Conclusões sobre Pedrógão podem só chegar no outono

Comissão independente ainda não convocou a primeira reunião, a partir da qual se inicia um período de trabalho de 60 dias prorrogáveis por mais 30. Equipa de Xavier Viegas só prevê entregar estudo pedido pelo MAI em outubro

As duas análises de fundo sobre o que se passou em Pedrógão Grande e que ilações há a tirar do incêndio que vitimou 64 pessoas poderão só chegar no outono, já depois do período crítico dos fogos e até das autárquicas, marcadas para 1 de outubro.

Ontem ao final do dia a Comissão Técnica Independente criada para uma análise célere e apuramento dos factos ainda não tinha fechado a data da primeira reunião, a partir da qual começará a contar o período de trabalho de 60 dias, prorrogáveis por mais 30 se for caso disso. Com este horizonte temporal, e um encontro que poderá acontecer só na próxima semana, a entrega do relatório final à Assembleia da República deverá acontecer entre setembro e outubro.

O i sabe que quando os 12 membros foram convidados, aceitaram cientes da complexidade do trabalho e das suas atuais tarefas, mas não foi pedido um calendário de disponibilidades para eventuais reuniões e ontem esse pedido ainda não tinha chegado. O facto de serem 12 peritos, três dos quais estrangeiros, e período de verão, poderá tornar a compatibilização de agendas ainda mais complexa.

A par desta avaliação técnica independente, que resultou de uma proposta do PSD aprovada por todos os partidos à exepção do PCP, que votou contra, o governo pediu logo no fim de semana em que deflagrou o incêndio um estudo ao Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial (ADAI) Domingos Xavier Viegas disse ontem ao i que os trabalhos já arrancaram, mas a apresentação do relatório ao MAI só deverá acontecer em outubro. Poderão, assim, acabar por coincidir as datas de entrega das duas análises de fundo pedidas na sequência dos fogos que mataram 64 pessoas e feriram mais de 200.

Na próxima segunda-feira assinala-se um mês da tragédia e desde o dia 1 de julho que o governo não disponibiliza novas informações, depois de uma sucessão de documentos e despachos com versões contraditórias entre Proteção Civil, a Secretaria Geral do MAI e a empresa SIRESP. O último documento tornado público foi um relatório do Instituto Português do Mar da Atmosfera (IPMA), que diz não terem sido detetados raios na zona de Escalos Fundeiros na hora de início do fogo, sendo que o sistema de deteção de descargas usado tem uma eficiência de 95% nestes casos, o que para o IPMA sugere “uma probabilidade baixa, não nula, de ocorrência de descargas nuvem-solo na proximidade do local de início do incêndio de Pedrógão Grande.”

PJ mantém tese

O i sabe que, não obstante, a PJ mantém a tese inicial de que foi um raio a originar o incêndio, considerando que o relatório do IPMA não recusa taxativamente essa hipótese uma vez que refere uma probabilidade que não é nula. Há ainda dados da organização EUMETSAT, que une 30 países (Portugal incluído) num sistema mundial de satélites meterológicos. A EUMETSAT, em matéria de trovoadas, recorre a dados da plataforma Blitzortung, que apontam para existência de uma descarga na hora em que o fogo foi sinalizado à Proteção Civil.

Nuno Moreira, do IPMA, explicou ao i que nas coordenadas fornecidas pela PJ não foi detetada qualquer descarga que tenha atingido o solo mas foram detetadas na região descargas a partir das 14h38 (o alerta foi dado à proteção civil às 14h43). Porém, foram descargas nas nuvens e algumas não foram validadas pelo sistema nacional.

Questionado sobre por que motivo não foram usados os dados da rede referenciada pela agência EUETSAT, o especialista que coordenou o relatório do IPMA explicou que foi dada preferência à rede nacional de deteção de descargas, que consideram ter um grau elevado de eficiência. No dia não estava a funcionar o sensor de Alverca mas foram usados sensores portugueses e espanhóis, sendo que, quando muito, poderá haver uma falta de precisão de alguns metros que não interfere com a análise final, diz o perito.

No relatório, o IPMA refere que não foram usadas imagens de satélites meteorológicos tendo em conta a necessidade de processamento adicional. Nuno Moreira explicou ao i que estas imagens não permitiriam confirmar raios, uma vez que não existem satélites com essa capacidade. Permitiram perceber melhor a configuração das nuvens na zona e dizer com maior refinamento se existiam condições para a formação de trovoadas e a partir de que horas – para já, os dados analisados pelo IPMA sugerem que essas condições surgiram precisamente ao início da tarde.

Quanto ao desenrolar da meteorologia e evolução do fogo, Nuno Moreira fala de uma combinação de fatores com uma natureza “pouco habitual”. Naquele dia foram detetados vários downbursts no alto Alentejo, projeções de vento que poderão ter tido rajadas de mais 80km/h, vento muito forte. Associado à instabilidade climatérica, poderá explicar a violência do fogo.

As nuvens na zona da Nacional 236-1 e na freguesia de Vila Facaia chegaram aos 12/14km de altitude, ultrapassando o nível da tropopausa. “É o topo da zona onde há tempo, praticamente ao nível da altitude a que andam os aviões”, explica Moreira. Quando há a formação de pirocúmulos desta natureza, formam-se correntes de ar descendentes que podem interferir com o próprio incêndio, gerando novos fenómenos de downburst em que o vento circula a grande velocidade. Não foi analisado se houve este tipo de nuvens noutras zonas do incêndio, apenas nesta zona onde morreram mais pessoas. Nuno Moreira explica que não sendo frequentes, já foram registados pirocumulos destes no passado.A pluma do incêndio, a nuvem de cinzas, avançou entre os 4km/h e os 8km/h. O auge da pluma na zona da estrada onde morreram 47 pessoas verificou-se por volta das 20h40.

Segundo o i apurou, a PJ está analisar não só a causa do incêndio mas todos os factos relacionados com o fogo e que possam traduzir algum tipo de responsabilidade criminal. A conclusão do inquérito também não está para breve.