Um procurador que gosta de José Sócrates

Pinto Monteiro quer reescrever a história, mas o seu consulado na Justiça ficará como um dos mais negros de Portugal

A história de Pinto Monteiro, ex-procurador-geral da República, faz-me lembrar a do professor de Matemática que tinha duas turmas com níveis de reprovação próximos dos 100%. Ou mesmo a daquele condutor que vai na autoestrada em contramão e pensa que todos os outros automobilistas enlouqueceram. À semelhança do professor de Matemática, ou do tal condutor, Pinto Monteiro ainda não conseguiu perceber que o problema da Justiça portuguesa durante o seu consulado foi precisamente ele. Não quer isto dizer que não fez coisas válidas, que as fez, mas o lado negro é muito superior ao lado bom.

Esta semana Pinto Monteiro deu uma entrevista à Rádio Renascença e ao Público onde lançou pérolas atrás de pérolas, aproveitando a ocasião para atacar o Ministério Público, António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados, e João Palma, ex-presidente do Sindicato e atual procurador-geral adjunto, além da comunicação social. E, claro, para voltar a defender José Sócrates, gabe-se a coerência, dizendo, espante-se, que foi o juiz de Aveiro que mandou destruir as cassetes onde estavam as conversas do antigo primeiro-ministro com Armando Vara. Isto depois de ouvir as cassetes e ter concluído que não tinham nada de interessante, mandando-as destruir, com o acordo de Noronha do Nascimento, presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Se pensávamos que o descaramento ultrapassara tudo, o que dizer disto: «As cassetes foi uma estupidez que o Eng. Sócrates fez em não ter permitido a divulgação! Porque se permitisse a divulgação acabava-se a galinha dos ovos de ouro!». Na entrevista, Pinto Monteiro volta a dizer que só tinha visto José Sócrates «sete, oito, nove, dez vezes», sempre com outras pessoas presentes, antes do fatídico almoço, dois dias antes de o antigo governante ser preso.

Lamentáveis também os ajustes de contas: «Quando esse homem [João Palma] chega a procurador-geral adjunto, é o triunfo da mediocridade».

Recuemos agora 10 anos e alguns meses e vejamos o que disse a este jornal o então procurador-geral da República, quando questionado sobre se tinha sido apresentado a Sócrates pelo amigo comum Proença de Carvalho: «Sobre isso só posso dizer que ele [Sócrates] me convidou, eu disse que sim, depois fui a Belém e aceitei». À pergunta ‘mas é verdade que o primeiro-ministro conhece muito bem o seu irmão?’, respondeu: «É verdade que se dá muito bem com o meu irmão, que é professor catedrático em Coimbra». A Ana Paula Azevedo, parceira de entrevista, avançou: «Há três semanas, o SOL publicou um conjunto de escutas telefónicas que provam que houve fortes influências políticas para demitir o seu antecessor. O que pensa do facto de o primeiro-ministro ter tentado demitir o PGR e interromper-lhe o mandato?». «Não faço comentários políticos». Nova pergunta: «Em tese, concorda com a lei que proíbe a publicação de escutas telefónicas?». «Tenho profundas dúvidas sobre essa proibição». Quem tiver dúvidas sobre a veracidade destas palavras consulte o SOL de 20 de outubro de 2007.

As contradições entre o que disse e o que fez ficam para o leitor, mas não posso deixar de transcrever mais duas frases. Uma dita esta semana à RR e ao Público: «Devo dizer-lhe – sem medo, não tenho medo nenhum de nada –, eu apreciava o estilo de José Sócrates». E ao SOL em 2007: «Nunca tive medo de ninguém, nem seria ‘homem de mão’ de quem quer que seja». Pois…