Pedro Portugal Gaspar. “ASAE já não vai para feiras com polícias com shotguns”

Está há quatro anos à frente da ASAE e tem mudado a atuação da sua equipa. O show-off do passado ficou para trás e os “bastidores” estão na mira.

Pedro Portugal Gaspar. “ASAE já não vai para feiras com polícias com shotguns”

Que balanço faz dos 11 anos da ASAE?

Acho que há um antes e um pós-ASAE, em especial na parte da segurança alimentar. Nos primeiros cinco destes 11 anos há uma taxa média de incumprimento de todas as atividades fiscalizadas pela ASAE acima dos 25%, e nos últimos seis anos abaixo dos 25%. O que significa duas coisas: a assertividade da instituição no grau de execução do cumprimento, mas também do agente económico, que deve assumir um comportamento mais responsável. Tem de ser em conjugação de esforços, não obstante haver um momento preventivo e um momento, depois, repressivo.

 

Tem alguma ideia da percentagem de intoxicações alimentares que se registavam em Portugal há dez anos e hoje?

Falei-lhe em termos globais. Comparativamente com outros países, mesmo no espaço da EU, tenho uma avaliação a olho nu de como a realidade, na parte alimentar, não é inferior à média dos outros países. Quem viaja um pouco vê como é a restauração nos nossos parceiros da UE e não estamos pior, antes pelo contrário.

Não acha que, comparando com Espanha ou França, há um excesso de zelo da ASAE?

O quadro é o mesmo, é o comunitário. Isso poderá resultar ou da eficácia inspetiva ou da consciencialização do agente económico ou da pressão do cidadão. Diria que a ASAE provocou pelo menos esse abanão comparativamente ao que éramos antes. Relativamente aos outros países, temos situações distintas porque a parte económica e a alimentar estão dissociadas. Em Espanha existe uma lógica de regionalização e de comunidades autónomas, pelo que não consigo medir essa eficácia ou se haverá ou não excesso de zelo.

Obrigaram restaurantes a fechar porque só tinham duas e não três casas de banho [uma para homens, outra para mulheres e uma terceira para funcionários] e em Paris, por exemplo, há sítios com uma casa de banho mínima.

Sim, lá fora há sítios em que se tem quase de sair das instalações para ir à casa de banho.

Não acha que somos excessivos nessa abordagem? Temos também o exemplo da proibição da colher de pau. Continuam a sancionar restaurantes que não têm três casas de banho?

Não, não. Aqui na ASAE sempre falei em duas coisas. Na distinção entre irregularidade e ilegalidade por um lado – embora não sejam exatamente coincidentes – e, por outro, em não perder a possibilidade de dar um contributo para o poder político de haver uma noção de adequação e proporcionalidade no campo sancionatório. Até que ponto é que não devíamos ter uma lei-quadro das contraordenações económicas, como temos para a área laboral, para a rodoviária ou a ambiental? Porque senão há o problema de haver diplomas em 2017 que têm um quadro sancionatório muito mais elevado do que outros que vinham de 2008 ou 2009. E situações que não tinham presente o que é aplicar uma coima a uma micro ou a uma grande empresa. De facto, nalgumas situações, esse rigor pode levar ao encerramento de portas do estabelecimento.

Desculpe insistir mas, em Paris e Madrid, os restaurantes podem funcionar com uma casa de banho mista, e em Portugal a ASAE não o permite. Porquê?

Nos tempos mais recentes não tenho noção dessa situação, como aliás nunca houve essa determinação para a colher de pau. Houve quando não estava em condições higiénicas, mas tanto é válido para a colher de pau como para a de inox. E não tenho memória de ter havido encerramentos. Aliás, em bom rigor não há encerramentos, há suspensões da atividade, mas baseadas nas condições de higiene e não tanto nas condições de licenciamento da obra física. Houve aqui também um problema de mensagem: a ASAE ficou encostada, ou deixou-se encostar, ou quis-se encostar a um certo fundamentalismo higienossanitário. Teve algum mérito, mas isso depois leva a situações em que é preciso distinguir entre irregularidades e situações verdadeiramente graves. Porque há muitas situações de irregularidade estática, chamemos-lhe assim. Faltou um aviso, por exemplo. Depois há a outra situação da irregularidade dinâmica, que é, por exemplo, o problema da cozinha que está sem higiene, ou o próprio estabelecimento bastante sujo. Isso tem de ser valorado de forma diferente em relação àquilo que provoca efeito para o consumidor. O que temos muitas vezes no quadro legislativo, à partida, é que a falta de uma placa é punida com coimas mais elevadas do que a parte dinâmica. Agora pergunta-se: qual das duas tem maior efeito para a saúde pública? Parece-me óbvio que é mais grave a falta de higiene do que a simples falta de um determinado aviso, por mais importante que ele seja. Acho que aqui há um trabalho que tem de ser feito em sede do legislador e, depois, também na parte da entidade administrativa. Mesmo que não o faça em sede de fiscalização naquele momento, deve depois, na ponderação do sancionatório administrativo, ter isso presente.

Percebo que tem de ter muito cuidado com as palavras…

Defeito jurídico, possivelmente [risos].

Quando saem para trabalhar, os inspetores vão à procura das colheres de pau como iam antigamente, do papel azul em vez do branco? É que havia aquelas coisas emblemáticas, como o pão para a açorda…

Vou dar dois ou três exemplos. Desde 2014 temos inspecionado 40 mil operadores. Não ando aqui para bater recordes. Anteriormente podíamos fazer 40 mil restaurantes ou 40 mil feirantes, assim estou a balizar a quantidade com a quantidade. Mas temos de nos centrar também nas questões do e-commerce, a concorrência desleal, a parte alimentar. A parte alimentar até tem uma preponderância sobre a económica, de 55% sobre 45%, mais ou menos. O objetivo no planeamento é ter a maior abertura e cruzamento das áreas em que somos competentes para mostrar a nossa intervenção nas diversas áreas e setores. E não vamos intencionalmente à procura da colher de pau daqui ou dacolá, há é um conjunto de requisitos legais sobre certas atividades e elas têm de ser verificadas.

Também vão à procura se as facas para cortar carne e peixe têm cores diferentes?

A pergunta que está a colocar tem que ver com a contaminação cruzada, e não propriamente a cor de uma coisa e da outra. Tentamos saber se utilizam utensílios adequados para um tipo de produto. Como nas máquinas picadoras de carne de aves e de vaca, aquelas separações que têm de existir dentro dos requisitos técnicos. Isso tem de ser verificado porque assenta em legislação comunitária. Ou a temperatura da carne no talho. Enfim, não sei a legislação toda de cor para a poder ver.

Vocês próprios não têm dado sugestões para alterar algumas coisas que consideram menos corretas?

A proposta de uma lei-quadro das contraordenações económicas é uma proposta baseada na nossa experiência em termos de matéria sancionatória. Pode haver um desequilíbrio no quadro sancionatório, e eu diria que essa é a sugestão das sugestões, se me permite. Há aqui duas ideias. O que é a ASAE? É uma autoridade administrativa e, portanto, tem competências administrativas traduzidas, no limite, na aplicação de coimas e em matéria sancionatória. Simultaneamente é órgão de polícia criminal, portanto é coadjuvante do Ministério Público nas matérias do foro criminal. Depois, não somos competentes para aplicar o que quer que seja, naturalmente que isso corre pelos tribunais. Mas naquilo que nós temos experiência e que é, aliás, 80% da atividade administrativa ou contraordenacional, as pessoas têm a noção de que a justiça administrativa, que é a aplicação das coimas, possivelmente não está a ser a mais dissuasora. O inspetor não pode ter a perspetiva de estar a aplicar a coima para ter receita própria. A pessoa está para corrigir situações de incumprimento com vista à correção do comportamento dos agentes económicos. Quando a coima que corresponde aos problemas de falta de higiene é bastante mais baixa do que a da falta de um determinado aviso, há aqui qualquer coisa que não faz sentido. Isto é uma sugestão para a correção do quadro legislativo.

A ASAE, até há uns anos, era a má da fita. Diz-me que não ultrapassa as 40 mil fiscalizações por ano.

Como objetivo programático, sim.

Vemos, hoje em dia, o Estado a ir buscar dinheiro às multas de velocidade, de estacionamento, etc. Há uma necessidade enorme de o Orçamento do Estado ser recheado com essas multas. A ASAE, em contraponto, agora já não vai atrás dessa loucura?

Tenho tido a preocupação de tentar cobrir a maior parte das áreas em que somos competentes, sob pena de podermos fazer inspeção a 40 mil restaurantes e deixar todas as outras áreas a descoberto. E há, naturalmente, atos inspetivos que demoram muito mais do que outros. Nos últimos dois anos temos feito uma operação com o apoio da Marinha Portuguesa aos navios-fábrica. Estamos três dias no mar alto e fiscalizam-se cinco, seis operadores. Isto, para os 40 mil, é muito diminuto, mas tem o objetivo estratégico de estarmos a 100 milhas da costa a controlar a qualidade.

O tamanho do peixe também é convosco?

O tamanho é com a Marinha, são eles que fazem a medição. Nós preocupamo-nos com a qualidade do congelamento e as condições de armazenamento do peixe em alto-mar. E também na catalogação, se estão a colocar as espécies corretas, etc.

Têm encontrado muitas ilegalidades?

Algumas.

Graves?

Só um ou outro caso, como aquele do tubarão a que cortaram a barbatana para comercializar, acabando por atirá-lo para o mar já sem a barbatana.

Se calhar houve muito que não foi detetado.

Pode ter essa presunção, ficamos na dúvida. Isto para lhe dar o exemplo de uma operação em que o número não interessa muito e o que interessa, de facto, é atuar a montante. Isso tem sido uma preocupação operacional, não estarmos só centrados no retalho, e o subir na cadeia. Hoje, por exemplo, está a ser noticiado que tínhamos apreendido nove toneladas de material em dois entrepostos frigoríficos na área alimentar, ou seja, na distribuição, num grossista, ainda antes de ser colocado na rede de retalho. Contará pouco a quantidade do operador, porque foi só em dois. Se fosse no retalho, essas mesmas nove toneladas provavelmente seriam detetadas nuns 90 estabelecimentos. Se estivesse obcecado com o número dos operadores fiscalizados, então as operações eram todas no retalho, para multiplicarmos o número. Não era essa a ideia, e daí os números estarem estabilizados e não andarmos atrás dos números. A lógica da necessidade da coima pela receita não pode ser perseguida, até porque temos outras fontes de financiamento. Aliás, essas é que são fontes de financiamento.

Para ficar completamente esclarecido: hoje em dia, quem tem pão pode fazer uma açorda.

Sim, se não estiver com bolor, diria que sim! Pode usar uma colher de pau desde que não esteja cheia de rachas e com resíduos, naturalmente que sim. Pode comer bolas-de-berlim na praia com creme se não estiver tudo em estado de putrefação. (risos) Aliás, chegou aqui a discutir-se se devia fazer ou não um esclarecimento desses mitos da ASAE, uma desmistificação dessas situações. Mas, depois, também se chegou à conclusão de que já não havia necessidade de se desmistificar porque esses mitos já estavam esclarecidos. Já vi que consigo não estão. (risos)

O seu antecessor dizia que 50% dos restaurantes tinham de fechar. Falo disto porque me parece que a visão da ASAE de hoje não está direcionada para o encerramento ou abertura de espaços.

Não.

Não acha que há restaurantes e cafés a mais?

O que acho é o seguinte: o agente económico tem um objetivo, que é legítimo e que visa o lucro. Agora, não pode é ter lucro de qualquer maneira, em desrespeito dos requisitos legais, em concorrência desleal ou pondo em causa a saúde ou a defesa do consumidor. E é só isso que temos de assegurar. Se houver negócio e oportunidade para as pessoas, muito bem, não cabe à ASAE interferir nem me parece que isso faça sentido. Agora, temos é de ver as condições de funcionamento. Se todos estiverem a funcionar bem, perfeito.

Voltando aos mitos, os chefes, que agora estão tanto na moda, já não são obrigados a andar de branco?

Eles têm requisitos de indumentária. Aliás, nós, quando acompanhamos as fiscalizações, também temos de pôr as touquinhas e andar com as batas e sapatos.

Mas nunca vemos nenhum chefe com touquinha…

Eu, quando lá vou, ponho essas coisas, e não são necessariamente brancas. Os sapatos, acho que até são azuis. As condições de higiene são essas, que acho que têm de ser salvaguardadas. Se calhar, não andam de touquinha mas de barrete, digo eu. Ou seja, essas condições de higiene são aquelas que devem ser garantidas e são objeto da nossa fiscalização.

Se uma pessoa quiser abrir um restaurante ou um café, o que tem de fazer para a ASAE permitir a abertura?

Agora, isso está muito simplificado no Simplex, mais em termos de informação.

Continua a ter de haver uma empresa de auditoria?

Vamos lá a ver: têm de satisfazer os requisitos administrativos de licenciamento das câmaras e por aí fora, está tudo esclarecido pela DGAI o que têm de fazer para abrir o negócio. Depois, relativamente aos controlos de pragas, à higienização e por aí fora, normalmente o que se percebe é que há empresas que fazem esse acompanhamento, embora não tenha de se ter essas empresas. Interessa é ter os planos de controlo e as coisas devidamente monitorizadas.

Mas não é obrigatório ter uma empresa de consultoria?

Não.

Como é feita a preparação dos funcionários da ASAE?

Em traços gerais, a ASAE tem um corpo inspetivo, que é quem realiza as ações no terreno, dividido por áreas de especialização. Ou melhor, há algumas brigadas especializadas para direcionar para certos fins. Por exemplo, em 2014 criámos brigadas especializadas para os empreendimentos turísticos, lendo com alguma previsão que o turismo vinha aí. São direcionadas seja para o alojamento local, seja para os hotéis. Também criámos brigadas especializadas para as relações entre produtores e distribuidores, portanto, as práticas restritivas de comércio, as vendas com prejuízo, etc. Já vinha de trás e mantive as chamadas brigadas para as indústrias produtivas, ou seja, para as matérias da produção e para ver as grandes indústrias. É um tipo de inspeção mais demorado e com outra complexidade, que demora mais do que um dia. Há brigadas para os produtos vitivinícolas, que foram criadas recentemente precisamente para salvaguarda de matérias de origem e de proteção. Há pouco pensei que ia falar de outro assunto, que é manter a qualidade de determinado tipo de produtos de referência nacionais. A fraude alimentar não é propriamente veneno que é posto, é normalmente um ilícito económico. Aquelas apreensões que fizemos, relevantes, do Barca Velha e do Pera Manca, o vinho que lá estava não deixava de ser vinho. Não era era Barca Velha e Pera Manca, embora não fosse nenhum veneno e ninguém morria se o bebesse.

Como se chega a uma coisa dessas, por exemplo, do Pera Manca e do Barca Velha?

Há toda uma investigação que é feita aqui.

Mas como chegaram à conclusão de que o vinho não era Pera Manca?

Verificaram depois, no decurso das investigações. Evidentemente, há fontes, essa é uma dinâmica puramente policial, já que estamos no âmbito de uma investigação criminal. Os inspetores perceberam que podia haver ali qualquer coisa e depois confirmou-se, penso que pelo código da garrafa, que não coincidia com o código nacional. Depois pede-se aos próprios peritos da marca que confirmem. Não anda tudo aqui a abrir as garrafas e a experimentar. (risos) Depois dos peritos, se necessário, o laboratório, do ponto de vista técnico-científico, confirma certas matérias. Não podemos esquecer-nos que temos aqui o laboratório da parte alimentar como suporte para o ato inspetivo. Agora, o laboratório é exclusivamente nosso, mas presta também serviços para o exterior. Essa sim, lá está, é uma fonte de receita adicional para a ASAE.

Uma espécie de Instituto Ricardo Jorge? Que tipo de serviços presta?

Por exemplo, agentes económicos que querem exportar vinho ou azeite para determinados países têm de satisfazer os requisitos que os países exigem, procuram o nosso laboratório que atesta, se for o caso, se de facto aquele produto satisfaz aqueles requisitos, se é mesmo azeite, se é azeite extra-virgem, por aí fora. O laboratório tem esta valência, ao contrario da PJ, que só está virada, em termos de apoio, para a polícia científica. Ou a contrafação das peças – o perito da marca vem confirmar se, de facto, são marcas verdadeiras ou não. Por exemplo, esta semana vou estar no Norte, onde a Rolex nos quer dar uma placa comemorativa porque fizemos uma apreensão em tempos de cerca de dois mil relógios que, lá está, o perito da marca confirmou que eram falsos. Quando entrou, não sei se viu ao pé do elevador uma placa da DSF precisamente a agradecer. O caso dos rolamentos até tem uma particularidade interessante. São várias peças mecânicas, pesadas, colocadas para máquinas de lavar roupa, elevadores, para outros instrumentos ou utensílios de utilização quotidiana, e são essencialmente de duas marcas, a SKF e DSF, nórdicas, e que estavam a ser contrafeitos, vindos algures de locais distantes no mundo. Chegavam por via marítima, entravam na península e depois eram distribuídos, e a caixa onde vinham os rolamentos dizia “este material está protegido da contrafação”, para que a entrada no porto fosse mais fácil. Eles acompanharam em matéria inspetiva, houve dúvidas, tinham algumas informações do que seria, o perito nacional não tinha conhecimento tão exaustivo porque a matéria era, de facto, muito bem contrafeita. Tiveram de vir os peritos da Suécia, que verificaram essa situação. Isto para dizer o quê? Que estamos longe de estarmos só, ou eu já não tenho essa ideia, atrás da camisola da feira. Aquilo que procuramos é cada vez mais produtos que são copiados, que são adulterados, a tal fraude económica, mas não é só a camisola de náilon. Há cada vez mais na área alimentar, na área da mecânica, através do comércio digital, e-commerce, etc. É todo este desafio que tem de ser visto, tem de ser feito e tem de ser acompanhado. São novos desafios mais desafiantes nesse sentido.

O alojamento local é das coisas que vos dá mais trabalho?

Dá algum trabalho, não sei se é 4% ou 5% daqueles números globais dos 40 mil, não sei se chega a ser tanto. Aí está porque temos as tais brigadas especializadas que têm esse objetivo desde 2014, que foram criadas na perceção de que iria aumentar o turismo. Não as fiz a correr em 2016 já com o boom, foi antes e foi um alargamento. Neste preciso momento há duas no Algarve, duas em Lisboa, uma no Centro e uma no Norte. Se a memória não me falha, está assim distribuído.

Mas inscrevem-se para ir a esse alojamento ou batem à porta?

Fazem um pouco da dinâmica operacional, não lhe posso dizer exatamente como é. Não tenho bem a noção. Mas o que lhe quero dizer é que o alojamento local tem algumas dificuldades de investigação e de acompanhamento operacional. Têm sido desenvolvidas várias abordagens para a matéria porque há aqui uma certa rotatividade e tem de se verificar muitas vezes in loco, e é isso que tem sido feito. Tem havido aqui um boom muito grande.

Tem sido noticiado que os sindicatos estão bastante irritados com o facto de os bastões extensíveis terem sido retirados, que funcionaram durante sete anos. São frequentes os conflitos físicos entre agentes e pessoas autuadas?

Não, não é frequente haver confrontos físicos. Vamos lá a ver, a ASAE não é de todo uma força de segurança.

Mas quando entram numa feira para apanhar material não vão ser recebidos com rosas, com certeza…

Com certeza, mas ao não ser força de segurança não lhe cabe a manutenção da ordem pública, que é normalmente onde ocorrem mais situações de confronto. Naturalmente, ao realizar atos inspetivos, há zonas com maior e com menor risco.

Mas ainda temos presente aquelas imagens da ASAE com elementos da polícia de shotguns nas feiras. Hoje não existe isso?

Não.

Fazem-se mais inspeções na fábrica?

O que se faz, por um lado, é mais a montante do que no retalho, porque é mais eficaz. Mas continua a fazer-se, vai-se é com menos regularidade, eventualmente. Agora é articulado com forças de segurança, portanto, com a PSP ou com a GNR, que fazem esse acompanhamento connosco.

Então não faz sentido esta queixa dos bastões?

Vamos lá a ver, a questão é outra. Quando tive conhecimento da situação de que faltava título legal para essa utilização determinei logo a suspensão, porque isso é que não pode existir, uma força estar a utilizar um meio coercivo que não dá legitimidade legalmente para o efeito à data de hoje. É uma questão que se poderá resolver alterando o quadro legislativo. Mas o bastão era distribuído, se tanto, a 15% do corpo inspetivo. Era só uma unidade mais descentralizada que tinha, de facto, em grande medida esse meio. Também é importante clarificar esse ponto. Agora, nem que fosse 1% a utilizar um meio que não se enquadra na tipologia, porque não é força de segurança.

Mas não acha que há situações de risco?

Há situações de risco e isso tem de ser avaliado, naturalmente, pelo agente operacional quando propõe a ação. Se há situações de risco, tem de ser avaliado se têm de ser acompanhadas por um departamento de segurança interno vocacionado para o efeito dentro da ASAE ou com recurso a força de segurança externa, leia-se PSP ou GNR.

Porque mudou tanto a imagem da ASAE?

Não sei, admito que tenha tido alguma responsabilidade nesse sentido porque acho que a ASAE tem de acompanhar, como qualquer instituição, o mundo envolvente e a dinâmica factual em que se insere. Com isto, quero dizer o quê? Tem de ler novos momentos e novas situações. Os exemplos que trouxe, se me permite, fazem parte de uma imagem que existia muito baseada na feira ou no restaurante, sempre na situação do retalho, muito vocacionado para questões de pormenor, e eu acho que tem de haver uma visão muito mais vasta na área da inspeção económica e alimentar. Ou seja, vai desde a produção, pode ser na fábrica ou na indústria, na grande distribuição, no transporte e, naturalmente, no grande retalho. Temos de ter uma visão integrada das várias fases com vista sempre à mesma preocupação. Não podemos ter aqui um preconceito de que o agente económico é necessariamente a pessoa que não cumpre a lei. O que visa a fiscalização? Elevar o cumprimento. E o cumprimento, o que significa? Significa que, se calhar, tenho uma primeira fase de fiscalização que é uma fase porventura preventiva ou de divulgação ou de debate, ainda antes do ato inspetivo propriamente dito. Temos feito muitas sessões públicas e sessões de esclarecimento sobre determinado tipo de obrigações legais. Isto já é o primeiro momento de fiscalização. Por exemplo, temos no nosso site – e provavelmente não é muito comum nas instituições públicas –, algumas instruções em mandarim e em árabe. E a comunidade chinesa até, se calhar, foi uma que teve algumas questões iniciais com a ASAE. Conhecendo a realidade da comunidade chinesa em Portugal e como muitos não dominam o português, faz sentido pôr alguma informação de bases de higiene em mandarim no site. Estamos a fazer fiscalização num sentido muito amplo porque estamos, numa primeira fase, a dar condições. E no momento a seguir, quando os inspetores forem para o terreno, naturalmente que já tiveram oportunidade de obter algum tipo de informação. Se calhar, isto também ajuda a mudar a imagem da instituição.

Em relação à internet, o que se apanha mais?

Neste momento apanha-se de tudo. Por exemplo, aquele caso de especulação dos bilhetes de futebol e dos concertos, a candonga, como se diz na gíria, está a ser muito publicitada pela via da internet. Depois há a articulação com o encontro físico para apanhar os infratores. Temos detetado dentes de elefante pela internet, as matérias de vinho de grande qualidade, e que foram apanhados os Pera Manca, etc. Até a habitual contrafação de roupa está a ser detetada pela internet. Aquela questão da falsificação grosseira de roupa e de estabelecimento, hoje está a mudar muito, e a internet é o grande desafio do futuro porque a economia vai passar muito por este meio digital. Este é um desafio, e aqui é essencial a cooperação com outras entidades até do espaço internacional, que temos, de facto, de aprofundar. E há também o contrário: houve aqui uma situação com o grogue, que é uma bebida cabo-verdiana e que era produzida nos arredores de Lisboa. Enviámos amostras daqui para os colegas de Cabo Verde e confirmaram que não estava a ser produzido o verdadeiro grogue. Isto para dizer que o futuro não passa unicamente por uma instituição, porque não se pode pensar que ela sozinha resolve os problemas todos, principalmente quando envolvem transações digitais e um mercado cada vez mais circular, e é obvio que temos de ter uma rede de contactos que, nuns casos, funciona melhor do que noutros.

E era considerável a produção do grogue?

Não tenho presentes os números, era na zona da Reboleira ou por aí.

Em relação ao tabaco, têm feito muitas autuações de tabaco e de fumo indevido?

Diria que na parte do tabaco, do consumo fora dos locais e de invasão do espaço interdito não tenho noção de grande intervenção e de grandes resultados, não tenho essa noção de cor. No caso do álcool a menores, temos dado algum contributo relevante nessa matéria.

O que fazem aos produtos apreendidos?

Temos desenvolvido uma nova componente de responsabilidade social que são as doações. Assumo que é uma matéria mais arriscada, mas o destino clássico era a destruição dos produtos e hoje, influenciando num sentido positivo os magistrados e as marcas, conseguimos encaminhar esses produtos para instituições de solidariedade. Aliás, nas primeiras intervenções usei a expressão que a ASAE tinha aqui o papel de Robin dos Bosques, já que a um bem que era ilícito é dado um sentido social, para dar uma valorização económica.

Exemplos concretos?

Temos para as duas áreas mais apreendidas, quer na alimentar quer na económica. Claro que na alimentar temos de ter mais cuidados de verificação, como é óbvio não pode ser um produto com insegurança alimentar, mas há, por vezes, produtos alimentares que são apreendidos devido a problemas de rotulagem. É solicitado ao agente económico se quer fazer as devidas correções, mas não lhe compensa fazer a correção e prescinde porque o prejuízo que iria ter de repetir não compensa. É um bem que fica apreendido, tem condições, é doado. Mas onde existe a maior quantidade de doação de bens é na área económica, por exemplo, na roupa contrafeita. E, aqui, os magistrados estão cada vez mais sensíveis e põem a hipótese de ser doado, e as marcas aqui é que têm um papel importante. Em alguns casos em que a descaracterização é fisicamente muito complicada tem havido o consentimento e o acordo para que sejam entregues em estabelecimentos prisionais ou até estabelecimentos de saúde, nomeadamente do foro mental.

Foi uma proposta vossa?

Começámos a aprofundar essa matéria e, muitas vezes, requeremos aos juízes para reverem em sede de despacho.

E em relação aos alimentos?

Vão para tudo, tanto para instituições de solidariedade social como para pessoas mais carenciadas, também para o jardim zoológico, para instituições de apoio aos animais, em alguns casos, para alimentação dos mesmos.