Marcelo. “Nos momentos de dor gostei que fossem carinhosos comigo”

Marcelo tentou corrigir o excesso de elogios ao governo pela reação à tragédia. Mas defendeu o seu papel de “dar beijinhos no dói-dói”, como pejorativamente o acusou um deputado do CDS

Persiste um problema de identificação entre Marcelo e a direita que o elegeu. A tragédia de Pedrógão Grande voltou a carregar na ferida que existe praticamente desde a tomada de posse do Presidente da República.

O ataque mais violento, desta vez, veio do CDS, através do deputado Hélder Amaral, que escreveu na sua página do Facebook: “A culpa não pode morrer solteira, e não basta um Presidente da República dar beijinhos no dói-dói, e dizer que não há nada a fazer. Está quase tudo previsto, na lei e no dispositivo de combate aos incêndios. Basta levar muito a sério estes riscos que se repetem todos os anos.”

O Presidente da República defendeu ontem que é essencial, na sua função, aquilo a que pejorativamente o deputado chamou “dar beijinhos no dói-dói”.

“Em momentos de dor, eu gostei que as pessoas fossem carinhosas comigo”, disse o Presidente da República. “Quando tive problemas na minha vida, desgostos, como a morte dos meus pais, eu gostei que os meus amigos estivessem comigo nessa hora.” E, segundo Marcelo, o Presidente tem de ter essa função perante tragédias nacionais como o que está a acontecer em Pedrógão Grande.

Mas o que mais doeu aos partidos da direita nem foram os supostos “beijinhos no dói-dói”. Foi a declaração de Marcelo, logo no sábado, segundo a qual “o que se fez foi o máximo que se poderia ter feito. Não era possível fazer-se mais, são situações imprevisíveis e, quando ocorrem, não há prevenção que possa ocorrer”.

Pedro Passos Coelho respondeu ao Presidente, criticando a “desdramatização” relativamente àquilo a que Rebelo de Sousa chamou “situações imprevisíveis”. “Não faz sentido desdramatizar a situação que estamos a viver. Há muitos anos que combatemos incêndios, mas esta é a primeira vez que um número tão dramático de pessoas perderam a vida.”

Passos alertou contra os discursos do “isto é sempre assim, não há nada a fazer, estamos entregues a inevitabilidades”. O presidente do PSD pediu que “o debate, quando ocorrer, aconteça com alguma racionalidade, já fora de climas emocionais, e que as pessoas possam, em primeira instância, ter acesso a informação e conclusões relevantes”.

Apesar de ter defendido o seu papel no terreno enquanto consolador das vítimas da tragédia, Marcelo acabou ontem por corrigir parte das declarações que fez no sábado e que tanto indignaram a direita. “Agora, temos uma estrutura e meios muito diferentes”, disse o Presidente, aludindo à mudança no comando das operações. Afinal, ao contrário do que tinha acontecido no sábado, “agora já existe método e organização”, que são “desafios em curso”.

Tentando acalmar a polémica política que também o atinge, Marcelo pediu ontem: “Já temos muitas frentes pela frente. Não vamos juntar mais frentes.” De caminho, entendeu “louvar a intervenção do líder da oposição”, não na parte em que o presidente do PSD se insurgia contra “a desdramatização”, mas na parte em que Passos “disse que neste momento é em conjunto que devemos enfrentar este desafio”.

“Terá de haver avaliação” No domingo, Catarina Martins, a líder do Bloco de Esquerda, resistiu a tirar consequências políticas no meio da tragédia, mas deixou claro que também não abdica de discutir a questão a fundo. “Claro que depois terá de haver avaliação. Sabemos que temos problemas no país que estão mal resolvidos há muito tempo, mas hoje é o dia de toda a solidariedade para com as populações e bombeiros e do nosso pesar para com as vítimas. Teremos tempo para tudo o resto.” Mas, ontem, o dirigente do Bloco de Esquerda Ricardo Moreira escreveu no site do BE Esquerda.net: “Infelizmente, ano após ano, lamentamos a área ardida, choramos os mortos, criticamos quem não limpa as matas e enaltecemos o trabalho dos bombeiros e da proteção civil, mas vemos que nada mudou.”

E continua: “A ‘reforma florestal’ anunciada pelo primeiro- -ministro para avançar a 21 de março ainda não avançou e o ministro da Agricultura criticou desde logo quem dizia ‘que o Estado devia ser o grande protagonista! (…) Pois bem, é precisamente isso que tem de acontecer: o Estado tem de intervir. Há quem diga que quando o mercado falha é necessária a intervenção do Estado. Pois o mercado falhou na gestão da floresta, quase 50% do território nacional.”