Portugal-Espanha: Complexo de pequeno polegar

Um nunca mais acabar de derrotas, poucas vitórias. Oficial, só uma. Duas no tempo da guerra e outra sorridente: 4-0 em 2010.

SOCHI – Dir-se-á, sem medo de fazer uma tangente à verdade, que um Portugal-Espanha é bem mais do que um jogo. É de futebol que aqui se trata, mas poderia ser de outro desporto qualquer, hóquei em patins de preferência. Quando a Seleção Nacional se juntou pela primeira vez, em Dezembro de 1921, não havia outra solução que não realizar a sua estreia internacional frente aos espanhóis. Foi uma jornada inesquecível que ficou marcada por uma derrota inevitável. Vivíamos os tempos do pós-I Grande Guerra, a Europa reerguia-se das cinzas a pouco e pouco, as viagens não eram apenas complicadas, eram muitas vezes desaconselháveis. Assim sendo, entre Lisboa, Madrid e Sevilha, criou-se um eixo no qual a equipa de Portugal, ou equipa-de-todos-nós, como lhe chamou um dia o grande mestre do jornalismo Ricardo Ornellas, se foi desenvolvendo lentamente.

Entre 1921 e 1925, a seleção nacional realizou quatro jogos. Era o que se podia arranjar. Todos contra os espanhóis, como está bem de ver, e todos contabilizados na listagem das derrotas. 1921, Madrid (1-3); 1922, Lisboa (1-2); 1923, Sevilha (0-3); 1925, Lisboa (0-2). A superioridade da Fúria, como na altura se chamava à seleção espanhola, era desconfortavelmente evidente.

Por curiosidade, assinale-se que foi em 1925 que Portugal conseguiu a sua primeira vitória, e logo contra a Itália (1-0 em Lisboa), embora essa Itália ainda estivesse longe da que veio a dominar o futebol mundial nos anos 30.

Recuperámos o hábito de defrontar a Espanha em 1927 e 1928, com mais duas derrotas por igual número: 0-2. Seguiram-se mais três (0-5, 0-1 e 03) até ao primeiro jogo oficial, a contar para a fase de apuramento para o Mundial de 1934. Novo desastre. Tínhamo-nos transformado no saco de pancada do vizinho do lado: 0-9 em Madrid; 1-2 em Lisboa. Até um fadinho trocista foi composto para gozar com os pernas-de-pau: «Quando a seleção trabalha/Como eu quero/Então é que não falha/Nove a zero».

As vitórias que não valeram

Em 1935, a seleção comandada por Cândido de Oliveira fazia história: pela primeira vez não perdeu com a Espanha – empate 3-3 graças a dois golos de Pinga e um de Soeiro Vasques.

A vitória anunciava-se.

Aconteceu num ambiente sinistro, em Vigo, em novembro de 1937, numa exibição lamentável de apoio ao regime franquista que dominava já, na altura, a maioria do território espanhol.

A seleção de Espanha era uma manta de retalhos, com muitos jogadores acabados de chegar da frente de batalha, e só representava verdadeiramente uma das fações em conflito pois os republicanos mantinham-se nos seus postos. Portugal venceu por 2-1, repetindo a proeza no ano seguinte, em Lisboa (1-0), mas estes dois jogos nunca foram reconhecidos pela FIFA devido às suas condicionantes.

Seria, assim, necessário esperar pelo dia 26 de Janeiro de 1947 para que um triunfo dos autênticos brilhasse com fulgor no meio de tantos resultados negativos. No Estádio Nacional, os portugueses bateram os espanhóis por 4-1, com dois golos de Travassos e mais dois de Araújo.

Ficaria como um dos momentos eternos do futebol português.

A vingança surgiu de pronto nas eliminatórias para o Campeonato do Mundo de 1950, no Brasil – 1-5 e 2-2.

E aproveitamos a deixa para entrarmos na estatística dos jogos oficiais, que não sendo muitos – o de hoje, aqui em Sochi, é apenas o nono entre as duas equipas ibéricas – pendem claramente para a equipa que nos fica do outro lado da fronteira do Caia.

Em 1984, na fase final do Europeu de França, empatámos 1-1. Mas até aí a Espanha ficou melhor: em seguida Portugal não passou da meia-final e o seu opositor chegou à final com a França.

Em 2004, na fase de grupos do nosso Europeu, vitória única (1-0, golo de Nuno Gomes) jamais repetida. Em 2010, na Cidade do Cabo, nos quartos-de-final, fomos eliminados por um golo de Villa, com muito de duvidoso, é certo, mas que o árbitro validou. Mais dramática foi a meia-final de Donetsk, em 2012, para o Europeu da Polónia/Ucrânia. Zero a zero com desempate nos penaltis: 2-4.

A subalternidade dos portugueses face aos espanhóis tem sido dolorosa. Pequeno consolo o da vitória num particular (4-0, na Luz) no tempo em que os nossos vizinhos eram campeões do mundo…