Autoeuropa. Ameaça de greve e deslocalização voltam a assombrar Palmela

Administração mostra-se inflexível. Só está disponível para negociar turnos a partir de agosto, altura em que arranca a laboração contínua. Reunião vai ser retomada amanhã 

A administração da Autoeuropa continua intransigente em relação aos novos horários a implementar a partir do dia 29 de janeiro, que preveem a laboração de 17 turnos semanais, estando já incluídos os sábados. E foi essa a mensagem transmitida nas duas reuniões que tiveram lugar ontem. Primeiro com sindicato SITE Sul, afeto à CGTP, responsável pela paralisação histórica de 30 de agosto, e à tarde com a Comissão de Trabalhadores liderada por Fernando Gonçalves. A nova reunião está marcada para amanhã. Mas, ao que o i apurou, a estrutura sindical apresentou uma postura mais agressiva, remetendo para uma conferência de imprensa esta manhã informações sobre a sua posição. Enquanto isso, a CT apresentou o seu caderno de reivindicações, que passava por aumentos salariais, redução da idade da reforma e por a empresa comprometer-se a não fazer qualquer despedimento coletivo até 31 de dezembro de 2019.

Em cima da mesa continua a proposta de pagamento a 100% aos sábados, equivalente ao pagamento como trabalho extraordinário, acrescidos de mais 25%, caso sejam cumpridos os objetivos de produção trimestrais. Feitas as contas, dá cerca de dois sábados a cada trabalhador.

Mas apesar da CT e dos sindicatos terem como objetivo alterar o novo horário transitório anunciado unilateralmente pela empresa no passado mês de dezembro, a administração da Autoeuropa garantiu várias vezes que só estava disponível para negociar os novos horários de laboração contínua, que deverão ser implementados a partir do mês de agosto.

“Revolta interna” A contestação interna dentro da Autoeuropa está a ganhar maiores contornos e a guerra não se limita a implementação dos novos horários de trabalho. Tal como o i já tinha avançado, há um grupo de trabalhadores – autodenominado “Juntos pelos trabalhadores da Autoeuropa” – que em dezembro apresentou um abaixo-assinado com várias propostas alternativas às que foram apresentadas pela CT por não se sentir representado pela estrutura liderada por Fernando Gonçalves, que já veio mostrar surpresa por tanto a CT como os sindicatos estarem a ignorar o anúncio de greve a 2 e 3 de fevereiro, altura em que já terão entrado em vigor os novos horários de trabalho. No entanto, para que a paralisação se concretize é necessário que seja convocada pelos sindicatos, como o Site-Sul, que foi o rosto da última greve.

Ainda ontem este grupo enviou um comunicado a apontar para os sacrifícios que os trabalhadores da Autoeuropa têm feito, trabalhando “muitos sábados e domingos para assegurar a manutenção de equipamentos e a produção”, e considera que graças a esses sacrifícios foram atingidos níveis de qualidade “ímpares no grupo Volkswagen”.

Este grupo desmente, por outro lado, a imagem muito difundida dos trabalhadores da Autoeuropa como uma aristocracia operária altamente privilegiada, lembrando que é comum esses trabalhadores terem de realizar “trabalho noturno durante longas temporadas, passando por trabalho aos fins de semana e até mais de 8h por dia” e que “atualmente mais de um terço dos trabalhadores da Autoeuropa ganham 660 euros de salário base para trabalhar em três turnos”.

Ameaça de deslocalização Enquanto se assiste a este impasse na fábrica de Palmela, vão-se multiplicando as vozes sobre os riscos de deslocalização de parte da produção do T-Roc. O i sabe que há uma série de fábricas do grupo Volkswagen com baixo volume de produção preparadas para receber parte da produção do novo modelo, como é o caso da unidade de Osnabrück ou, até mesmo, a Volkswagen Navarra, em Pamplona.

Também ontem, Mira Amaral alertou para a existência de “forte risco” de o fabricante automóvel levar a produção para Marrocos ou para a República Checa. O antigo ministro da Indústria de Cavaco Silva, que foi um dos responsáveis pela vinda da Volkswagen para Portugal em 1991, lamenta este braço-de-ferro e diz que sente “desgosto”, “pessimismo” e “preocupação” relativamente à atual situação da fábrica de Palmela.

O cenário é no entanto afastado por patrões e sindicatos, que descartam este risco, mas alertaram para as consequências que o impasse negocial pode ter na empresa. À margem da reunião da concertação desta terça-feira, os parceiros sociais voltaram a apelar para um entendimento entre a administração e os trabalhadores.

Mais otimista está o ministro do Trabalho, que revelou ainda acreditar num acordo na Autoeuropa. “Com os dados que tenho e com a experiência do passado, acho que vai acabar por acontecer um novo acordo entre os trabalhadores e a administração”, adiantou Vieira da Silva. 

Ainda assim, o governante afirmou perceber os argumentos de ambas as partes, comentando que um aumento na produção de “800 carros num dia é uma mudança de escala com impacto não apenas na Autoeuropa, mas também no ecossistema” em redor da fábrica.

Na expectativa continuam os trabalhadores do parque industrial da Autoeuropa – onde estão instaladas 19 empresas com um total de cerca de três mil trabalhadores – que já se estão a organizar para arrancar com as produções aos sábados, tal como tem sido anunciado pela administração da fábrica de Palmela. 

“No mês de fevereiro vamos começar já a ter os sábados em produção, como estava anunciado pela Autoeuropa, e temos que nos organizar até lá. Falta muito pouco tempo. No parque industrial ainda estamos com alguma estabilidade, em termos de diálogo social, mas acreditamos que este mês esse diálogo social pode começar a ficar fragilizado”, revelou ao i Daniel Bernardino, coordenador das Comissões de Trabalhadores do Parque industrial da Autoeuropa, lembrando a necessidade de as empresas fornecedoras da Autoeuropa também se prepararem devidamente para dar resposta aos planos de produção apresentados pela fábrica da Volkswagen.