O que levou à crise entre Portugal e Timor

Timor Leste notificou, esta segunda-feira, magistrados portugueses a trabalhar no seu território a deixar o país em 48 horas. Mas afinal o que levou a este incidente diplomático?

O que levou à crise entre Portugal e Timor

MILHÕES PERDIDOS EM PROCESSOS CONTRA PETROLÍFERAS

Do lado do Governo timorense, parte da explicação está em erros alegadamente cometidos por juízes e procuradores de nacionalidade portuguesa que terão custado milhões de euros em processos perdidos pelo Estado de Timor em acções que o opunham a empresas petrolíferas.

Xanana Gusmão deu, esta terça-feira, uma entrevista à Rádio Televisão de Timor Leste, na qual conta que Timor já perdeu 35 milhões de dólares (27,9 milhões de euros), sendo que ao todo estarão em causa 378 milhões de dólares (301,5 milhões de euros) em processos com petrolíferas.

O primeiro-ministro timorense relata o que considera serem erros grosseiros praticados por magistrados a quem acusa de falta de competência.

“Há muitos casos em que não são contestados os factos, não há fundamentação legal para defender o Estado, misturam os processos todos, mesmo que sejam sete questões diferentes, põem tudo junto”, afirma Xanana, que acusa os magistrados de fazerem cópias de uns processos para os outros, chegando a copiar até os erros ortográficos.

“Nós vamos partilhar os erros que já foram detectados desde a insuficiência de factos, a insuficiência de argumentação jurídica, falta de conhecimento sobre os casos, nomeadamente no que se refere aos que envolvem os contratos com as empresas petrolíferas. No final, o Estado tem de pagar”, ataca na mesma entrevista.

PROCESSOS POR CORRUPÇÃO

O mal-estar do Governo timorense com os magistrados portugueses começou, contudo, em 2012, a propósito de um inquérito aberto contra Lúcia Lobato, ex-ministra da Justiça de Timor.

Lobato foi condenada em Junho de 2012 a cinco anos de prisão por participação económica em negócio, no âmbito de uma compra de fardas para a guarda prisional, mas a sua condenação foi envolta em polémica.

A ex-ministra recorreu da sentença que a condenou, mas o recurso foi apreciado pelos mesmos juízes (entre os quais dois portugueses) em vez de ser distribuído por outro colectivo. Depois disso, fez um pedido de ‘habeas corpus’, mas ainda antes de o prazo para recurso expirar já um mandado de captura tinha sido emitido.

O pedido acabou por ser indeferido, mas a forma como processo decorreu levou à abertura de inquéritos disciplinares pelos Conselhos Superiores da Magistratura em Portugal e em Timor.

A antiga ministra acabou por cumprir apenas dois anos de prisão, tendo sido indultada pelo Presidente timorense.

Mais recente é outro caso que se tem revelado sensível para o Governo de Díli. A actual ministra das Finanças timorense, Emília Pires, ia começar a ser julgada por crimes de participação económica em negócio no dia 27 de Outubro (dois dias depois da decisão do Parlamento e do Governo de cessar as comissões de serviço dos funcionários judiciais estrangeiros), mas o julgamento foi adiado ‘sine die’.

Em carta enviada ao Parlamento, Xanana Gusmão considera que o levantamento da imunidade dos membros do seu Governo vai “perturbar o correcto funcionamento da actividade governativa, colocando em sério risco a sustentabilidade do Governo e a governação do país”.

MAGISTRADOS SÃO EXPERIENTES

Em Portugal, defende-se, contudo, a qualidade dos magistrados que estavam em serviço naquele país lusófono, com o Conselho Superior do Ministério Público a garantir “a competência profissional, a idoneidade e rigorosa isenção dos magistrados do Ministério Público” portugueses em Timor Leste.

Muitos dos magistrados que têm estado a cumprir funções em Timor Leste atingiram, de resto, o topo da carreira em Portugal, sendo desembargadores e juízes conselheiros.

DECISÃO TOMADA CONTRA OPINIÃO DE MAGISTRADOS TIMORENSES

O próprio Conselho Superior da Magistratura Judicial de Timor-Leste defendeu a permanência destes funcionários no território.

A de 28 de Outubro, o seu presidente (e presidente do Tribunal de Recurso), determinou manter em exercício de funções estes magistrados, lembrando a sua competência exclusiva para nomear, transferir ou exonerar os juízes e os funcionários dos tribunais, bem como apreciar do seu mérito ou do exercício da respectiva acção disciplinar.

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) classifica a atitude de Timor Leste como “uma grosseira violação da independência do poder”. E já avisou que vai denunciar a situação às Nações Unidas – organismo através do qual estavam a prestar cooperação alguns destes funcionários.

A DECISÃO NA ORIGEM DA POLÉMICA

Recorde-se que o Governo de Timor-Leste ordenou aos serviços de migração a expulsão de cerca de 50 funcionários judiciais internacionais, incluindo cinco juízes, um procurador e um oficial da PSP de nacionalidade portuguesa. 

A resolução do Conselho de Ministros determinava a expulsão dos portugueses no prazo de 48 horas depois de serem notificados pelos Serviços de Migração.

A resolução invoca "a necessidade de proteger de forma intransigente o interesse nacional", e aprovou também uma resolução que suspende os contratos com funcionários judiciais internacionais.

No documento, refere-se que "estes profissionais externos" revelaram "falta de capacidade técnica" para "dotarem funcionários timorenses de conhecimentos adequados".

Esta segunda-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português manifestou “repúdio” pelas expulsões e anunciou que vai reavaliar a cooperação com Timor-Leste.

*com Ana Paula Azevedo