Ordem apoia candidatura da relação médico/doente a património da Unesco

Iniciativa partiu do fórum médico espanhol e é apadrinhada pela Ordem dos Médicos portuguesa, que este fim de semana semana dedica o congresso de medicina ao tema. O i falou com o promotor da iniciativa.

A Ordem dos Médicos vai associar-se à candidatura espanhola para que a relação entre médico e doente seja declarada Património Imaterial pela Unesco. Esta é uma das iniciativas simbólicas que será apresentada no Congresso Nacional de Medicina, que decorre este fim de semana em Coimbra sob o tema “A Relação Médico-Doente – Património do Ser Humano”. Para o bastonário dos médicos, Miguel Guimarães, trata-se de combater a “desumanização” da medicina nos últimos anos, associada à evolução da tecnologia e à sobrecarga laboral.

Neste âmbito, uma das iniciativas previstas para o início de 2018 pela Ordem dos Médicos é a definição de tempos-padrão por consulta. Miguel Guimarães disse esta semana num encontro com a imprensa que o levantamento está a ser feito por especialidade e foi demorado pelo facto de haver eleições para os colégios, mas a ideia é definir três ou quatro escalões para as consultas, nunca menos dos 15 minutos com que atualmente são marcadas consultas no SNS.

Algo que a Ordem pretende contestar é o facto de os hospitais poderem marcar vários doentes para a mesma hora. O bastonário acredita que um eventual reconhecimento da relação médico/doente como património da Unesco poderá servir como pressão para diminuir a sobrecarga dos médicos e pretendem ir mais longe, anunciou, levando o tema a debate na ONU.

 

Apoio do senado

Do outro lado da fronteira, a última novidade sobre a candidatura é que teve o apoio do senado em outubro, cabendo agora ao governo espanhol dar seguimento ao dossiê.

O mentor do projeto é o psiquiatra espanhol Patricio Martínez, ligado à Confederação Estatal de Sindicatos Médicos. O médico explicou ao i que a ideia surgiu em 2010 e ganhou fôlego no ano passado, quando foi apresentada no Fórum da Profissão Médica, entidade espanhol que congrega todas as estruturas dos médicos, à semelhança do Fórum Médico português. Em junho de 2016 votaram por unanimidade a candidatura e as ordens dos países de língua portuguesa têm sido envolvidas.

Martínez diz que a relação entre médico e doente foi central nos códigos de ética da medicina ao longo dos séculos e nunca sofreu tantas alterações como nos últimos 50 anos. As ameaças? Começa por apontar as políticas, como o conceito de saúde gerível. “As administrações, sob o pretexto do equilíbrio orçamental, impõem um modelo burocratizado, protocolizado, tempos assistenciais (consultas de cinco minutos), listas de espera e medicina defensiva”, elenca Martínez.

O segundo problema, identifica, tem a ver com os avanços tecnológicos e da indústria farmacêutica, que levam a um “excessivo cientificismo” e à emergência de “superespecialidades que, nalgumas ocasiões, marginalizam o médico de cabeceira, que deve estar sempre junto ao doente, que é o centro do processo assistencial”.

Patricio Martínez diz que estes são problemas comuns não só em Portugal e em Espanha, mas na maioria dos sistemas de saúde públicos. “O objetivo é a eficiência”, diz o médico, reduzindo-se ao mínimo a relação entre clínicos e doentes.

 

Novo juramento

Este fim de semana, outra novidade para os médicos portugueses será o facto de as cerimónias do chamado “juramento de Hipócrates”, que arrancam este domingo para os jovens clínicos de Coimbra, adotarem já um novo texto aprovado em outubro pela Associação Médica Mundial.

Esta nova versão da declaração de Genebra, o juramento moderno dos médicos, consagra pela primeira vez não só a saúde mas o bem-estar dos doentes como primeiras preocupações dos médicos. Tem também uma referência ao burnout na profissão, uma vez que os médicos passam a ter o dever de zelar pela sua saúde para prestarem cuidados de maior qualidade.

Outra novidade é o respeito pela autonomia dos doentes, o que os defensores da despenalização da morte assistida consideram um passo simbólico no debate. “Ninguém poderá voltar a usar o fantasma do Hipócrates”, disse ao “SOL”, em outubro, o médico João Semedo, um dos rostos desse movimento em Portugal.