Vanessa e como curtir bem um “rebound”

Tenho um telemóvel novo e algumas dificuldades em funcionar com ele. Nos últimos dias ligo a várias pessoas sem querer – e depois tenho que pedir desculpa e acusar o telemóvel. É um bocado ridículo porque ninguém hoje acredita que as máquinas tenham responsabilidade.

Ontem, por engano, liguei à Vanessa.

– Eh pá, desculpa, foi o telemóvel. Não queria, na realidade, falar contigo.

– Não querias? Não achas que dizer isso é um bocado malcriado?

– Não, é a verdade. Estou cheia de trabalho. É o Orçamento, a recandidatura de Passos Coelho, a minha vida está um caos.

– Dizes isso há muito tempo. Anda almoçar. Ao menos, almoças, certo? Ou não comes?

Fomos almoçar a um café ali perto da Lapa.

– Então, novidades?, perguntei eu.

– Estou em “rebound”.

– O quê?

– Não sabes o que quer dizer? Não acredito.

É verdade que eu não sabia o que queria dizer “rebound”. Fiquei mais descansada depois de ter perguntado a seis amigos – de idades entre os 30 e os 49 – e nenhum deles também sabia o que quer dizer “rebound”. Não estava sozinha na minha ignorância, que é sempre uma solidão desgraçada, a da ignorância.

– Então vou explicar-te o que é o “rebound”. Tu lembras-te que eu andava aí meio metida com um maluco, certo?

– E decidiste comprar um spray repelente de malucos?

Deveria existir um spray para afastar malucos como há para repelir mosquitos. Que nenhuma farmacêutica se empenhasse em trabalhar nesta área com o mesmo ardor com que produzem perfumes para atraír gente (onde se incluem os malucos, claro) era uma coisa incompreensível.

– Então explica lá isso do “rebound”?

– Bloqueei o maluco do facebook. Deixei de frequentar os mesmos restaurantes. Apaguei-o da minha vida, percebeste? O gajo é demente e de repente achei que eu também estava a ficar doida. A loucura pega-se.

– Acho que fizeste lindamente. Mas então o “rebound”?

– O “rebound” é aquilo com que uma pessoa se entretém depois de terminar com um maluco. E o meu “rebound” está a ser absolutamente espectacular.

Pronto, tanta conversa com o “rebound” e afinal era simples: o “rebound” era um novo gajo.

– E como é que ele é? É giro?

– É alto, magro, lindo de morrer. O oposto do maluco. E novo. E inteligente. E com graça.

– Mais novo do que tu?

– Sim. Bastante.

– Parece que isso do “rebound” deve ser bom.

A Vanessa estava realmente esplendorosa. Se calhar o “rebound” fazia bem às pessoas.

– Não faz só bem às pessoas, disse a Vanessa. Também faz bem aos partidos. Por exemplo, o CDS também decidiu fazer um “rebound”. A Cristas é o “rebound” do CDS. Um novo ciclo é sempre um “rebound”.

– És capaz de ter razão, concordei.

Estava a pensar no Passos Coelho que tinha decidido que o PSD não precisava de um “rebound”. Ele seria o seu próprio “rebound”. O Passos velho daria lugar ao Passos novo, agora social-democrata sempre. Através de uma transmutação, Passos seria o “novo gajo” do seu partido, capaz de cortar com o passado e fazer o “rebound”.

– Achas que Passos pode ser o “rebound” de si mesmo?, perguntei à Vanessa.

O telemóvel dela tocou. Era eu, outra vez, a ligar para ela sem querer. 

ana.lopes@ionline.pt