Carta de Jerónimo de Sousa ao Pai Natal

Caro Pai Natal, 

Normalmente, como é do seu conhecimento, recuso-me, por decisão do colectivo do Comité Central do nosso Partido Comunista Português e de todos os meus camaradas, a dirigir sequer uma palavra a Sua Excelência. Já disse à minha neta que o Senhor Pai Natal só tem uma coia boa: o fato vermelho vivo e carregado, cor da vitória comunista! A cor do seu fato – vermelha viva e revolucionária – faz lembrar as batalhas heroicas do nosso camarada Lenine, que derrubou a monarquia corrupta e exploradora da classe operária russa dos Romanov – e chega-nos ao sítio mais profundo do nosso coração ao evocar o pai do povo, homem maior que a própria humanidade, que erigiu um espaço político enorme pautado pela liberdade e pela democracia chamado União Soviética.

Que falta faz ao mundo a União Soviética! Que falta faz ao mundo estadistas como Estaline ou o nosso camarada romeno Clemenceau! Senhor Pai Natal, deveria ter mais respeito pela memória destes camaradas heróicos – e passar a usar um fato diferente para encher as casas e as decorações dos espaços públicos dos países capitalistas! Tenha vergonha, senhor Pai Natal: use preto, use azul, use roxo…mas não se atreva a continuar a usar o vermelho! Tenha respeito pelos comunistas! Tenha respeito por aqueles que lutam contra a exploração capitalista: vermelho é símbolo de vitória dos operários e dos mais pobres contra o grande capital, representado pelo Senhor Pai Natal.

Sim, Senhor Pai Natal, a mim, Secretário-Geral do Partido Comunista Português, que mantém a sua matriz marxista-leninista intacta, não me engana distribuindo presentes, tirando fotografias com amáveis crianças ou alegrando as escolas nas festas que se realizam nas escolas por esta altura. Não, senhor Pai Natal: como secretário-geral do Partido Comunista Português, sei e conheço na perfeição, sem dúvidas ou interrogações existenciais, a sua verdadeira natureza. Com as calças do meu pai, também eu sou homem: o Senhor Pai Natal utiliza os presentes e as fotografias queridas e engraçadas com as crianças como uma forma de legitimar a sua compulsão capitalista e neo-liberal. O Pai Natal é o homem mais capitalista que o Planeta Terra já conheceu, conseguindo o feito de ultrapassar Pedro Passos Coelho, Bill Gates e aquele senhor que inventou a marca da maçã (e que, por acaso, eu e os meus assessores usamos…).

Na verdade, o Senhor Pai Natal é uma criação, uma invenção do imperialismo norte-americano: o Tio Sam e sua gente, louca por dinheiro, louca para servir os interesses do grande capital, criou um senhor fofinho, barrigudo e que só distribui sorrisos e alegria. Tudo obra da propaganda do imperialismo norte-americano para aplicar o seu plano real: de lançar na pobreza, de condenar à miséria extrema milhares de pessoas por esse mundo fora. Trabalhadores explorados, sem direitos ou submissos ao fascismo do grande capital! O Pai Natal não é angelical: o Pai Natal é diabólico. Todos sabemos que tem um contrato de prestação de serviços imoral e condenável com outro dos símbolos da exploração e da opressão capitalistas: a Coca-Cola. Bebida que me recuso veementemente, ferozmente, como boa comunista, como fiel representante da pureza do marxismo-leninismo a beber! (Mariazinha, netinha, já te disse para esconderes essa lata dessa bebida! Queriducha, eu sei que gostas, mas bebes só no Natal…).

Quero ainda deixar bem claro que falei com o meu camarada de longa data, Arménio Carlos (outro representante da ortodoxia marxista-leninista como eu, comunista puro) que me confidenciou que, por esses lados, nas suas oficinas na Lapónia, os duendes não estão autorizados a fazer greve, nem têm direito a subsídio de refeição e de férias! Os duendes trabalham em condições degradantes e o direito à contratação colectiva é vedado pelo Senhor Pai Natal! Os duendes merecem direitos laborais, senhor Pai Natal!

É ainda inadmissível – já estamos a preparar uma jornada de luta! – que os duendes tenham um vínculo precário com as oficinas do Senhor Pai Natal. A precariedade destes trabalhadores repugna-nos profundamente: exigimos que, mesmo sem trabalho durante uns largos meses, o Senhor Pai Natal celebre contratos de trabalho a termo incerto, sem possibilidade de despedimento! Senão, boicotaremos, com a colaboração excelente do Arménio Carlos, o próximo Natal! Pai NataL, é um opressor da classe trabalhadora, ao serviço dos capitalistas e do imperialismo! Ditadura da alta finança, de todos os que menos têm e menos podem! Fascista, Pai Natal, é um fascista!

Ainda tem o descaramento de me questionar o que irei pedir para o Natal no meu sapatinho. A resposta é nada. Já tenho o que eu e os meus camaradas desejávamos há muito: condicionar e mandar num Governo do PS! Espero que o António Costa continue com a sua ingenuidade ou com a sua cegueira político para deixar reforçar a força dos nossos sindicatos no sector dos transportes e na administração pública, em lugares chaves. Vamos conquistar o poder por dentro, com a conivência dos mencheviques (os socialistas de Costa) até à vitória final! À vitória dos nossos camaradas bolcheviques! Viva o marxismo-leninismo! Aguarde pela nossa hora, Pai Natal! Todas as suas oficinas serão nacionalizadas e geridos pelos nossos camaradas!

Fascista, Pai Natal, fascista! O tempo do seu imperialismo vai acabar com a nossa política patriótica e marxista-leninista! Em vez do Natal, Portugal deveria comemorar a data do nascimento do nosso criador, do nosso inspirador, do nosso exemplo – Josef Estaline. O verdadeiro pai do povo!