Costa e Marcelo. A lua-de-mel acabou. E agora?

Costa não gostou da comparação entre Pedrógão e as cheias de 67 e retaliou com a reforma florestal por promulgar

A lua-de-mel terminou. As crises de Estado nos incêndios de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande e em torno do assalto aos paióis de Tancos distanciaram António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, não na sua génese – o Presidente foi a primeira voz a sair em defesa do governo em Pedrógão –, mas nas suas consequências. 

“O país assustou-se. Deixou de estar ‘tudo bem’ e a relação deles ressentiu-se com isso”, refere um parlamentar socialista ao i. E terá passado o tempo das selfies? “Isso terá de lhes perguntar”, responde o deputado.

E há mais. 

O desconforto dos militares em torno da ação da Proteção Civil durante os incêndios é diretamente conectado a opções políticas de Costa e o Presidente está ao corrente dessa ligação. É que o conselho superior das Forças Armadas chumbou o nome que o primeiro-ministro nomeou para liderar a Proteção Civil em 2016 e Costa optou por ignorar o parecer dos militares, que não queriam um homem de patente inferior a general com essa responsabilidade. Foi, aliás, a primeira vez que tal sucedeu e a proximidade pessoal do primeiro-ministro com o coronel escolhido incomoda os responsáveis militares. Marcelo, como chefe supremo das Forças Armadas, não é ignorante do caso nem das dúvidas que ainda circundam o furto de armas em Tancos. “É grave”, considerou sobre o assalto, em entrevista de ontem ao “DN”. 

Acerca dessa entrevista, Luís Marques Mendes, que é próximo de Marcelo, avaliou-a como “um distanciamento em relação ao governo” por parte do inquilino do Palácio de Belém.

Troca de recados Mais recentemente, o Presidente veio lembrar que “em ditadura” é que “era possível haver tragédias e nunca ninguém percebia bem quais eram os contornos”, numa semana em que os contornos da tragédia de Pedrógão foram questionados pela oposição. Marcelo recordou um tempo – “há 50 anos – em que se sucederam as cheias na zona da Grande Lisboa que vitimaram centenas de cidadãos, sendo ainda hoje o número incerto. Costa, ao que o i apurou, não terá apreciado a comparação histórica. Marcelo elogiou também a “comunicação social livre” numa semana em que João Galamba, porta-voz do PS, acusou um semanário de “brincar aos jornais a fingir”. 

Numa conferência de imprensa na mesma semana, o primeiro-ministro respondeu à questão sobre o “que ainda está a falhar” nos incêndios, com críticas ao facto de o tempo que tem a reforma da Proteção Civil – dez anos – não ter sido “aproveitado” para a reforma da floresta, lembrando que esta “já foi aprovada em grande parte na Assembleia da República e aguarda agora promulgação por parte do sr. Presidente da República”. 

Ontem, às televisões, Marcelo preferiu “setembro” como tempo em que “estaremos mais serenos e mais distantes para refletir”. 

Menos recente, mas ainda deste ano, é a opinião de ambos sobre a omnipresente temática da popularidade. Para António Costa, “não há competição entre o primeiro-ministro e o Presidente da República” pois “têm funções completamente distintas”. 

“O Presidente exerce a sua relação afetiva com os cidadãos de uma forma muito adequada. O primeiro-ministro é outra coisa e importa adequar o relacionamento com os cidadãos às funções que exerce”, destacou Costa. “Seria péssimo para o país se existisse uma competição, se existisse um concurso de popularidade.” 

Marcelo, todavia, parece menos cingido a uma mera “relação afetiva com os cidadãos” e não oculta a sua importância. Quando Costa foi de férias na semana do assalto a Tancos, o Presidente desvalorizou a sua ausência. “Mais complicado seria se o Presidente da República estivesse em férias, ou quando estiver em férias…”, defendeu. E o tal “concurso de popularidade”, afinal, estava lá. 

Bodas de Belém O casório nunca foi tão florido quanto aparentava. Na veia mediática que a Presidência assume, o mérito da “paz social” não é escondido e, para isso, vem sendo partilhado. Belém e São Bento, Presidente e primeiro-ministro, sorrisos e sorridentes. 

Tal, naturalmente, não impede ambos, em privado, de dizer de sua justiça: Marcelo com críticas e questões; Costa defendendo o seu governo e desdramatizando qualquer circunstância menos positiva – “o que é normal na relação entre uma chefia de Estado e um executivo”, considera fonte próxima de ambos. “Nisso, não fogem ao costume”, garante também. “Sorriem é bastante fora de portas… Conhecem-se há muitos anos.” 
A imagem de Marcelo a falar aos imigrantes portugueses em França com António Costa segurando-lhe o guarda-chuva pode ser enganadora. O guarda-chuva, que se tornou icónico, nunca foi segurado por uma mão só. “É um resguardo que é mútuo. E, às vezes, não dá para que a chuva não chegue a um deles”, alegoriza o mesmo, escutado pelo i, em jeito de conclusão. A “descrispação” é um chapéu–de-chuva a dois, portanto. 

As desdramatizações do primeiro-ministro, no entanto, já mereceram reparo público e presencial por parte de Marcelo Rebelo de Sousa. Em maio de 2016, no primeiro semestre de casamento político, revelou que “o primeiro-ministro tem um otimismo crónico e, às vezes, ligeiramente irritante”. Em abril deste ano confessou que “o sr. primeiro-ministro irrita-me um bocadinho porque é evidente que há problema e está a tentar explicar-me que não há esse problema”. Em maio, tornaria: “É impossível ser mais otimista que ele. Todos os dias, mesmo quando chove, abre os cortinados e está um sol ridente!” E a meteorologia política, ultimamente, tem andado tudo menos ridente. 

Normalidade matrimonial? Estabilidade política Razões para o casamento continuar feliz depois do primeiro ano de núpcias? Várias. E são simples. 

“A presidência não é indiferente à popularidade. Repare que não o digo como crítica, nenhum político deve ser indiferente à popularidade. Mas este governo continua imensamente popular e o Presidente não é indiferente a isso”, constata um “senador”, desta vez social-democrata. E é verídico; a popularidade do executivo do PS não sofreu grandes danos em consequência da crise dos fogos. “É por isso que lhe digo: enquanto o país estiver com o governo, o Presidente também estará. A estabilidade política também é isso.” 

Ainda ontem, Pedro Passos Coelho descartou a hipótese de qualquer “crise política” até ao fim da legislatura e Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, chegou a falar de uma estabilidade parlamentar “assegurada”. 
Por aí, há outro dado que o mesmo barão “laranja” ouvido pelo i aponta: “Enquanto a alternativa a Costa for uma direita que nem serve como oposição, a matemática, para Marcelo, não mexe.” 

O que demonstra que a lua-de–mel, de facto, pode ter acabado. Não há é divórcio à vista.