Bruxelas despromove aposta de Costa

Com mais de 20 anos de experiência em questões europeias e a liderança da Representação da Comissão Europeia em Portugal no currículo, Margarida Marques tem – afirma-se no largo do Rato – o perfil que António Costa pretende para a pasta dos Assuntos Europeus num futuro governo. Mas há uma nódoa no percurso da cabeça…

Bruxelas despromove aposta de Costa

O processo foi aberto em outubro de 2013, depois de uma fuga de informação que permitiu à TSF ter acesso a um documento interno da Comissão Europeia.

Considerado confidencial e de acesso muito restrito, o relatório foi assinado pelo então chefe da Representação da Comissão Europeia em Portugal, Luiz Sá Pessoa, e fazia parte das informações periódicas que o organismo envia a Bruxelas.

O tema era, porém, particularmente sensível, já que na altura se discutia o Orçamento do Estado para 2014 e o relatório feito por Sá Pessoa considerava que aquele não era o momento certo para o Tribunal Constitucional “se envolver em ativismos políticos”.

Uma despromoção invulgar

A citação foi feita pela TSF que destacava o facto de o documento de Luiz Sá Pessoa deixar “duas conclusões em aberto, nenhuma particularmente simpática para os juízes – ou o TC está a fazer uma interpretação demasiado restritiva da Constituição, ou pode ser visto com uma real força de bloqueio, com influência direta na política orçamental do Governo”.

A divulgação do documento fez soar alertas em Bruxelas e imediatamente foi aberto um inquérito. Margarida Marques foi alvo de um processo disciplinar, que acabaria por levar à sua despromoção: passou da categoria profissional A14 – que dá acesso a cargos de direção -, para A13, um posto que não permite assumir funções de direção. A decisão ainda não é efetiva, porque Margarida Marques interpôs um recurso, mas é vista como uma forte penalização.

Várias fontes de Bruxelas ouvidas pelo SOL, quer na Comissão quer no Parlamento Europeu, confirmam que uma despromoção como esta é altamente invulgar nas instituições europeias.

Invulgar é também o lugar que Margarida Marques ocupava desde que terminou as funções de chefe da Representação Portuguesa da CE em 2011.

A agora cabeça de lista socialista estava nesse posto desde 2005 e foi chamada a regressar a Bruxelas no âmbito da mobilidade normal obrigatória para todos os funcionários da Comissão e do Parlamento, mas o lugar que lhe foi atribuído no Serviço de Visitas da Comissão está longe de estar à altura das funções normalmente atribuídas a quem exerceu a chefia de uma representação.

Fonte oficial da Comissão limita-se a responder que “a CE encoraja a mobilidade” e que “os chefes de representação, como qualquer outro funcionário, podem escolher o percurso das respetivas carreiras”. Mas não ter sido sequer colocada como chefe de uma unidade é considerado fora do normal. “Há sempre o cuidado de encontrar uma solução que corresponda ao perfil da pessoa. Não é normal não ter sequer o equivalente a chefe de missão”, comenta uma fonte de Bruxelas, considerando que, no caso de Margarida, “a questão política contou”. São, de resto, várias as fontes da Comissão e do Parlamento que referem os “anticorpos” criados por Margarida Marques nas instâncias europeias por produzir o que eram considerados “relatórios muito políticos”.

Processo ‘teve intenção política’

A própria Margarida Marques acredita, aliás, que o processo que lhe foi movido “teve uma clara intenção política”. A ainda funcionária da Comissão Europeia – que estará em licença sem vencimento para fazer campanha a partir de 21 de setembro – diz, porém, não se poder pronunciar sobre um processo que é “confidencial” e que “ainda não chegou ao fim”, uma vez que decidiu recorrer da despromoção.

Margarida diz-se mesmo impedida de prestar qualquer esclarecimento. “Entendo que me fale sobre isso. Mas eu não posso fazer comentários. Tenho pena, mas não posso”, diz ao SOL, acusando quem passou a informação sobre o processo de a querer fragilizar politicamente. “Quem deu essa informação violou as regras de confidencialidade e proteção de dados no interior da Comissão Europeia e sabia que eu não poderia fazer qualquer comentário. Por isso, não posso deixar de fazer uma leitura política”, atira.

Graças a essa “obrigação jurídica de proteção de dados pessoais”, invocada pela Comissão na resposta ao SOL, a instituição não adianta se outros funcionários foram igualmente alvo de processos por causa desta fuga de informação e qual o seu desfecho.

 A ‘ministra’ de Costa

A aposta de António Costa em Margarida Marques é clara. No jornal de campanha do PS, a ex-líder da JS é apresentada como alguém que “conhece com profundidade” os dossiês europeus e com “ampla experiência em matérias comunitárias”. O perfil ideal para um dos novos ministérios que António Costa já assumiu querer criar caso seja primeiro-ministro.

“Na atual fase do processo europeu, em que o debate sobre a construção da Europa é tão intenso, acho importante ter alguém com um estatuto superior a secretário de Estado”, disse o líder socialista em entrevista ao SOL em agosto. Em mente teria já o nome de Margarida Marques que, de resto, tem dado ênfase às questões da Europa durante a campanha, puxando pelo vasto currículo na área.

“António Costa, desde o início do seu mandato, mostrou que coloca a dimensão europeia no lugar apropriado: tem a noção de que só no contexto da União Europeia se pode responder positivamente aos desafios com que Portugal é confrontado”, afirma Margarida Marques na mais recente edição do jornal de campanha socialista, num texto que lembra que “o PS sempre foi e será um partido comprometido com a Europa”.

margarida.davim@sol.pt