Depois de ter conseguido decifrar o Enigma – código usado pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial – e ter desenvolvido os primeiros avanços que viriam dar origem aos computadores, o trabalho de Alan Turing pode voltar a ter um papel fundamental na sociedade e a salvar milhões de vidas.
Turing publicou um estudo na área da bioquímica. As ideias que propôs há 66 anos estão agora a ser utilizadas para travar uma guerra moderna: a batalha contra a falta de água potável, que poderá matar milhões de pessoas.
Na investigação, Turing sugere que dois compostos químicos – um provoca uma reação e o outro inibe-a – podem criar uma estrutura complexa. Este processo, chamado morfogénese, foi confirmado experimentalmente há quatro anos e estará na origem de processos como o desenvolvimento de riscas nas zebras.
Agora, uma equipa da Universidade de Zhejiang, na China, decidiu aplicar a teoria de Turing na produção de membranas poliméricas. No artigo publicado na Science, é revelado que, através deste estudo, os investigadores conseguiram produzir uma membrana que remove o sal da água salgada de uma forma mais eficaz do que os procedimentos aplicados atualmente.
No processo de morfogénese ocorre quando o inibidor se dissolve mais facilmente do que o ativador. Veja-se o caso das manchas nas chitas, por exemplo: o ativador produz pelos pretos, mas o inibidor suprime-os, deixando o resto dos pelos com a cor original e formando as manchas que distinguem este animal.
Agora, os investigadores da Universidade de Zhejiang criaram membranas poliméricas – umas com uma padrão circular e outras com um padrão às riscas. Quando visto em 3D, os investigadores descrevem estas membranas como “bolhas ou membranas em forma de tubo”, respetivamente.
Estas membranas têm cerca de metade da espessura das que são atualmente utilizadas para filtrar o sal da água. Este novo modelo deixa passar a água com uma maior facilidade e retém com maior eficácia o sal nela contida. Ainda não se sabe se será possível aplicar este método a uma grande escala, mas os investigadores irão agora trabalhar nesse sentido, ajudando, assim, a levar água potável a sítios que enfrentam uma escassez deste bem essencial – veja-se o caso da África do Sul, que nos últimos meses tem sido noticiado no mundo inteiro. Portugal também tem enfrentado grandes períodos de seca, como foi noticiado no final do ano passado.
Um herói improvável
Alan Mathison Turing foi um dos matemáticos mais importantes da História mundial. Durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhou para os serviços de inteligência britânicos, com o objetivo de quebrar o código Enigma, que mudava diariamente e obrigada os britânicos a decifrarem as mensagens em tempo recorde.
Turing criou a bomba eletromecânica, um equipamento que ajudaria a decifrar as mensagens dos alemães. Esta sua descoberta foi um dos passos mais importantes para que a Alemanha perdesse a guerra. Esta missão foi reproduzida no filme ‘O Jogo da Imitação’ – Alan Turing é interpretado pelo ator britânico Benedict Cumberbatch.
Em 1950, Turing assumiu a sua homossexualidade – foi humilhado publicamente, impedido de participar em várias conferências e condenado, dois anos mais tarde, a fazer uma terapia à base de estrogénio, o que equivale à castração química. Em 1954, foi encontrado morto no quarto, depois de ter tomado cianeto. Até hoje não se sabe se se tratou de uma morte acidental ou suicídio.
Durante vários anos, foram realizadas várias campanhas para que o governo britânico pedisse publicamente desculpas pela condenação de Turing. Apenas a 11 de setembro de 2009, o primeiro-ministro Gordon Brown pediu oficialmente perdão pelo tratamento preconceituoso dado a Turing. A 24 de dezembro de 2013, após um apelo do ministro da Justiça Chirs Grayling e a entrega de uma petição com mais de 37 mil assinaturas, a rainha Isabel II concedeu a Turing a Real Prerrogativa do Perdão.