Educação. Costa trava reforma curricular por causa de autárquicas

Primeiro-ministro deu orientações a Tiago Brandão Rodrigues para não avançar com flexibilização curricular e evitar riscos no arranque do ano letivo, a um mês de eleições. Em setembro, a medida só vai avançar em 50 escolas para o ministro da Educação não perder a face 

O primeiro-ministro travou o avanço da reforma curricular em todas as escolas no próximo ano letivo por causa das eleições autárquicas. 

O i sabe que as críticas das escolas e a indefinição sobre as medidas previstas a seis meses do arranque do ano letivo levaram António Costa a antever todos os problemas que poderiam surgir no início das aulas – que este ano vão arrancar a um mês das eleições autárquicas e em plena campanha eleitoral. 

Para evitar correr riscos nas eleições, o i sabe que António Costa deu instruções ao ministro da Educação para recuar totalmente na medida, que está a ser trabalhada pelo secretário de Estado da Educação, João Costa, há um ano. 
As indicações do primeiro-ministro surgiram, no entanto, após a apresentação pública do Perfil do Aluno (onde estão incluídas medidas da reforma curricular) – feita por Tiago Brandão Rodrigues a 11 de fevereiro –, e depois de tanto o ministro como o secretário de Estado terem feito declarações sobre a flexibilização curricular a órgãos de comunicação social e no parlamento. 

A solução encontrada para que a equipa ministerial não perdesse a face será avançar com a flexibilização curricular através de um projeto-piloto em apenas 50 escolas do país. A decisão já foi, aliás, comunicada verbalmente a alguns diretores de escolas durante uma reunião, confirmou o i. Foi ainda explicado nesse encontro, pela equipa ministerial, que as escolas iriam ser contactadas pela tutela para decidir se estavam interessadas em avançar com o projeto-piloto, de forma voluntária. 

O travão do primeiro-ministro pode, assim, explicar os recuos e a mudança de discurso do ministro da Educação e do secretário de Estado João Costa nos últimos dias. 

Questionado pelo i, o gabinete do primeiro-ministro remete para o Ministério da Educação que, por sua vez, optou por repetir a resposta que tem sido enviada ao i durante esta semana: “A construção de instrumentos de flexibilização curricular tem vindo a acontecer num diálogo intenso com as escolas, com as associações profissionais, com as sociedades científicas, com diretores e peritos em educação, envolvendo no debate também as associações de pais e os estudantes. A sua divulgação e respetivas estratégias de implementação acontecerá logo que esse trabalho esteja concluído.” 

O que está previsto As declarações iniciais e públicas de João Costa e de Tiago Brandão Rodrigues indicavam que a flexibilização curricular seria para avançar em todas as escolas no próximo ano letivo, para os 1.o, 5.o, 7.o e 10.o anos de escolaridade. 

A partir de setembro, todas as escolas iriam passar a gerir 25% do currículo dos alunos, estando previsto um “emagrecimento” dos conteúdos de forma que os alunos trabalhem apenas o “essencial”. Está ainda previsto um reforço das disciplinas de História, Geografia e Educação Física, e o regresso da Área de Projeto e da Educação para a Cidadania como disciplinas obrigatórias e cuja nota vai ter peso na avaliação dos alunos. 

Para acomodar as duas novas disciplinas e o reforço das outras três, foi admitido pelo secretário de Estado da Educação ao “Expresso” que iria ser reduzida a carga letiva do Português e da Matemática – cenário também admitido ao “Correio da Manhã”, a quem João Costa disse que “é preciso cortar tempo dedicado às disciplinas tradicionais”. 

os Recuos do Ministério Mas, nos últimos dias, o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues tem vindo a mudar de forma notória o discurso sobre a flexibilização curricular. 

Depois de terem reduzido as declarações públicas sobre o assunto, o primeiro recuo aconteceu no dia 24 de fevereiro, no parlamento, quando, pela primeira vez, o secretário de Estado da Educação admitiu que a flexibilização curricular podia não avançar no próximo ano.

Em declarações aos jornalistas, João Costa disse que as alterações só iriam entrar em vigor depois de chegar “a consensos alargados”. Na altura, o governante justificou o recuo com o interesse da equipa ministerial pela “qualidade do produto”. 

Na semana passada, o Ministério da Educação voltou a dar o dito por não dito. Ao “Público”, a tutela disse que, afinal, “não está, nem esteve, a ser equacionada qualquer redução da carga horária das disciplinas de Português e Matemática”. A resposta oficial do gabinete de Tiago Brandão Rodrigues contraria o cenário admitido ao “Expresso” três semanas antes, quando João Costa admitiu mesmo que “algumas disciplinas terão de perder horas”, isto quando questionado sobre a redução do Português e da Matemática. 

E ontem, no parlamento, o ministro disse que as medidas da flexibilização curricular serão para avançar de “forma gradual”. Assim, cai por terra a aplicação das medidas em todas as escolas, prevista inicialmente, que o i sabe que será substituída por um projeto-piloto em 50 escolas. 

Escolas “apreensivas”

Pela segunda vez, as escolas tecem duras críticas às reformas desenhadas pelo gabinete de Tiago Brandão Rodrigues. Depois de, em 2016, ter chumbado a introdução das provas de aferição, o Conselho de Escolas emitiu um parecer sobre as medidas previstas para o Perfil do Aluno, que se misturam com a flexibilização curricular. 
Depois de analisar as dez competências-chave e as 30 medidas previstas, o órgão consultivo do Ministério da Educação, que representa as escolas, veio dar um novo cartão amarelo a Tiago Brandão Rodrigues. 

O Conselho de Escolas, presidido por José Eduardo Lemos, fala de “apreensão” perante as “profundas alterações na escola pública e no sistema educativo” previstas no documento do Perfil do Aluno. 

As escolas consideram que as medidas não são “inovadoras ou originais”, sendo até “valores há décadas perseguidos pelas escolas”. Além disso, os diretores voltam a criticar a “inconstância educativa que sempre tem resultado das alternâncias políticas”, questionando a tutela sobre as alterações necessárias nos planos curriculares e quais as mudanças previstas para os tempos e espaços de aula. 

Críticas partilhadas pela Sociedade Portuguesa de Matemática, para quem as medidas traduzem uma “ideia antiquada de educação” e que não facilitam “reais possibilidades de aprendizagem” para os estudantes “ao longo de todo o seu percurso escolar”. Além disso, os professores de Matemática alertam para o risco de se “reverter alguns dos bons desempenhos recentemente obtidos, nomeadamente em Matemática, pelos alunos portugueses”, recordando os resultados dos alunos portugueses no estudos internacionais PISA e TIMMS.