A “decapitação” de três secretários de Estado de mérito reconhecido – por estarem a ser investigados no caso das viagens ao Euro-2016 pagas pela Galp – causou mal-estar entre os deputados socialistas.
Alguns membos da bancada do PS não evitaram mesmo fazer críticas mais ou menos explícitas ao Ministério Público que decidiu ouvir os governantes e se preparava para os constituir como arguidos.
O deputado Porfírio Silva escreveu no Facebook: “O país perde com a sua saída. O Fernando Rocha Andrade, o João Vasconcelos e o Jorge Oliveira foram grandes secretários de Estado. Fizeram uma coisa errada, não à luz da ética (ir em público e em grupo a qualquer lado não é, em nenhum caso, pôr-se a jeito para ser favorecido, como muito bem sabe quem quer ser favorecido, que escolhe ser discreto e até secreto), mas à luz da hipocrisia reinante. Há quem, neste país, saiba manobrar as aparências para dar tiros de canhão na substância das coisas”. O deputado Porfírio Silva partilhou também uma publicação de um jurista, Francisco Clamote, que defendeu que deveria existir “uma vassourada no Ministério Público”.
Tiago Barbosa Ribeiro, presidente da concelhia do PS-Porto e também deputado, escreveu na mesma rede social: “Foram secretários de Estado competentes, profissionais e dedicados. Conhecedores das suas áreas como poucos. Com a sua demissão é o país que perde, não o governo. Obviamente que isto não é sobre bilhetes de futebol. O processo de que estão a ser alvo é mais um motivo para afastar os melhores da vida política – aquela que nos diz respeito a todos, como cidadãos – transformada num exercício cínico e hipócrita onde homens e mulheres assépticos nos levarão à redenção coletiva. Ela não chegará, mas entretanto já afastamos todos os que não querem ser sacos de pancada na voragem desse caminho. Um abraço aos meus amigos Fernando Rocha Andrade e João Vasconcelos”.
Outro deputado socialista, André Pinotes Batista, escreveu que o caso do pedido de exoneração dos três secretários de Estado é “uma pequena amostra do que perdemos para a sociedade do politicamente correto”.
Outro crítico do Ministério Público, embora involuntário, foi o deputado social-democrata Carlos Abreu Amorim quando atribuiu a António Costa a responsabilidade pelo afastamento dos secretários de Estado, logo no domingo à noite. Em declarações aos jornalistas, afirmou não compreender “o que se alterou desde há um ano a esta parte” e admitiu que a exoneração de Fernando Rocha Andrade, João Vasconcelos e Jorge Costa Oliveira faria parte de um plano qualquer do primeiro-ministro. “Porquê agora com a situação que o país está a viver? A situação aconteceu há um ano. Não compreendemos porque se escolheu o dia de hoje para estas demissões, se foi algum focus group ou alguma técnica de marketing político”.
Usos e costumes? A lei que está a servir ao Ministério Público para investigar os três secretários de Estado é a Lei dos Crimes de Responsabilidade Titulares de Cargos Políticos e Públicos e segundo a nota enviada pela Procuradoria-Geral da República às redações a justiça quer perceber se existiu, na conduta dos secretários de Estado, “recebimento indevido de vantagem”. A lei pune este crime com pena de prisão de um a cinco anos, mas exclui do recebimento de vantagens “as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes”. Para a Galp, como para a maioria dos deputados do PS, a aceitação por parte dos três secretários de Estado foi apenas uma “conduta socialmente adequada” e “conforme aos usos e costumes”.
É o que pensa a Galp que ontem também, em comunicado, voltou a afirmar que o convite aos secretários de Estado agora exonerados não tinha como objetivo “a obtenção de qualquer contrapartida”. A questão assumiu no ano passado maior gravidade quando se soube que existia um contencioso que opunha a Galp aos assuntos fiscais, na tutela de Fernando Rocha Andrade, no valor de mais de 100 milhões de euros.
A procuradoria-geral da República iniciou as buscas na primeira quinzena de agosto de 2016, nomeadamente à Galp, onde apreendeu documentação, conforme anunciou publicamente a 31 de agosto. Logo a 4 de agosto, o Ministério Público afirmou estar “a recolher elementos” sobre a viagem que envolvia o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, para apurar se existiam “procedimentos a desencadear no âmbito das respetivas competências”.
Um ano depois, o inquérito já tem seis arguidos.