Elisa Ferreira: ‘Não há condições para rever o pacto de estabilidade e crescimento’

A economista e eurodeputada escolhida por Costa para ajudar a preparar programa eleitoral acredita que haverá condições para inverter austeridade, mesmo sendo impossível rever os tratados.

A economista e eurodeputada escolhida por Costa para ajudar a preparar programa eleitoral acredita que haverá condições para inverter austeridade, mesmo sendo impossível rever os tratados.

Encontra sinais de viragem à esquerda na política económica europeia? Onde?

O discurso de Juncker é muito diferente do de Barroso. Ele foi eleito na base do compromisso de que iria mudar as políticas, de uma lógica 'austeritária' para uma lógica 'desenvolvimentista', criadora de emprego. O pacto de estabilidade e crescimento está a ser neste momento avaliado, vamos ver quais são as margens de flexibilidade que se podem introduzir.

O presidente do Eurogrupo disse que é essencial respeitar o pacto de estabilidade e crescimento. Um balde de água fria?

É e não é. Com tantos eurocépticos a sitiarem os partidos que ainda acreditam na Europa, não há condições políticas para se fazer uma revisão de fundo no pacto de estabilidade e crescimento. Portanto, o que se está neste momento a procurar, no Parlamento e na Comissão, é não alterar já outra vez o six pack e o two pack, mas antes explorar todas as margens possíveis de flexibilização dentro da legislação existente. Penso que a frase do presidente do Eurogrupo se insere nessa opção.

E existe essa margem de manobra?

Existe e não foi utilizada pela Comissão Barroso. É que, se for ler o texto legislativo, vê que se autorizam mudanças de trajectória em três circunstâncias: quando o país está a fazer reforma estruturais, quando houver um downturn da economia e quando acontecem coisas fora do alcance da vontade dos países. Quando há uma crise económica, não se pode aplicar uma receita que agrave a recessão e gere mais desemprego.

É isso que suporta a exigência de António Costa de que as despesas de investimento não contem para o défice?

Claramente, sim. Se um país precisa de se ajustar para robustecer a sua competitividade para o futuro, não pode fazer isto esmagando salários e forçando a emigração dos mais qualificados. A redução do investimento privado e público impede progressos de competitividade. 

O PS aposta na mudança das políticas europeias para flexibilizar as metas do défice e libertar investimento. Essa mudança chegará até às legislativas?

A Europa tem de perceber que estamos numa situação de quase pré-ruptura do projecto europeu e, para que perceba isso, é importante ter uma voz activa do nosso Governo contra a agenda dominante liderada pela Alemanha. Claro que se o primeiro-ministro se posicionar nas cimeiras europeias como um obediente aluno, não há condições para alterar as políticas.

Isso não é muito promissor…

Bem, nós já demos um pequeno passo com a eleição de Juncker, que vem do lado cristão-democrata do PPE. E que, para garantir o apoio dos socialistas, teve de fazer concessões, invertendo a agenda 'austeritária' e aceitando a flexibilização do Pacto. O apoio do grupo socialista não foi um cheque em branco. Depois, temos ainda alguns países que mudaram politicamente – não falo da França, que não resultou muito, mas mais da Itália. É urgente que a agenda europeia mude, porque a crise parece que nunca mais acaba e não há mais nenhum bloco no mundo a sofrer ainda com a crise de 2008-2009.

Falou da Itália, mas Renzi vai alargar as causas de despedimento. Há um fantasma de 'Hollande italiano'?

O facto de haver uma agenda alternativa europeia não inibe os países de terem de fazer algumas mudanças internas. É preciso, provavelmente, mudar regras no mercado de trabalho em Itália e é preciso mais cuidado com o tipo de investimento público que se faz. O problema não são as reformas, mas não podem ser só as do mercado laboral e têm de ser decididas por métodos democráticos, não impostas de cima para baixo, e feitas no tempo certo.

O PS consegue mudar políticas sem aumentar a despesa e reduzir a receita?

Tem havido um debate absurdo e quase estúpido sobre um lado certo e um lado errado nas políticas para combater a crise. Admito que houve excesso de endividamento em Portugal. Mas o que nós devemos perguntar é: tendo seguido a receita que nos foi imposta, atingimos os objectivos? Um destes objectivos era o de robustecer a nossa competitividade. Tenho muitas dúvidas que tenha acontecido. Controlámos o défice e a dívida? Não. Relançámos o emprego? Desde 2008 até agora, seguimos religiosamente esta agenda. Chegou a altura de perceber que não funcionou.

O PS virou à esquerda?

Penso que não. Há ou não políticas alternativas? Essa é que é a questão. Não podemos ter receio de enveredar por outra política. Não é inteligente continuar a apostar num medicamento que não resultou.

Foi ministra de Guterres. Espera que seja candidato a Belém?

Não vejo ninguém com mais condições para ser Presidente. Pela experiência que tem e pela seriedade.

Fala-se do seu nome para presidente da CMVM e para ministra das Finanças. Está disponível?

Podem surgir sugestões para tudo, mas acabo de ser eleita e tenho um mandato. O que quero fazer é ajudar a alterar a agenda europeia. Porque se a agenda europeia não mudar, Portugal fica muito limitado na sua margem de manobra.

O caso Sócrates pode afectar o PS?

Não quero acrescentar nada ao que Costa já disse. Temos problemas muito sérios – políticos, económicos e sociais – para discutir. Vamos aguardar.

Está integrada num grupo de economistas que vai preparar a estratégia orçamental de António Costa. Qual será o seu contributo?

Estou muito interessada em fazer a ponte entre a agenda europeia e a agenda nacional. Já houve duas reuniões do grupo, mas infelizmente não pude participar. 

manuel.a.magalhaes@sol.pt