Marcelo extravasa os seus poderes?

O PR está acusado de pisar o risco, mas não vai abdicar dos seus poderes e vai utilizá-los até ao limite. Constitucionalistas admitem que Presidente devia ter sido mais “prudente”

A nota da presidência da República sobre o ministro das Finanças tem cinco pontos. O último foi o que deixou os socialistas irritados e que leva alguns constitucionalistas a considerar que Marcelo Rebelo de Sousa devia ter sido mais «prudente».

Marcelo explica, no quinto ponto, que aceitou a decisão do primeiro-ministro de manter Mário Centeno «atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira».

A mensagem de Belém deixa o ministro ainda mais fragilizado e não faltaram socialistas a alertar que não cabe ao Presidente manter ou demitir ministros. «Essa é uma competência do primeiro-ministro», disse, na TVI 24, o ex-ministro socialista Pedro Silva Pereira, considerando que Marcelo «pisou o risco daquilo que são as fronteiras das suas responsabilidades políticas, porque não compete ao Presidente da República nem atribuir nem retirar confiança política a membros individuais do Governo».

Não foi a primeira vez que Marcelo foi acusado de se exceder. No caso da Cornucópia, em que o Presidente apareceu de surpresa para mediar uma conversa entre o ministro da Cultura e a companhia de teatro, não faltou quem disparasse contra Marcelo por «extravasar os seus poderes». O caso da Caixa Geral de Depósitos é mais sério e Porfírio Silva, da Comissão Permanente do PS, escreveu na sua página do Facebook que para ser um bom Presidente da República «é preciso saber e respeitarmos poderes próprios e os poderes dos demais órgãos de soberania».

Marcelo vai ‘utilizar até ao limite os seus poderes’

O Presidente não ignorou os recados do PS, mas Marcelo Rebelo de Sousa não está disposto a abdicar de «utilizar até ao limite os seus poderes», diz ao SOL fonte de Belém. «O Governo sabe isso».

Marcelo não ficou incomodado com as críticas. A meio da semana, numa visita à OGMA, em Alverca, desvalorizou a irritação de alguns socialistas. «O Presidente da República tem que definir a sua posição a pensar em Portugal e nos portugueses. E, portanto, umas vezes desagrada a um partido, outras vezes desagrada a outro partido, mas o fundamental é que não desagrade aos portugueses naquilo que é fundamental para eles».

Presidente da República não pode demitir ministros

Jorge Reis Novais, consultor para assuntos constitucionais do Presidente Jorge Sampaio durante dez anos, admite que o Presidente poderia ter sido mais prudente na elaboração do comunicado em que justifica a continuidade de Centeno. «Qualquer pessoa, que não seja um especialista, fica com a ideia de que o Presidente da República mantém o ministro das Finanças em funções só porque existem aqueles condicionamentos. Essa leitura é possível e de facto não é assim. Em termos constitucionais, o Presidente não tem o poder de demitir o ministro das Finanças», afirma o constitucionalista, em declarações ao SOL.

Jorge Reis Novais admite que, em termos constitucionais, Marcelo devia ter sido mais «prudente», porque pode criar a ideia de que «estaria nas mãos do Presidente» manter o ministro das Finanças em funções. O constitucionalista considera, porém, que a forma como Marcelo «exerce o mandato está perfeitamente dentro das margens que a Constituição lhe permite».

O constitucionalista Vital Moreira já escreveu vários textos sobre a forma como Marcelo exerce a função e «o Presidente da República não é cotitular da função governativa, pelo que não deve imiscuir-se no exercício desta pelo Governo nem parecer como se fosse tutor ou arauto deste, como sucedeu algumas vezes». Em relação ao comunicado da presidência sobre o encontro com Centeno, Vital escreve, no blogue Causa Nossa, que «a eventual confirmação da confiança política do primeiro-ministro num ministro não depende de autorização nem de aceitação de Belém».

Já o constitucionalista e deputado socialista Pedro Bacelar de Vasconcelos defende que o Presidente não pisou o risco. «Ele não estava a referir-se à confiança política indispensável na relação entre os ministros e o primeiro-ministro. Estava a rejeitar quaisquer indícios que pudessem pôr em causa a estabilidade governativa».

Bacelar de Vasconcelos entende que «em nenhum momento, até hoje, o Presidente, de alguma forma, usurpou ou invadiu a esfera de competências próprias do Governo».

O Presidente não pode demitir ministros, mas pode pressionar o primeiro-ministro a fazê-lo. «Apesar de o Presidente não ter esse poder, em termos políticos, numa certa conjuntura, pode exercer pressão», diz Jorge Reis Novais.

A prová-lo está o caso de Armando Vara (ver texto ao lado). O primeiro-ministro, António Guterres, não queria demitir os governantes envolvidos no escândalo da Fundação para a Prevenção e Segurança, mas Sampaio obrigou-o a afastar Vara e Luís Patrão.