Somos Syriza?

A vitória de Alexis Tsipras teve em Portugal um efeito idêntico ao fenómeno ‘Je Suis Charlie’. Toda a esquerda, do BE ao PCP e PS, reclamou para si a alegria da vitória do Syriza, a principal força anti-austeridade na Europa.

Somos Syriza?

À direita, a euforia é desvalorizada e há a esperança de que o falhanço rápido das políticas de Tsipras venha a servir de exemplo para o eleitorado português, ajudando a mostrar que essa não era boa alternativa à fórmula seguida por Passos e Paulo.

Para uns e para outros, a Grécia é neste momento vista como um laboratório onde se vão experimentar as receitas para o futuro próximo. “O resultado das eleições na Grécia mostra que em democracia há sempre alternativas. Quebra o mito de que não há outro caminho”, enfatiza ao SOL Manuel Alegre.

O histórico socialista acha mesmo que as políticas do Syriza vão “obrigar a reflectir sobre as consequências da via austeritária” e “vão mexer com a Europa toda”.

Logo no domingo das eleições, António Costa cavalgou a onda de esquerda que vinha de Atenas. “A vitória do Syriza é um sinal de mudança, que dá força para seguir a mesma linha”, afirmou o secretário-geral do PS, que preferiu destacar o feito de Tsipras em vez de mostrar solidariedade com o PASOK, o partido homólogo, que se ficou pelos 4% de votação.

No PS, aliás, ninguém se quer colar aos socialistas gregos. “O PASOK cavou a sua sepultura. E o que aconteceu é um aviso aos partidos que seguem uma política de austeridade”, justifica Alegre.

PS em vários tons

Mas o entusiasmo inicial acabou por ter um travão ao longo da semana. Sérgio Sousa Pinto veio avisar que “o PS não é nem vai passar a ser o Syriza”, no dia em que a bolsa grega caía 9,4% e os bancos desvalorizavam 25%. 

No mesmo dia, Vitalino Canas completava a mudança de discurso: “Na Grécia, o nosso parceiro não é o Syriza, é outro partido”. Mas, logo depois, o dirigente Ascenso Simões, no DN, introduzia uma nuance, ao concluir que “o PS, felizmente, está longe de ser o PASOK. E, em Portugal, o BE morreu antes de nascer o Syriza”.

Incomodado com a colagem, Vital Moreira acusa a esquerda portuguesa de revelar “um oportunismo pouco recomendável” ao fazer sua a vitória de Alexis Tsipras. O ex-eurodeputado socialista prevê, aliás, que o mais provável é o novo Governo grego ter de se “conformar” com as regras de Bruxelas para evitar “romper com a União Europeia”. Pegando num artigo do Financial Times, que questionou se Tsipras seria um novo Lula ou um Chávez, Vital escreve:  “A resposta é nenhum! Ambos tinham dinheiro para gastar, o que o líder grego não tem”.  

Direita certa do falhanço das políticas de Tsipras

A previsão de fracasso é, aliás, seguida por toda a direita, que acredita que o entusiasmo radical do Syriza vai rapidamente ser vencido pela realidade. “Ou segue a agenda radical e arruina a Grécia ou governa como o PASOK e a Nova Democracia e perde os eleitores”, vaticina o eurodeputado centrista Nuno Melo.

Nos primeiros dias de Governo, Tsipras deu sinais de estar longe de deixar cair as promessas eleitorais. Anunciou que vai restituir de forma gratuita a energia eléctrica a 300 mil cidadãos carenciados, travar as privatizações e aumentar em 171 euros o salário mínimo nacional. “É preciso perceber se os contribuintes europeus, nomeadamente os portugueses, estão disponíveis para pagar isso”, alerta o deputado social-democrata Duarte Pacheco, recordando que Portugal contribuiu com mil milhões de euros para o empréstimo à Grécia.

“A Grécia não quer a troika, mas quer o dinheiro da troika”, ironiza Duarte Pacheco, que diz ser preciso não esquecer que Atenas “continua com défice e continua a precisar de financiamento exterior”. É essa tese que faz com que, à direita, se acredite que o que acontecer na Grécia vai ajudar a recusar radicalismos contra o cumprimento do PEC e dos limites dos défices.

Passos crítico e cortante

Passos Coelho fez mesmo a declaração mais cortante de todos os líderes europeus em reacção à vitória do Syriza. O primeiro-ministro classificou como “um conto de crianças” o programa de governo apresentado por Tsipras. O que levou os adversários políticos a acusarem o primeiro-ministro português de ingerência e fundamentalismo pró-alemão.

No Governo, aposta-se em continuar a defender a ideia de que “Portugal não é a Grécia”. O valor dos juros pagos por Portugal na dívida a 10 anos – que estão nos 2,5% contra os 10,5% da Grécia – e a saída limpa, por oposição ao segundo resgate grego que ainda poderá dar lugar a um terceiro empréstimo, são os argumentos que PSD e CDS querem fazer valer na campanha para as legislativas.

Alegre aposta na extrema-esquerda espanhola

Se o socialista francês François Hollande acabou por ser uma desilusão que custou caro a António José Seguro, no PS acredita-se que Tsipras não será igual. “Só depois se saberá, mas acredito que não será”, afiança Manuel Alegre. O socialista crê mesmo, pelo contrário, que a viragem grega terá efeitos em Espanha com o Podemos, nas eleições de Novembro. “Vi um comício do Pablo Iglésias e lembrou-me o Felipe González da juventude”, diz Alegre, que antecipa um contágio ao sul da Europa. “A Itália de Renzi merece muita atenção”.

Manuel Caldeira Cabral acha, inclusive, que a dinâmica do Syriza vai obrigar as instituições europeias “a acelerar o processo de resolução dos problemas que a Europa atravessa”. A pressão grega, defende o economista que está a preparar as bases do programa de António Costa, pode mesmo saldar-se em ganhos para Portugal. “Se a Grécia diminuir os encargos com a dívida, essa solução deve aplicar-se a todos os países com dívida em excesso”, diz Caldeira Cabral, que também espera que a renegociação grega ajude a potenciar os efeitos do plano Juncker para o relançamento do investimento na Europa.

Caso o novo ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis seja capaz de convencer a Alemanha a renegociar novamente a dívida da Grécia, à direita também se admite que em Portugal se sintam os efeitos positivos dessas novas condições. “Podemos beneficiar de melhores condições que sejam negociadas”, admite Duarte Pacheco, do PSD, lembrando que isso já aconteceu no passado sempre que a Grécia ou a Irlanda conseguiram mais tempo ou menos juros.

margarida.davim@sol.pt

manuel.a.magalhaes@sol.pt