Bruno de Carvalho. ‘O ataque a Alcochete foi um crime brilhante’

O primeiro presidente do Sporting destituído em AG refuta o rótulo de bélico, insiste na ilegalidade das comissões que gerem agora o clube e promete tudo fazer para mostrar que o crime não compensa.

Confirmou esta segunda-feira ter impugnado a Assembleia-Geral de dia 23 de junho, onde foi destituído da presidência do Sporting. Como está esse processo? Acredita que será candidato às eleições de 8 de setembro?

Sim, acredito que serei candidato às eleições de 8 de Setembro. Em relação ao processo, tem de ver perante o juiz a quem calhou.

Ainda que a AG venha a ser considerada ilegal, a verdade é que os resultados foram inequívocos contra si. Como os interpreta?

Quem viveu a AG verificou que das dezenas de intervenções que foram feitas, apenas cinco foram contra. Por isso, independentemente do que eu acho dos resultados, se foi 71-29 ou 60-40, deu uma palavra inequívoca sobre a vontade maioritária dos sócios. Que às vezes pode não coincidir com a vontade dos votos. Quando temos a maioria das pessoas a favor da continuidade de um presidente, devemos ter algum cuidado. Era de elementar bom tom, em primeiro lugar, aquela AG não ter sido feita naqueles moldes. E, em segundo lugar, não estarmos com processos disciplinares para tentar afastar pessoas de eleições, até porque aquilo que se pretende é calma, paz, unidade e coesão. Há uma leitura política: muito mais do que metade dos sportinguistas que ali estavam queria a manutenção do presidente.

Assim sendo, como é que esses números se justificam?

Quando existem associados que têm 2 votos e outros 25, isto diz tudo. Tenho 46 anos, você não, mas tem os mesmos votos que eu para o Presidente da República. Não estou a dizer que sou apologista disso, acho que deve haver alguma diferenciação. Já vi documentos que diziam que cerca de 12 mil e tal associados tinham votado a favor da não-destituição e cerca de três mil a favor da destituição. Está a ver a disparidade!

Ainda relativamente à AG, algumas pessoas sentiram-se intimidadas – vimos na televisão imagens de insultos e tentativas de agressão a Álvaro Sobrinho. Como explica esse clima de hostilidade em relação aos seus adversários?

Não podemos generalizar – ao fazê-lo você está a querer rotular os apoiantes de Bruno de Carvalho e isso não é bonito. Álvaro Sobrinho dirigiu-se a associados dizendo: ‘O Bruno de Carvalho já foi com o… (um palavrão parecido com o meu nome) e os próximos são vocês’. Isso originou ali uma altercação que foi de imediato parada. Se você fosse ofendido num sítio qualquer, também acho que reagiria…

Mas esse não foi o único caso de que tive conhecimento. Ouvi também que uma pessoa que abandonou a sua direção teve de procurar proteção policial porque se sentiu ameaçada…

Olhe, eu não ouvi absolutamente nada nem vi violência nenhuma. Vi uma série de intervenções de pessoas a favor da não-destituição, vi nas imagens Álvaro Sobrinho a ser extremamente indelicado com sócios do Sporting e vi seguranças por parte de alguém que pertenceu à minha direção em 2013 agredirem quatro sócios, um dos quais com cerca de 70 anos. Podemos continuar nesta tentativa de colocar que os adeptos do Bruno de Carvalho são muito bélicos, mas não acho que seja justo.

Falando para leigos: como estavam as finanças do Sporting quando deixou a presidência?

Excelentes, já viu que já há oito candidatos?

Não quer dizer que elas estejam fantásticas…

Ai quer dizer, quer. Quando o Sporting devia 500 milhões, quem avançou? Eu tinha zero nas contas bancárias em 2013 e aí sim com os atletas a poderem rescindir todos com justa causa.

Por salários em atraso?

Três meses. Aí não havia advogado que resolvesse ou FIFA que resolvesse. Mas os sportinguistas já se esqueceram. Neste momento o Sporting tem dinheiro nas contas, não tinha necessidade de ter passado por nenhuma penhora quando as coisas estavam todas resolvidas, havia dinheiro e havia as negociações e os instrumentos necessários para resolver tudo com a Segurança Social e o Fisco. O Sporting não tem salários em atraso, pelo que ouvi dizer tentou trazer a equipa técnica portuguesa mais cara de volta – foi Jorge Jesus que o disse – e está a fazer melhorias salariais a vários jogadores. Portanto, mesmo um leigo percebe que se há coisa que não falta é dinheiro.

Mesmo com o falhanço do apuramento para a Liga dos Campeões? Na altura assumiu que foi um rombo financeiro forte…

Claro que assumi, e por isso a necessidade de aumentar o volume do empréstimo obrigacionista.

Não acha que confiou demasiado no ‘e se…’? Mesmo que tivesse terminado em segundo, o Sporting ainda tinha de passar duas pré-eliminatórias.

É a mesma coisa de alguém chegar com o clube em 14.º, subir para sétimo e no ano a seguir ir diretamente à Liga dos Campeões. Eu não tenho medo dos ‘e ses’: eu sou o homem que faz acontecer. E fiz! Pela segunda vez na história não fomos às competições europeias, mas passámos de 100 milhões negativos para 52 milhões positivos.

Fala muitas vezes de si como o único capaz de salvar o Sporting do abismo. Não concebe que algum dos outros sete candidatos possa vir a fazer um bom trabalho?

Depende do que os sportinguistas quiserem. Neste momento, creio que a primeira coisa que deveriam fazer era ser honestos e claros no que é o seu projecto e deixar os sportinguistas decidir. Há linhas-mestras que os sportinguistas vão ter de enfrentar nestas eleições: 2013 foi importante para a questão financeira – estávamos numa realidade de falência. Neste ano vivemos uma realidade completamente diferente. O que claramente queremos, e provei durante cinco anos que era possível, é manter no clube a maioria da SAD e o pavilhão. As outras candidaturas têm de dizer a verdade: não me parece que seja cordial haver acordos que não estejam a ser passados aos sportinguistas. Os candidatos têm de ser absolutamente claros: têm de explicar que não querem a maioria da SAD no clube, não querem o pavilhão no clube e não querem a continuação do investimento nas modalidades. Pode ser que os sportinguistas queiram seguir esse caminho, e podem fazer um excelente trabalho nesse caminho – quem sou eu para dizer o contrário? Agora, não gosto é que os sportinguistas não saibam em que estão a votar. Se o plano for perder a maioria da SAD e deixar de investir nas modalidades porque se querem focar no futebol, for colocar todo o património na SAD para lhe dar mais arcaboiço e correr o risco de vir um dono que pode fazer o que quiser, as sete candidaturas podem fazer um excelente trabalho. Deixem é os sportinguistas escolher qual o projeto. Dentro do que defendo, ninguém interpreta melhor do que eu, até porque não preciso de herdeiros – não morri, existo e o meu projeto mantém-se de pé.

Caso seja eleito, e não contando com o apoio da Holdimo e de outros, como é que isso vai influenciar as relações com os acionistas? Só a Holdimo detém 30%…

São 30% que passam para 10% a seguir à negociação financeira. Acho que a Holdimo tem um plano para o Sporting que não é o adequado. Porque a grandeza e a força do Sporting é a SAD pertencer ao clube. Se a SAD deixa de pertencer ao clube deixa de ser valiosa. Já tentei explicar isto ‘N’ vezes. Falou da Holdimo e de outros – não há outros. Não tenho nenhum problema com nenhum acionista, e com a Holdimo também não, a não ser esta tomada à força de poder. Estamos a falar de um clube com 112 anos, que não é campeão há 16 e tem 3,5 milhões de adeptos. Temos que os respeitar. Se as coisas não correram bem perante o investimento e o retorno que queriam, vamos sentar-nos como homenzinhos e vamos definir a recompra.

Acha que o facto de a oposição a si estar dividida em tantas candidaturas lhe dá vantagem?

Não faço esses cálculos. Não sou um homem da ciência política, prefiro que, haja o que houver, sejam sinceros, não aconteça o que aconteceu em 2011, em que a uma semana das eleições fizeram uma reunião em casa de um sportinguista com todas as candidaturas, todas. Voltámos ao projeto de 2011/2013, em que todos pudemos ouvir numa gravação de José Maria Ricciardi que a SAD ia ficar com o futebol e o futsal. Nunca acreditei e combati isso . Os grandes economistas diziam que não era possível os clubes darem lucro – o Sporting deu lucro nos cinco anos que lá estive. Diziam que era impossível as SAD darem lucro – eu provei que davam lucro, tive um mandato perfeitamente positivo. 

A 1 de Julho de 2017 disse numa gala: ‘Eu, perante Jesus, posso prometer que daqui a um ano estaremos a comemorar o título de campeão nacional de futebol sénior’. Um ano depois, o Sporting ficou em terceiro lugar. Como pode prometer uma coisa que não depende de si?

Está a confundir situações. Comigo, as coisas resolvem-se. Nunca me escondi, nunca disse ‘afinal a situação é muito pior do que eu julgava’. Se acontece um problema, tem de se resolver. Isto é muito diferente de um presidente dizer que está em todas as competições para ganhar. Umas vezes ganha, outras não ganha. Outra coisa é resolver os problemas, e isso resolvi sempre todos. E espero continuar a fazer esse trabalho a partir de dia 9. Se a situação fosse tão dramática ou problemática, eu também podia ter algum receio de voltar. Não tenho nenhum. Cá estou eu a dar a minha vida, o meu corpo, a minha mente, o meu trabalho, a minha capacidade para resolver qualquer problema. Quanto aos resultados, a única coisa que pude fazer foi o maior investimento de sempre no futebol: 100 milhões. Infelizmente não obtivemos o resultado que queríamos, minimamente, e relembro que se não fosse um penálti falhado ao minuto 95 por um jogador do Braga tínhamos ficado em quarto lugar… O que ainda era muito mais trágico.

Continua a considerar que o Jorge Jesus fez um grande trabalho no Sporting? Em três anos ganhou uma Supertaça e uma Taça da Liga…

Não vou comentar. 

Porquê?

Porque gosto muito mais de olhar para o futuro, de aprender com o passado e ser muito mais contido naquilo que digo. Tenho agora uma equipa que é muito melhor a falar do que eu. Eu sou muito melhor a gerir, a liderar e a criar estratégias.

Em entrevista ao nosso jornal a 1 de fevereiro do ano passado disse que no dia em que despedisse Jesus era maluco. Despediu-o ou não?

Só vou dizer uma coisa: em primeiro lugar, não preciso de esperar por dia 9 para dizer nada. Um candidato já disse que tinha a solução para os jogadores não saírem, e a verdade é que saíram todos. Não pôs o seu sportinguismo à frente, se tivesse essa solução tinha-a utilizado e até tinha colhido vantagem. Agora já diz que se for eleito vai contar tudo sobre a época de 15/16. Pois eu digo-o sem problemas: nós ganhámos o campeonato em 15/16 e as provas estão nos e-mails.

A verdade é que sobre o Sporting também pende uma investigação do mesmo género: o caso Cashball. Como justifica essa investigação?

Vou ser muito duro e taxativo: para mim, resulta do fecho do Júlio de Matos. Ouvi que várias secções fecharam, e a pessoa que foi dar a entrevista a troco de dinheiro deve ter ficado sem alojamento. Aquilo não é jornalismo. Eu depois mando-lhe o link da pessoa que melhor definiu o processo Cashball: chama-se Ricardo Araújo Pereira. Explica as mensagens, explica tudo.

Isso quer dizer que confia em André Geraldes?

Com certeza absoluta. Podem reproduzir as palavras dele como minhas para explicar as mensagens, o processo. E eu não acredito em coincidências…

Acredita mais em conspirações?

Claro que sim, porque o ser humano é feito disso. O facto de ter saído uma entrevista na capa de um jornal – um indivíduo que já se sabe que foi pago para dar essa entrevista – obriga a que a administração da SAD, comigo incluído, passe o dia todo em reuniões com o departamento jurídico, quando eu próprio no dia anterior tinha prometido aos jogadores estar presente nesse treino, e de repente somos colocados por um não-facto que é preciso ter respeito, porque uma capa daquelas mexe com o bom nome, com as famílias das pessoas envolvidas. E de repente há um ataque na Academia. Acho que isto tudo foi muito bem planeado, e apesar de ser um crime, tenho de tirar o chapéu a quem fez o planeamento. Foi ao detalhe.

Quem considera que poderá estar por detrás disso?

Isso tem de perguntar à polícia, mas tenho a certeza de que a polícia já tem suspeitos.

Por falar em Alcochete, houve jogadores que regressaram. Teme que, se for eleito, esses jogadores queiram sair novamente?

Na altura disse que, se os jogadores voltassem atrás, eu apresentava a demissão. Nenhum voltou atrás. Fui claro: era virem e não irem embora caso eu concorresse. Se o problema fosse Bruno de Carvalho, já tinham voltado antes e eu tinha apresentado a minha demissão. Eu estou a concorrer, já voltaram, portanto está tudo correto.

Consegue explicar o facto de aparentemente os jogadores olharem para si como o ‘mastermind’ do ataque? Chegou a dizer que a verdadeira motivação deles era dinheiro…

Havia jogadores que há muito tempo queriam sair. E havia alguns jogadores que eu queria que tivessem saído há muito tempo, não por serem maus jogadores, mas porque acho que chega um momento em que os jogadores querem sair não lhes deve ser negada essa vontade. Temos de ter a capacidade de gerir os interesses do clube mas também do ser humano. Apenas não saíram por insistência do treinador, como elementos que seriam fundamentais para ganhar o título. Confesso que as notas de culpa são lamentáveis naquilo que se refere à minha pessoa. Também percebo, e já ouvi isso por parte de vários especialistas, que seja normal que os jogadores considerem que este tipo de atitudes venha dos presidentes. O Jorge Jesus disse que aconteceu várias vezes no Seixal e que os jogadores achavam que tinha sido Luís Filipe Vieira. O mesmo no FC Porto. Aliás, pode perguntar ao Raphinha: foi na mesma época, não foi há 20 anos. Tochas, agressões. O que correu muito mal foi terem-me afastado dos jogadores. Acho que isso também quer dizer muita coisa.

Essa perceção não pode advir do excesso de proximidade com as claques? Alguma vez lhes pediu para dar uma palavrinha aos jogadores?

Não preciso que ninguém motive os jogadores nem lhes dê palavrinhas. Quando cheguei ao Sporting em 2013, era normal as claques fazerem ataques às bombas de gasolina, situações de violência programadas via internet… Desde que eu cheguei houve zero. Cheguei e disse claramente a todas as claques: ‘Quem manda sou eu e não admito nada que prejudique o Sporting’. E a verdade é que mais um adepto do Sporting foi morto e viram zero de retaliações. Fica claro para quem quiser ver qual era a minha regra para com as claques: onde eu estou, sou eu que mando. As claques servem para apoiar, não servem para mais nada. A teoria do apertãozinho é tão ridícula quanto isto: quem é que se lembraria de dar no fim do campeonato e a quatro dias de um jogo com o Aves (por muito respeito que tenha pelo Aves)? Em cinco anos, nunca permiti que grupo nenhum, claques ou não claques (e o Sporting está cheio de grupos), tivesse influência no que é a gestão corrente. Repare: quem foi o único prejudicado?

Além dos jogadores e equipa técnica, que foram agredidos?

Dos que foram realmente agredidos… Certo. Mas qual foi o verdadeiramente prejudicado? Ofendido, maltratado, difamado, caluniado? A casa e a família que foi atacada foi a minha, porque a Academia é a minha casa e os jogadores a minha família, já o disse várias vezes. Mas a compreensão foi toda para um lado e as dúvidas ficaram todas para o outro. 

Chamou ‘meninos mimados’ aos jogadores. Ao falar sobre o ataque à Academia disse que começou com insultos dos jogadores aos adeptos. Quando vimos a claque atirar tochas contra o Rui Patrício nunca deu uma palavra sobre isso. Veio várias vezes a público puxar as orelhas aos jogadores mas nunca os defendeu. Não estaria a contribuir para virar os adeptos contra os jogadores e criar um clima de confrontação?

Por ‘n’ vezes em público defendi claramente os meus jogadores, de todas as modalidades, e sempre fui claro: são minha família. Em Chaves, em Portimão na Taça da Liga, e noutras situações graves, coloquei-me à frente de centenas de adeptos para que não chegassem perto dos atletas. O post de Madrid e dos ‘meninos mimados’ levou a seis vitórias e a seis voltas olímpicas e a única pessoa que sofreu represálias fui eu, no jogo com o Paços de Ferreira e na véspera de saber se a minha filha ia viver ou não. No dia a seguir abri a rádio e ouvi que o Jaime Marta Soares tinha pedido a minha demissão. Só vi mais tarde, porque estava com problemas familiares conhecidos, no fim do jogo da Madeira, atletas a não ter a melhor reação possível perante críticas.

Eram mais insultos e ameaças do que propriamente críticas…

Mas nós todos que estamos no desporto temos de saber muito bem que um dia vão-nos chamar heróis e noutro dia bestas. Este presidente teve 90 por cento e agora está neste processo. O cliente tem sempre razão? Não. Mas não é por esse motivo que você, se tem um estabelecimento, não lhe tenta agradar. Os jogadores deviam ter tido calma. Se alguém naquele prédio me começar a ameaçar para mim é igual. Critico quem estava na bancada a dizer barbaridades, mas os jogadores em vez de compreenderem e irem embora retaliaram. Se os adeptos estão na bancada e eu sou jogador e estou no relvado, tenho de saber que se acabei de perder a hipótese de ir à Liga dos Campeões, se acabei de dar uma frustração aos adeptos, tenho de compreender! E porque é que está a falar do Rui Patrício, de terem atirado tochas ao Rui Patrício? Já disse que aquilo foi uma estupidez. Chega de me apontarem o dedo!

Não estou a apontar o dedo. Só perguntei por que não condenou.

Condenei, disse que foi uma estupidez! Porque é que fala do Rui Patrício? Não foi uma situação com o Rui Patrício, foi uma situação com o meu relvado, que mo queimaram todo.

Vê? Parece que está mais preocupado com o relvado do que com o jogador.

Mas ninguém atirou nada para cima do Rui Patrício! O Rui levou com alguma coisa? Não! Aquilo não teve nada a ver com o Rui Patrício, tinha a ver com um jogo de não sei onde que está na net e que eles queriam imitar. Acharam aquilo lindíssimo e fizeram igual. Se fosse o Varela você não me fazia a pergunta.

Pois não.

Pelo menos admite. Mas o Varela não é uma pessoa?

Era grave na mesma. Mas a questão que se estava a discutir era se os adeptos do Sporting estavam contra a própria equipa – se fosse o Varela isso já não se colocava.

Então era só voltas olímpicas e estavam contra a equipa?! Por amor de Deus!

Uma coisa é o público em geral, outra coisa é haver uma fação que possa estar contra a equipa.

Uma fação?! Viu quantas tochas atiraram? Aquilo teve a ver com o aniversário da Juve. Está a falar de um jogador a quem, no dia do guarda-redes, eu mandei uma fotografia dele com a minha filha em 2010. Disse: ‘Estás a ver Rui? Nesta altura mal imaginavas que eu ia ser o teu presidente. És o melhor guarda-redes do mundo, parabéns pelo dia do guarda-redes’. Para que é que estão com tangas? Mas alguma vez eu permitia que fizessem algum mal a um jogador meu? Se não tivesse sido aquela notícia do Cashball eles entravam e saíam passados cinco segundos. Podiam vir 200 encapuçados. Não entravam, garanto-lhe! Ou eu não estava aqui ou eles não entravam. E como eu garanto que estava aqui eles não entravam. Impossível. Podiam ir mandados não sei por quem, não entravam. Por isso é que digo: chapéu! Chapéu por me terem prendido em Alvalade. Porque lhe garanto: não tinham passado as portas de vidro!

Porque tinha autoridade sobre eles ou porque ia enfrentá-los?

Ia-me a eles. Em cinco minutos iam-se embora dali. Eu nem sei quem são, não vi quem são, qual autoridade? A autoridade é que onde estou mando eu. Garanto que tinham ido todos embora, e não é porque conheça nenhum. Onde estou mando eu. E o resto direi à Polícia o que tenho a dizer sobre a Academia. E há tanto a dizer sobre a Academia.

É polémico, sabe disso e aparentemente gosta de cultivar esse estatuto. Após ser reeleito no ano passado, disse em direto: ‘Bardamerda para quem não é do Sporting’. Não lhe passou pela cabeça que estava a ser ofensivo para quem não é do Sporting, que são milhões de pessoas?

Não são milhões, são biliões. Ofendi seis biliões de pessoas? A questão é a seguinte: estive o dia todo, num dia de eleições, a ser ofendido por um programa específico. E quando ganhei, disse: ‘Para aqueles que passaram o dia todo nas televisões a comentar, os paineleiros e jornalistas que me chamaram de popular, demagogo e tudo, vou usar uma frase célebre do meu tio-avô: bardamerda para todos os que não são do Sporting’. Ao dia de hoje, eu tinha melhorado a frase: dizia ‘bardamerda para o paineleiro’. Saiu assim. Nem sempre somos felizes no que dizemos. Seja como for, essa frase tinha um contexto, e dentro do contexto não tinha maldade nenhuma.

Admite que houve momentos, durante esta fase em que se excedeu e perdeu um bocado as estribeiras em função do cavalgar dos acontecimentos?

Admito que a minha vontade de missão para o Sporting tenha descurado a minha imagem. A nível político, isso foi uma ingenuidade. As pessoas que estavam comigo encararam a frase ‘A uma só voz’ da forma mais egoísta possível, que é ‘faz tu’. Não é que as pessoas não tenham outros raciocínios, mas se temos uma reunião é para remarmos todos para o mesmo lado. E isso não aconteceu: foi mesmo um ato solitário. Politicamente, não tratei da minha imagem e devia tê-lo feito. Há tanto interesse no desporto, o Sporting estava tão arredado de tudo… Das maiores tristezas que tive na minha vida foi a primeira vez que fui ao sorteio da Champions no Mónaco. As pessoas não sabiam quem era o Sporting! Foi um banho de água fria. Percebi que tinha um trabalho hercúleo pela frente. Passava pela cabeça de alguém que há cinco anos o Sporting andasse a reboque dos outros dois e aceitasse menos 20 por cento? Eu cheguei à NOS e disse: ‘Sou o Sporting e quero o melhor contrato!’. E fiz o melhor contrato. Não teve a ver com impulsividade, teve a ver com um processo de aprendizagem. E é por isso que o Sporting não deve trocar de presidente: nós não aprendemos nada nas coisas boas. Agora, que já passei por tudo, pelo ato de solidão e que tenho todo este know-how seria dar um passo atrás tremendo. Sempre pensei que os resultados apagariam qualquer pequeno erro. Nem sempre disse a frase mais feliz. E erros desses cometi bastantes – e aprendi.

Usou uma palavra muito associada ao poder: solidão. Estamos habituados a vê-lo em contextos públicos e como alguém combativo. Como são esses momentos de solidão?

Lidar com a solidão de um indivíduo que se chama Bruno de Carvalho é muito difícil porque eu sou um perfecionista, e a primeira pessoa a quem cobro é a mim próprio. Portanto, os meus momentos de solidão são momentos de grande reflexão.

Está a pensar sempre no Sporting?

Sempre. Não consigo fazer de outra forma. A pensar no que podia fazer melhor. Quando acabou essa AG fui para casa pensar em tudo, o que queria dizer aquela votação, como ia enfrentar a situação.

Nas semanas loucas pós-Alcochete quantas horas dormia por noite?

O mesmo de sempre: três, quatro horas.

Esse ritmo não tem um limite?

Não sei, mas não sou um caso raro. Há muitas pessoas que acham que vão ter tempo para dormir quando morrerem, outras acham que o dia é demasiado curto e precisam de aproveitar o máximo possível. Sempre me entreguei às coisas com muita dedicação, e aqui há dedicação e paixão, porque ser do Sporting é uma paixão que se entranha dentro de nós. E por isso às quatro, cinco, seis da manhã… Porque há sempre alguém para falar, coisas para fazer, ou é um clube na China ou na América, porque o mundo está sempre vivo, o nosso período noturno é o período diurno de outras pessoas. Pena era quando acordava a minha mulher às quatro da manhã para perguntar se já tinha mandado o e-mail e ela tinha de o mandar. Aí é que eu acho que exagero um bocadinho. Mas quando são assuntos delicados acho que as coisas devem ser feitas no momento. Depois do que aconteceu em Alcochete e sobretudo dos dedos que se viraram, se essas três, quatro horas não foram muito piores? Ah, isso de certeza que foram. Mas faz parte do processo de aprendizagem.

Houve um momento em que pôs essa paixão em causa quando escreveu no Facebook que não ia mais regressar às bancadas nem vibrar com as vitórias. Isso foi por estar muito magoado?

Em primeiro lugar, as pessoas tiveram de ser umas notívagas para ler isso, porque isso foi posto às cinco da manhã e alterado às oito ou nove. Isso é a mesma coisa que chegarmos ao pé de um filho que acabou de fazer uma coisa muito má e dizemos-lhe: ‘Nunca mais na vida te quero ouvir!’, não diz nada. Foi um momento de três, quatro horas de impulsividade, de um sentimento de traição tremendo, pelo qual pedi desculpa logo a seguir.

O facto de ter sido no fim de um dia tão extenuante…

Cheguei a casa cerca da uma da manhã e da uma às quatro o processo foi: pegar numa folha, numa caneta e pensar ‘o que é que eu fiz para isto?’. Então fiz uma folhinha e pus prós e contras. ‘Tenho de ter feito alguma coisa de muito grave que se calhar está-me a escapar’. E houve um sentimento de traição tremendo quando acabei. ‘Não é possível, não há nada que equivalesse à humilhação de passar pelo que passei’. E vou dizer mais: eu dou-vos mil euros se me disserem qual a justa causa que as pessoas votaram na AG para me destituir. Vocês sabem? 

Não. 

Pois também ninguém sabia ontem. Inacreditável. Se os sportinguistas lerem aquilo a que acabaram por dizer que sim, vão perceber o meu sentimento de frustração e traição. Foi muito grave. Em primeiro lugar, tudo aquilo tinha a ver com a SAD, não com o clube; em segundo, o apontarem-me o dedo de tudo. Já perguntei a centenas, se não milhares de sportinguistas, o que votaram. Ninguém sabe.

Mas isso não é uma formalidade? O que estava em causa era se as pessoas queriam ou não a sua continuidade…

Ponto número 1: tinha tudo a ver com a SAD. Você não vai destituir o presidente do clube por assuntos da SAD. No máximo chega ao clube e diz: ‘Não queremos que este continue a ser o nosso presidente na SAD’. Ponto número 2: na conferência de imprensa de apresentação da AG foi dito por Marta Soares: ‘Mesmo que seja destituído, é claro que Bruno de Carvalho se poderá recandidatar’. Houve muita gente que foi enganada votar na destituição. Já tive muitos sportinguistas que chegaram ao pé de mim a dizer ‘presidente, desculpe. Votei a favor e agora já percebi o mal que fiz’. Segunda versão: ‘votei na destituição para você ir a eleições e sair ainda mais reforçado’. Não foi um formalismo, as pessoas foram enganadas, imbuídas de um espírito para haver eleições para os órgãos todos e não ligaram nenhuma a uma justa causa que me deixa tão ofendido como a dos jogadores. Esse foi o meu sentimento de traição. Aliás, uma das poucas pessoas que tomou atenção à leitura foi lá acima, rasgou os votos, lançou-os e disse ‘Jamais, sendo a favor ou contra esta direcção, eu podia votar uma barbaridade destas’.

Mas o que dizia mesmo a justa causa?

Foi quase parecido com o que foi alegado pelos jogadores. As rescisões, Alcochete… de bradar aos céus. Mas essa não é a preocupação. O sportinguista só vai dizer ‘era para a destituição ou não’. Não: foram lá aceitar a justa causa. Isto é a mesma coisa que vocês chegam ao jornal e têm um processo disciplinar em cima com uma justa causa onde vos acusavam de tudo: que roubaram o jornal, que se aproveitaram para a vossa vida pessoal e familiar. Levavam com a nota de culpa e diziam-vos: ‘Apesar de a lei vos dar direito a responderem, nós não vos damos esse direito’. E isto foi o que me fizeram, a mim e aos meus colegas: chegaram à AG, disseram barbaridades e abriram a votação. Quando lá chegámos, foi estranho dizer que não podíamos falar.

Teve algum médico a acompanhá-lo, a aconselhá-lo nesta fase?

Não. Ouvia tantos na televisão que não era preciso [risos]. Tantos a definir o meu prognóstico… Como nenhum acertou, não escolhi nenhum.

Eduardo Barroso foi um deles.

Se estivessem comigo, tinham percebido perfeitamente que não estava a sofrer de nenhum daqueles males. Mas atenção: não é por as pessoas apoiarem outras candidaturas que deixo de ter carinho por elas. Por exemplo o Eduardo Barroso, que sofreu um enfarte, já consegui falar com o filho. A amizade é bonito e devemos ter sempre esses valores acima de tudo.

A sua família também deve ter sofrido imenso…

A minha família tem uma característica boa… que é ser minha família. Somos todos feitos de uma massa diferente. Não queremos passar por esta vida só por passar. Queremos olhar para trás e sentir que valeu a pena, que marcámos. E obviamente quem tem estas características tem muita gente contra. Faz parte. Você pode limar pessoas, pôr um coaching, pôr um psicólogo, mas não põe dentro delas as características inatas de liderança e de carisma.

Nunca lhe cobram não estar em casa, faltar um aniversário?

Faço questão de não faltar aos aniversários, de ir a todas as consultas médicas, de estar presente nos momentos mais importantes. [Com ironia:] Se for preciso, faço questão de dar uma entrevista para me verem na televisão e sentirem a minha companhia.

Na entrevista que nos deu no ano passado, dizia que o cansava tanta exposição mediática. Não sente que por vezes também se deveria resguardar?

Tive uma evolução em termos de entrevistas. Em três entrevistas seguidas, na primeira disse: ‘quando me oiço, aborreço-me a mim próprio’; na segunda, disse: ‘sempre que me oiço, acho que é um louco que está a falar, só depois me apercebo que sou eu’; e, na terceira, ‘fazia lembrar os velhotes na janela aos gritos a quem já ninguém liga nenhuma’ [risos]. Isto foi a minha degradação percebida e percetível. Não houve ninguém na equipa que se interessasse por pôr fim a essa degradação. Nos momentos de solidão, faço uma análise muito exaustiva e não tenho medo de dizer o que sinto. Não é qualquer pessoa que diz que se sente um velho à janela a quem já ninguém liga nenhuma, ou que parece um louco e depois vai ver e é ele próprio.

Se for eleito vai manter o José Peseiro no banco?

Não tenho nenhum problema, falo com o José Peseiro há anos. Tenho de definir. Chegar, ver, entender os contornos de tudo, saber o projeto que tenho para o futebol e tomar as decisões, mas cara a cara e com a lisura que sempre fiz. Não quero tomar decisões precipitadas, ainda por cima para com alguém com quem sempre tive o máximo respeito – e vice-versa -, várias vezes almoçámos juntos.

Como viu as acusações que Sousa Cintra fez a Mihajlovic e que levaram àquela destituição em tempo recorde?

Não queria entrar no ato em si, porque isso também tem a ver com o dia 9. Quando cheguei ao Sporting estávamos a dever ao Paulo Sérgio, ao Sá Pinto, ao Oceano, ao Vercauteren, que não lhe tinha sido pago um tostão, ao Jesualdo e ao Domingos. E a falar com todos se resolveu, portanto havemos de resolver. Há uma coisa que nunca farei na vida: pedir a um piloto de avião para pegar num microfone para despedir um treinador. Isso, que o Cintra fez ao Bobby Robson, nunca farei. Nem despedir pessoas por e-mail.

Há quanto tempo não faz férias?

Dois dias contam?

Pelo menos uma semana…

Há dez anos.

Nunca sentiu que precisava?

Todos os dias.

Porque é que não vai?

Porque não consigo. Tinha as minhas empresas, depois a Fundação Aragão Pinto, e o Sporting. Percebi que quando voltava nas de uma saída de dois dias tinha o terror de ter de resolver tudo, porque a minha secretária tinha lá a torre Eiffel, ou mais a torre de Pisa, de tantos papéis. Preferia não ir. Eu instituí nos estatutos que o presidente tinha de assinar tudo.

Porquê?

Porque acho que um presidente que não está dentro dos assuntos todos não é um presidente. Custa-me ouvir um candidato a dizer que a primeira coisa que vai fazer é contratar um CEO. Ou candidatos que têm empresas e dizem ‘eu não venho ganhar nada para o Sporting’. Mas vai deixar as empresas? Não podemos voltar a ter o Sporting a ser gerido uma a duas horas por dia. A maior parte das pessoas continua a ver a candidatura a um clube como lugar de prestígio e poder. Eu prefiro atribuir todo esse prestígio e poder aos meus colegas e fechar-me a trabalhar. Não preciso de chegar a um restaurante que não conheço de lado nenhum e ter alguém a dizer: ‘Sotor, está aqui a sua mesa’.

Qual foi o pior ataque de todos, o que mais o magoou?

Houve duas coisas que me magoaram enquanto ser humano. O velho caso do cuspo, que eu achava que estava prestes a ser resolvido. Acho que uma das coisas mais reles é essa atitude.

De cuspir?

Sim. Custou-me um dia estar na tribuna a fumar o meu cigarro e ouvir uma criança de seis anos dizer: ‘O presidente está a cuspir, o presidente está a cuspir!’. Marcou-me. É um assunto que quero levar até às últimas consequências, porque tem a ver com os meus princípios e com os meus valores.

E a outra coisa?

Terem-me apontado o dedo num caso de crime – fosse [responsável] moral, fosse direto, fosse indireto. Podem dizer que falhei em muita coisa, podem dizer que fui impulsivo, que podia ter usado outras palavras, agora meterem-me em coisas reles como em cuspo e em crimes choca-me e magoa-me. Até porque sempre disse que se queriam um presidente mafioso não contassem comigo. Gosto muito de trabalhar, 24 sobre 24, e tenho noção de que ganhar é o objetivo, ser segundo é o primeiro dos últimos, mas não vale tudo para ganhar. Foram os dois momentos que me entristeceram mais a nível de calúnia e dos ataques que me foram feitos.

Não posso deixar de lhe fazer esta pergunta. Aqui há tempos, os membros demissionários do conselho diretivo escreveram um artigo de opinião e em resposta chamou-lhes ‘ratos vendidos’, ‘traidores’, ‘vendilhões do templo’ e ‘cobardes’. Noutro post do Facebook falou de uma ‘elite malcheirosa’, de ‘cretinos que não merecem o ar que respiram’. Acha que este tipo de linguagem é adequado ao presidente de um grande clube?

Mais uma vez você está a tirar tudo do contexto. Tudo. Esses membros abandonaram da seguinte forma o Sporting: telefonámos-lhes, a uns foi lido o comunicado, para outros seguiu por email, concordaram todos com o comunicado. Passada uma hora apresentaram, via email, a demissão. O meu tio-avô foi da Marinha, correto? Costuma-se dizer que quando um barco vai ao fundo, os primeiros a saltar são os ratos. Não acho que seja grave. Eu gosto das pessoas que chegam e dizem: ‘Quero ir embora por isto, isto e isto’. Não é aceitarem fazer um comunicado conjunto da direção e passada uma hora estarem a apresentar a sua demissão. Acho que o artigo deles é lamentável – que é coisa que você não fala – e acho que a minha resposta foi muito institucional.

Podia ter sido mais contundente?

Aí foi uma resposta altamente institucional. Quando os encontrar hei de lhes dizer na cara aquilo que realmente acho sobre eles e sobre o que fizeram durante cinco anos. Depois está a dizer que noutra ocasião…

Exato, depois da Assembleia Geral.

Mas isso é a minha ideia de Portugal. E não tenho medo nenhum de o dizer. Portugal tem uma elite bafienta. Aliás já ouvi isto em todo o mundo – já ouvi o Presidente da França, a chanceler da Alemanha, o presidente dos Estados Unidos dizer o mesmo. Há de facto uma elite bafienta em Portugal. Por sorte ou por azar são quase todos do Sporting. Acho que não tem mal nenhum dizer-se a verdade. Aliás estou farto de dizer que o Bruno de Carvalho é muito mais do que um homem do desporto. Se um dia quiserem falar comigo sobre economia, sobre a sociedade, sobre o que entenderem vão-se espantar. Podia falar sobre os erros que acho que as sociedades estão a cometer, dizer por exemplo que a crise financeira é uma consequência da crise de valores… Podia dizer-vos tanta coisa que vocês veriam o mundo de uma forma totalmente distinta se quisessem um dia ter conhecido de facto o Bruno de Carvalho. Nunca quiseram conhecer. Disse que eu sou polémico e gosto de ser polémico. Não: eu sou genuíno, frontal, mas o melhor chavão é chamar polémico. Não gosto de começar guerras, mas estando lá dentro pago para não sair. Isso é verdade, mas não faz de mim um belicista. De facto vocês quiseram conhecer pouco a pessoa, que tem ideias muito concretas sobre a sociedade e para onde é que estamos a evoluir.

Não gosta da etiqueta de polémico, prefere dizer que é frontal. Mas não diz certas frases para produzir uma certa reação, para espicaçar, como quando disse ao Expresso que ‘é preciso criar fama de maluco’?

Não. Ao Expresso disse uma coisa em que acredito piamente, que foi o meu tio-avô que me ensinou. Para se ter sucesso na vida – estamos a falar de períodos negociais difíceis – primeiro é preciso criar fama de maluco, depois é mantê-la. 100% de acordo. Ganhei muita negociação dessa forma e fiz milagres no Sporting, resolvendo problemas com 20 anos exatamente porque as pessoas acham que sou maluco.

Faz coisas para que as pessoas acreditem que é maluco?

É verdade. Só que chega um ponto em que a fama já lá está, não é preciso continuar. Durante muito tempo tive que ir mantendo essa fama. Agora já não, numa sala de negociações as pessoas já têm essa certeza, não preciso de fazer mais posts de Facebook.

Em que é que isso lhe dá vantagem numa negociação?

Ganho as negociações todas.

Mas não corre o risco de deixarem de o levar a sério?

Vamos a factos. O problema com quase 20 anos da Galp, resolvido – check. Melhor negócio dos direitos desportivos em Portugal – check. Tinha cerca de 21 milhões em contingências com os bancos – problemas que estavam em tribunal ou que podiam acontecer e que tínhamos de ser nós a arranjar o dinheiro. Só faltam dois milhões. Se acha que não me levam a sério, então imagine se levassem…

Mas não acha que às tantas deixam de dar importância ao que diz?

Diga-me qual foi a negociação que eu perdi até hoje.

Não digo em termos de negociação, digo em termos de opinião pública, de credibilidade.

Eu achava que a credibilidade vinha só dos resultados. Em termos de resultados não tem igual. Lembro-me de um ex-presidente que gritava em 2013 – gritava – que eu tinha de ir para o manicómio porque o clube estava falido e não havia hipótese nenhuma. Tinha de vender o clube, tinha de vender a SAD. Isso para mim é que é perder a credibilidade. Sabe o que é não perder a credibilidade? No primeiro programa tinha 120 medidas, cumpri as 120. E neste tinha 112, por causa do aniversário do Sporting, e já tinha cumprido 95, num ano e meio. Isso é que é ganhar credibilidade. Vá ao setor bancário e pergunte se tenho credibilidade ou não. Vá às pessoas que negociaram comigo. Não confunda a perceção das pessoas, que é a do velho à janela a quem já não liga nenhuma – aí concordo -, com a eficácia que eu mantive. No pior ataque que qualquer pessoa sofreu neste país, consegui treinador, apesar de ter os melhores do mundo a pedirem para ninguém aceitar, consegui ter equipa médica, apesar de ter tudo o que era classe médica a pedir para não aceitarem, consegui jogadores e ainda consegui, falando diretamente com o Florentino, que uma dívida que o Sporting tinha passasse para mais tarde, por causa da nossa amizade. Se acha que isto é falta de credibilidade, eu não acho.

Às vezes deve ser muito desgastante ter meio mundo contra si.

Por isso é que eu vou dividir isso pela minha equipa. Todos vão dividir irmãmente e deixar-me trabalhar. A partir de agora quando eu falar, Portugal treme. Mas também vou falar pouco. Neste momento tenho de me defender, até porque o Sporting não deve perder um presidente com estas características, por isso tenho de ter pessoas que deem a cara e não se desgastem. Eu aparecerei quando for preciso dar um murro na mesa, o que será uma, duas vezes por ano. Vocês estão fartos de me perguntar pelas guerras mas ainda não houve nenhuma vez em que me dissessem que eu tinha razão em todas elas. O que acho giro é como alguém chega ao desporto e numa semana percebe o que está a acontecer, neste momento as provas já existem, e ainda falam das guerras do Bruno e não dos erros e dos crimes dos outros.

Mas quando chegou ainda o Benfica não estava neste ciclo de vitórias contínuas. Na altura foi o Porto que se sagrou tricampeão. Acha que já havia este esquema montado pelo Benfica?

Tem de perguntar à Polícia. Ou ainda não percebeu que é roda-bota-fora? 

Esse esquema ainda se mantém, ou com as investigações todas que têm decorrido esta época já foi diferente?

[ri de forma sarcástica] É preciso mais anos para terminar com esse sistema. Isto começou quando eu, com coragem, perante aquele que se dizia que era o comentador mais difícil da televisão portuguesa, pus em cima da mesa os vouchers. Tudo começa aí. A partir daí… Não me diga que é daqueles que acham que as investigações só começaram quando se começou a mostrar na televisão os emails… Os vouchers iniciaram uma série de investigações muito interessantes.

Diz que é um sistema rotativo entre Benfica e Porto. Mas o Sporting reatou as relações com o Porto. Não há aí uma incongruência?

Incongruência de?

De atitude. O Sporting não tem relações com o Benfica. Está-me a dizer que houve uma espécie de ‘Tratado de Tordesilhas’ e o Porto até foi campeão este ano.

Porque foi a melhor equipa. Estes processos todos são uma ajuda grande, mas eu não inventei a roda, já se fala disto há décadas. A única coisa que fiz foi que em vez de andar a bradar contra o sistema, cheguei e mostrei: ‘Está aqui’. E depois na polícia expliquei tudo o que tinha de explicar.

Disse que não gosta de iniciar guerras mas também não vira a cara à luta. Retira um certo gozo disso, de irritar os seus rivais?

Não. Há duas coisas que me irritam solenemente: a traição, a todos os níveis, e a estupidez humana. E acho que a maior parte dos problemas que acontecem no desporto são estúpidos, portanto não tiro nenhum prazer disso. Se me dissesse que era uma guerra no bom sentido, com um bom estratega do outro lado… Adoro desafios, adoro que me obriguem a superar-me a mim próprio. Agora, tudo isto é muito básico, não tem ciência nenhuma. Basta uma pessoa deixar de ter medo.

É básico porque os protagonistas são básicos?

É básico porque o sistema é básico. Já aquilo que se passou na academia do Sporting – chapéu. Acho que foi tudo tão ao pormenor que tenho de tirar o chapéu.

Foi bem montado?

Foi muito bem montado. E aí tenho que tirar o chapéu, portanto cá está: é algo que vou ter prazer em deslindar. Todo aquele pormenor de ‘vamos pará-lo ali com esta coisa do Cashball’… foi um crime brilhante. Estou aqui para que esse crime não compense. Agora, no nosso futebol é tudo demasiado óbvio. Por isso é que nenhuma dessas guerras me deu gozo. Lembra-se da reação do representante do meu clube rival quando abri a caixa dos vouchers? Disse que eu estava a ofender a memória do Eusébio. Acha que intelectualmente isto me diz alguma coisa?

Se não lhe for permitido candidatar-se, sendo confirmada esta suspensão de sócio, como vai reagir? Impugna as eleições?

Se tudo for feito com base em ilegalidades.

Se considera que a AG de destituição foi irregular, dentro desse raciocínio as eleições nem tinham razão de existir…

Percebo. Legalmente tem toda a razão. Mas estou muito satisfeito com a equipa que tenho agora, por isso acho muito bem as eleições de dia 8. Espero que eles tenham um pedacinho de vergonha, porque se continuarem a manietar a minha capacidade de ir a eleições e de ir aos núcleos, não vou impugnar as eleições, vou fazer com que o ato eleitoral não seja possível, por estarem a cometer ilegalidades. Se continuarem a insistir nesta estupidez da suspensão, vão ter de levar comigo. E aí, quem vai sofrer é o Sporting.

Quais ilegalidades?

Por exemplo, dizerem que estou suspenso e não estou, estarem a fazer um processo disciplinar sobre um regulamento que não estava em vigor – o processo é de 4 de junho, o regulamento só entra em vigor a 4 de julho, e não tem retroatividade – e a cereja em cima do bolo da antidemocracia e da ilegalidade, terem pedido aos núcleos para não me receberem.

Disse que não acredita nos resultados da AG. Quem garante aos sócios que não conteste os resultados caso vá a eleições e as perca?

É fazer aquilo que eu propus: a criação clara de um modelo de funcionamento de acreditação e contagem de votos que deixe todas as pessoas descansadas. É uma coisa simples e elementar na democracia, ter delegados de todos os partidos. Aliás, como foi em 2013: é replicar as regras desse ano e dou-me como satisfeito.