Marcelo: Recandidatura nas mãos de Deus

Presidente mantém tabu sobre recandidatura e deixa desabafo na visita às zonas afetadas pelo incêndio de Monchique

“Está nas mãos de Deus essa decisão.” A frase é de Marcelo Rebelo de Sousa sobre uma recandidatura às presidenciais de 2021. O desabafo foi feito no sábado, de visita à aldeia de Enxerim, um dos locais onde a população teve ordem para sair das suas casas quando o incêndio em Monchique andava descontrolado. A declaração, captada em áudio pelo “Observador”, relançou o tabu presidencial sobre a corrida a mais um mandato. Mais tarde, Marcelo Rebelo de Sousa percebeu que tinha de explicar o comentário celestial.

“Como cristão, acho que em cada momento devo estar num sítio que corresponde à missão mais adequada para cumprir nesse momento. E mais: acho que devo estar aí se não houver alguém em melhores condições para estar aí. Deus logo dirá.”

Assim, fica tudo nas mãos de Deus, mas ficou claro que Marcelo também admite uma recandidatura “se não houver ninguém melhor”. A ponderação será feita em 2020. Em maio, numa entrevista ao “Público” e à Renascença, Marcelo Rebelo de Sousa admitiu não se recandidatar se o país voltasse a arder. “Voltasse a correr mal o que correu mal no ano passado, isso seria só por si impeditivo de uma recandidatura”, declarou Marcelo na altura para explicar o seu discurso mais duro contra o governo a 17 de outubro, quando pediu um novo ciclo, depois de mais de 100 mortos nos incêndios do ano passado.

A reintrodução do tema acabou por surgir num momento delicado, com o mesmo tema em cima da mesa, no dia em que o Presidente foi a Monchique e a Silves para manter o seu registo de afetos. “Estas câmaras são perigosíssimas”, confessou no final do dia, em Almancil. O Presidente também visitou a feira medieval de Silves e voltou ao registo habitual ao chamar a atenção das televisões para a feira. “Quero que vejam bem.
E ainda há oito dias para vir cá, que é uma forma de ajudar Silves”, pediu Marcelo Rebelo de Sousa, que regressará ao concelho e a Monchique em setembro e outubro. E recebeu promessas de atividades ao ar livre com massagens ou natação. “Massagens? Basta só natação”, avisou Marcelo.

No sábado começou o dia a ouvir pessoas afetadas pelos incêndios, a distribuir abraços e beijos e a ouvir queixas da atuação da Proteção Civil ou da evacuação forçada de algumas aldeias. “Foi um susto, um pesadelo”, disseram vários populares a Marcelo. O presidente ouviu, considerou, nalguns casos, que o “pesadelo já acabou”, mas foi prometendo aos populares que o cumprimentavam que iria acompanhar quem o fogo fustigou na semana passada.

O Presidente, que esteve em silêncio durante cinco dias sobre o combate ao maior incêndio da Europa em 2018, deixou um recado nada velado ao governo pela sua estratégia de comunicação durante a semana. “O que eu sugeriria humildemente era o seguinte: sem triunfalismos, que não se justificam, sem juízos negativos definitivos já, mas sim preocupações, desabafos e sugestões para o futuro. Vamos terminar esta batalha, esta guerra e esta época [de incêndios]”, afirmou, citado pela Lusa.

 

O chefe de Estado sugeriu também a criação de uma comissão permanente a funcionar sob a égide do parlamento para ajudar o governo e Belém a fazerem a avaliação dos fogos. Ora, na Assembleia acabou de ser publicado um diploma que cria um observatório para o efeito cuja missão é “uma avaliação independente dos incêndios florestais e rurais que ocorram em território nacional, prestando apoio científico às comissões parlamentares com competência em matéria de gestão integrada de incêndios rurais, proteção civil, ordenamento do território, agricultura e desenvolvimento rural, floresta e conservação da natureza”. O diploma já existe, mas o observatório só tem um ano de vida para funcionar. O presidente quer mais e pediu aos deputados uma comissão permanente. O PSD já prometeu que não será “meigo” a pedir explicações ao governo e o i sabe que o CDS avalia condições para pedir a antecipação da reunião da comissão permanente, o órgão que funciona quando a Assembleia da República está de férias.
A próxima reunião realiza-se em setembro. O PCP considerou também que se verificou “o incumprimento de várias das medidas que foram inscritas no Orçamento do Estado de 2018” no combate aos incêndios em Monchique.