apoiado pela AD, muito concretamente as suspeitas de conflitos de interesses e de falta de transparência, o que tem vindo a pôr em causa a constância da figura moderada e moralista que Marques Mendes sempre quis promover.
Sobre a empresa familiar, de que, entretanto, se desfez, há uma lista pública de 22 clientes, na lógica do ‘quem não deve, não teme’; quanto aos clientes da Abreu Advogados e aos mais de 700 mil euros mal explicados de dois anos como consultor, fica para depois. Numa solução de debate nulo, há quem continue a acusar o candidato de falta de transparência e de potenciais conflitos de interesses, e há quem considere que o debate político se tornou insuportavelmente puritano e que questões como ética, moral ou conflitos de interesses se tornaram obsessivas.
«Não me arrependo de 22 anos de política nacional consecutiva, entre os meus 28 e 50 anos. Mas também não me arrependo destes 18 anos que levo fora da vida política», lemos na longa entrevista de Luís Marques Mendes a Luís Rosa, transformada em livro, publicado pela D. Quixote, em tempo de pré-campanha. Na obra, de 224 páginas, os 18 anos fora da vida política ocupam as páginas 205 a 209, excluindo anos de comentário político e uma multidão de incongruências entre as lições de moral e as ligações empresariais ou posições convenientes.
A ligação do candidato presidencial ao Governo tem sido gerida com razoável eficácia. Aqui e ali, Marques Mendes mostra que corre em pista própria, mas há a tentação de a proximidade ser favorável a Montenegro, numa altura em que se dá como razoavelmente possível que a segunda volta se disputará à direita, com Ventura e Marques Mendes ou Gouveia e Melo.
O PSD de hoje não é o mesmo em que Marques Mendes entrou, aos 17 anos, com duas figuras como referência: o pai, António Marques Mendes, e o fundador do partido, Francisco Sá Carneiro. E também não é o mesmo que o levou a secretário de Estado com 28 anos ou a ministro-adjunto do primeiro-ministro com 34, idade em passou a fazer parte do inner circle cavaquista, com um protagonismo que é caso de estudo em Ciência Política.
Nestes primeiros anos de cavaquismo surgiu a expressão «pai, sou ministro», não tanto porque Marques Mendes a tenha dito, mas para enfatizar a importância do pai nas decisões do jovem político.
Mendes foi líder parlamentar de 1996 a 1999, quando Marcelo Rebelo de Sousa liderava o partido, na oposição; ministro dos Assuntos Parlamentares no Governo de Durão Barroso, entre 2002 e 2004; e, depois, líder do PSD de abril de 2005 a outubro de 2007, com o partido de novo na oposição. Tem uma experiência abrangente entre poder, oposição e Parlamento, uma questão substantiva na perceção que os eleitores têm dele.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes nasceu em Guimarães, a 5 de Setembro de 1957. Viveu a infância e a juventude em Fafe. Voltaria à cidade para terminar o liceu e para conhecer a mulher da sua vida, Sofia, e aí estava quando aconteceu o 25 de Abril.
«A minha infância e a minha adolescência não têm grande história. Até ao 25 de Abril, basicamente estudava e brincava», mas cedo decidiu que iria estudar Direito, inevitavelmente para seguir os passos do pai, advogado e político, nomeado em 1973 presidente da Câmara Municipal de Fafe. «Aceita entrar no regime, mas para o mudar por dentro», explica o filho, que liga o pai à ‘ala liberal’ e reformista criada no interior do marcelismo – uma experiência que tinha tudo para falhar, como falhou, porque não bastava mudar o regime, era preciso que o regime caísse, como caiu.
Esta ideia de contemporização permanece em Marques Mendes ainda hoje, e daí a necessidade de explicar a Luís Rosa que o pai era um governador do regime, mas ligado à CEUD (os democratas) e não à CDE (os comunistas).
«Tens de falar de improviso» foi um dos conselhos mais determinantes que recebeu quando era aprendiz de político. O conselho veio da mãe, Maria Isabel, professora primária, que um dia lhe disse: «As pessoas gostam do que tu dizes, mas não acreditam que sejas tu o autor do discurso. Acham que é o teu pai».
Com 18 anos, iniciou a licenciatura em Direito em Coimbra, enquanto trabalhava em Braga com o governador civil da cidade, Eurico de Melo. Em Coimbra, cruzou-se com José Pedro Aguiar-Branco e Manuel Castro Almeida; em Braga, aprendeu com uma das figuras mais marcantes do PSD e do cavaquismo. Terminou o curso, sofreu a primeira derrota política na Câmara de Fafe e passou a trabalhar no escritório do pai, que na altura era deputado na Assembleia da República do PSD. Não muitos anos depois, o pai manteve-se no Parlamento quando o filho entrou no Governo. António Marques Mendes faleceu em 2015, aos 81 anos, e a mãe, Maria Isabel Gonçalves Marques Mendes, morreu em 2021, aos 88 anos.
Luís Marques Mendes é um nepobaby, alguém que beneficiou da influência, do estatuto e das ligações profissionais do pai. Faça-se justiça, se é certo que a praia de Marques Mendes sempre foi de águas cálidas, é igualmente certo que construiu a sua própria carreira, que culmina agora com a candidatura à Presidência da República.
A AD entrou pela primeira vez no poder em Portugal em 1979, liderada por Sá Carneiro, que morreria no acidente de Camarate, em 1980. Com Francisco Pinto Balsemão sai do poder no final de 1982, segue-se o Governo do Bloco Central (PS/PSD). «Na altura, eu não contava muito para o campeonato da política nacional», admite LMM, mas acrescenta que sempre foi «contra soluções governativas do tipo Bloco Central».
Num pulo, estamos em 1985 e no mais célebre dos congressos dos sociais-democratas, na Figueira da Foz – um congresso «épico, absolutamente histórico», nas palavras de Mendes. É aí que entra a valer na política com Eurico de Melo e Cavaco Silva. «Adorei os dez anos em que trabalhei com Cavaco Silva», diz o candidato a Belém, que discorre entusiasmado por páginas e páginas de cavaquismo na biografia recente.
Há ainda Rebelo de Sousa e Durão Barroso antes de Mendes chegar à liderança do PSD, em 2005, quando derrota Luís Filipe Menezes. Dois anos em que coincidiu trabalhar com dois presidentes, Sampaio e Cavaco. De um e de outro retira a mesma ideia: «apostaram em estabelecer pontes de diálogo e promover entendimentos entre o Governo e a oposição», porque, argumenta, «em democracia, firmar acordos e compromissos não é um ato de fraqueza». Desse tempo de liderança, quando afastou autarcas a contas com a Justiça, diz que «atuou contra o pior do sistema» em 20 anos.
Deixa a política ativa e integra, nos 18 anos de advocacia, 12 anos de comentário televisivo, «sem nenhuma agenda pré-definida», mas mergulhado na convicção de que «o sistema precisa de ser reformado», tendo como uma das prioridades «mais ética na vida política». Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz.