Costa e Catarina em diálogo ensaiado

Costa sabe que, enchendo aparentemente os bolsos do vasto eleitorado que elegeu como prioritário para sustentar o Governo, e clamando o fim da austeridade, terá o seu povo com ele.  Pelo caminho, reitera a confiança nas chefias militares, num jogo de ‘eu confio em ti, tu confias em mim’, como se Tancos fosse um contratempo…

No dia em que mais uma emissão de dívida portuguesa se saldou por um aumento marginal na taxa de juro a 10 anos (passando ligeiramente os 3%) e uma redução no juro a 28 anos (ficando quase nos 4%) – confirmando que se mantém razoavelmente estável a perceção externa da dívida nacional, embora com ligeiros sinais de deterioração –, houve um debate sobre o ‘Estado da Nação’. Para mim, ‘a montanha pariu um rato’. 
A oposição foi previsível, com discursos bem estruturados de conteúdo válido e atual mas sem eficácia. Ainda por cima, Passos Coelho viu Poiares Maduro publicar de véspera no Facebook extratos ipsis verbis do seu discurso, como a avisar Costa do que aí vinha. 

António Costa, sempre bem preparado e bem assessorado, sem ignorar estes discursos – a que respondeu com sobranceria e umas frases-chave, relembrando a austeridade do Governo anterior – reforçou a confiança nos seus ministros (até ao momento em que decidir remodelar o Governo mas por sua iniciativa!) e esteve muito mais preocupado num diálogo com Catarina, qual namoro teatral previamente estudado. 
Esta perguntava, marcando aparente contestação, e Costa respondia com promessas futuras sobre mexidas no IRS ou salário mínimo e leis laborais, que o Bloco queria ouvir para apaziguar seu eleitorado. 
Eleitorado que, finalmente, começa a perceber que caucionou – e bem – esta nova versão de austeridade, com cativações no dobro do Governo anterior, e a sentir os efeitos reais dos impostos indiretos. Até deu para umas valentes bicadas na Altice, sugerindo veladamente a mudança de operador – ou seja, uma política verbal de esquerda para cimentar este namoro enlevado. Pelo meio, uma nova Secretaria de Estado da Habitação, criando novo facto, qual prestidigitador.

Em suma, Costa sabe que, enchendo aparentemente os bolsos do vasto eleitorado que elegeu como prioritário para sustentar o Governo, e clamando o fim da austeridade, terá o seu povo com ele. 
Pelo caminho, reitera a confiança nas chefias militares, num jogo de ‘eu confio em ti, tu confias em mim’, como se Tancos fosse um contratempo que o tempo esquecerá. E sobre Pedrógão? Passa de lado, aguardando uma comissão de inquérito – até porque, durante a sua ausência, Marcelo fez por ele as despesas de ‘gestão da dor’. Nem é preciso um focus group para mostrar que Costa vai recuperar – se é que não recuperou já – a popularidade!

Impossível passar ao lado das viagens Galp. Ao fim de um ano, as celebrações da conquista do Euro 2016 ficam marcadas pelas saídas de três secretários de Estado, demissão prontamente aceite pelo primeiro-ministro. Não se percebe é que, com factos irrefutáveis, Costa tenha deixado o assunto a marinar um ano. Fosse o anterior Governo, imagine-se quantas vezes os partidos desta ‘geringonça’ teriam pedido a pronta demissão dos três políticos (bem como dos dois ministros envolvidos nas recentes tragédias de Pedrógão ou Tancos). Adiante!
Vamos ao cerne da questão. Não se percebe como adultos experientes, colocados em cargos políticos, aceitam convites destes. Que diabo: em momentos de euforia como os da bola, estes senhores, aparentemente preparados para altas funções de Estado, não sabem estar? Parecem miúdos inebriados com o poder, sem perceber quão fátuo é…

Passados uns meses, fez o Governo pressurosamente um ‘código de conduta’. Pior a emenda que o soneto! Foi uma confissão de que, tal como num jardim-escola, há que regulamentar o que, por definição, era intuitivo: no Governo não se aceitam oferendas. Utopia da minha parte? Onde termina a cortesia e começam os favores? Até 150 euros é cortesia, e com 151 euros são favores que se esperam colher? Ridículo!
Termino esta prosa dizendo claramente o que penso do assunto:
1. É ridículo que se demore um ano a investigar o que parece óbvio;
2. Revolta-me que perpasse a ideia de que secretários de Estado do meu Portugal se deixem ‘seduzir’ por uma viagenzinha; 
3. Serem arguidos por imaturidade ou inexperiência, por muito idiota que seja, é reflexo de um país que se preocupa com o acessório (Justiça incluída, que ainda não deduziu acusações bem mais relevantes); e é sobretudo aviltante para os próprios.