O abandono do centro político

À direita e à esquerda, capturaram o discurso e a retórica política, fulanizaram mediaticamente o debate e as propostas programáticas, e com isso alteraram para pior a linguagem política contemporânea, com graves dessintonias quanto às suas perceções e realidades

«Os homens hão de aprender que a política não é a moral e que se ocupa apenas do que é oportuno».

  Henry David Thoreau

 

Para a generalidade dos atuais protagonistas políticos, o centro político é dispensável e até, nalguns casos, o responsável por vários problemas do país. E, qual ‘moda política’, uns abandonaram-no e outros até fazem pior. Diabolizam-no. Uns e outros por razões diferentes – mas que, todas somadas, foram dar ao mesmo. Ao seu abandono. O que é um erro. E que faz desse abandono do centro político um dos ‘nós górdios’ da política portuguesa, que urge debelar.

Hoje vivemos em Portugal (e há que dizê-lo, na Europa e nos EUA), um tempo político em que os extremos que se tocam. À direita e à esquerda, capturaram o discurso e a retórica política, fulanizaram mediaticamente o debate e as propostas programáticas, e com isso alteraram para pior a linguagem política contemporânea, com graves dessintonias quanto às suas perceções e realidades.

É urgente recentrar tudo isto e muito mais. Até porque o país ganhou sempre que o centro político foi decisivo, política e programaticamente, para a estabilidade, a governabilidade, a moderação, o compromisso e a coabitação política em Portugal.

O centro político vale em Portugal, no mínimo, cerca de 12% dos votos. Tanto elegeu Aníbal Cavaco Silva primeiro-ministro, como, quase em simultâneo, Mário Soares Presidente. O centro político está localizado essencialmente entre o PS e o PSD. É mais urbano do que rural. Está mais no litoral do que no interior. É etariamente menos idoso. Tem sido decisivo para um país moderno, europeu, coeso. O centro político não vota em partidos pela sua ideologia –  vota com fins específicos. É muito pragmático. Gosta mais de líderes do que de partidos. É inorgânico. Vota em função de quem melhor defende os seus interesses em matérias tão díspares como impostos, segurança, etc. Do seu perfil fazem parte, desde profissionais liberais, até médicos, pequenos e médios empresários, funcionários públicos medianamente qualificados, trabalhadores por conta de outrem, etc. Os eleitores do centro são, genericamente, pessoas cultas, atentas, consumidoras regulares de jornais e revistas, com opinião formada sobre política internacional. Não gostam de gritarias, de zangões ou zangonas que usam por tudo e por nada o moralismo na dialética política e até no domínio dos costumes. Não consideram relevantes e prioritárias as questões fraturantes, antes pelo contrario. O seu partido é, na prática, o seu país e a sua circunstância concreta de vida. Até porque são pessoas que valorizam a família como célula social de vida. E são estruturalmente católicas.

Não querem nem Estado a mais, nem a menos. E não querem liberalismo e regulação a mais nem a menos. São liberais q.b. e contrários aos devaneios do capitalismo. Até porque gostam de saber que o Estado está sempre por perto. São aquilo que poderemos qualificar como classe média, média alta (aliás, nunca como nos últimos anos se falou no debate político tão pouco em classe média). Não tem donos políticos certos – eles são os seus próprios donos. Até porque o seu voto não é ideológico. É pragmático. Defendem a cada momento os seus interesses eleitorais. São pessoas que normalmente fazem parte do país que funciona, e que fazem coisas boas e positivas. O centro está ao abandono. É uma pena.

Feliciano Barreiras Duarte

olharaocentro@sol.pt