O mistério dos indecisos

É difícil conceber uma campanha que contribua mais para confundir do que para esclarecer os eleitores e ajudá-los a decidir em quem votar. Mas é assim que no-la apresentam as sondagens. Supondo-se que os sondados não se mancomunaram para trocar as voltas aos sondadores, o crescimento contínuo do ‘partido’ dos indecisos, à medida que se…

O mistério resolve-se no domingo à noite, porque, nessa altura, deixará de haver indecisos, mas apenas votantes e abstencionistas. As empresas dirão na TV que só em cima da hora os tais indecisos decidiram votar assim e assado, ou simplesmente não votar, e a indústria fica a salvo de crítica. Pode continuar, em  próximas  campanhas,  a vender essa informação mais ou menos inútil e enganadora que é  a  de  contabilizar  e  depois converter em votos a posição de quem não tem, ou não quer dar a  conhecer  a  sua  opção  a  um desconhecido  que  lha  pede  ao telefone.

A campanha, incluindo aqui os largos meses daquilo a que é costume chamar-se ‘pré-campanha’ não foi tão desastrada, confusa e inútil que justifique a suposta indecisão de praticamente um quinto do eleito- rado. Pelo contrário, houve debate de propostas, em grande parte porque o PS assumiu o risco de apresentar um programa económico detalhado que ficou à disposição de todos, quando é mais cómodo e compensador, pelos vistos, não apresentar programa algum e meter medo aos eleitores com o programa alheio.

Esse programa, reconhecidamente equilibrado e sem romper com nenhum dos compromissos a que o país está vinculado, parecia ser o maior trunfo socialista, mas revelou-se a sua maior vulnerabilidade. Não sendo perfeito nem isento de fragilidades, tornou-se o centro de todas as atenções e serviu de base ao combate dos partidos concorrentes, tanto da direita como da esquerda.

As dificuldades que, em alguns momentos, o líder do PS evidenciou na justificação de certas medidas, como a redução temporária da TSU ou a ‘poupança’ em prestações sociais não contributivas, empurraram-no para uma posição defensiva. E a dúvida instalou-se na cabeça de muitos eleitores: os da esquerda interrogando-se sobre se o programa socialista será suficientemente diferente do menu PSD/CDS para justificar o voto útil; os do chamado centro-que-decide-as-eleições interrogando-se se o dito programa será suficientemente prudente para evitar o regresso da troika.

Constantemente obrigado a explicar propostas que tanto a sua direita como a sua esquerda punham em causa, o líder socialista começou a gritar mais alto, parecendo radicalizar o discurso. E, todavia, compreende-se a irritação de quem, tendo-se esforçado por fundamentar promessas e compromissos, se torna vítima dessa opção. Na aparência, em benefício de quem aposta em aventuras mais ou menos syrizistas e de quem se esconde atrás de um PEC enviado há muito para Bruxelas.

Ao mesmo tempo que exibe, em campanha, um crucifixo aos jornalistas, sem que os seus próximos tenham notícia de anteriores manifestações de fé. Todas as horas são boas para a conversão de um pecador que se arrependa, mas, por mais alegria que haja nos céus, um milagre destes a poucos dias das eleições é coisa rara e mais do que suspeita.

Francisco

O Papa visitou Cuba e os EUA para celebrar e incentivar o acordo do restabelecimento de relações entre os dois países, processo em que a diplomacia do Vaticano teve um papel decisivo. Discretamente, o Papa sul-americano ajudou a resolver um dos mais antigos e absurdos conflitos do continente de que é originário. Em cada visita, em cada discurso ou pequeno gesto, Francisco afirma-se como a mais extraordinária figura do nosso tempo, consciência viva e voz da razão na forma simples mas frontal, inteligente e corajosa como aborda todos os grandes problemas que o mundo hoje enfrenta. A jornada americana foi mais um êxito do Papa, que, não concorrendo com os políticos, a todo o momento lhes dá ensinamentos preciosos.

Volkswagen

Milhões de automóveis do grupo Volkswagen foram equipados, desde 2009, com um dispositivo destinado a falsear os dados sobre a emissão de gases poluentes. Não por acidente ou acaso, mas por fraude – deliberada, intencional, criminosa – praticada em larga escala ao longo de anos. O presidente pediu desculpas e demitiu-se, levando consigo uma reforma milionária. E a cada dia que passa sem responsabilidades apuradas, talvez porque o escândalo seja ainda mais grave do que se imagina, mais a empresa se afunda. Se até a Volkswagen, rosto da poderosa indústria alemã e do capitalismo mais respeitável, desmerece a confiança dos consumidores e a viola as leis sem pudor, é porque o dito capitalismo está a bater no fundo.