Evacuar as populações?

O grande investimento a fazer não é nos bombeiros, nos carros e nos aviões Canadair, mas na deteção precoce. Através de torres de vigia, meios aéreos e drones.

Assustado com as mortes do ano passado em Junho e Outubro, o Governo deu ordens terminantes à Proteção Civil para, em caso de incêndio florestal, dar prioridade absoluta à evacuação das populações. Dito de outra maneira: a primeira coisa a fazer era tirar as pessoas das casas – e depois logo se veria.

Estas ordens também vinham ao encontro das declarações feitas no ano passado pelo Presidente da República – que ‘ameaçou’ renunciar ao cargo caso uma tragédia semelhante à de 2017 voltasse a ocorrer no seu mandato.

Assim, viram-se pessoas ser retiradas das suas casas à força. Uma cena pungente mostrava um homem de idade avançada exibindo o braço inchadíssimo e vermelho por ter sido, segundo ele, levado de rojo por um agente da GNR, «como se fosse um cão». Indignado, o homem recusara-se a sair da aldeia. 

A estratégia governamental é compreensível em dois planos. Por um lado, o Governo defende-se: um novo incêndio com mortes pô-lo-ia em xeque e poderia obrigá-lo à demissão. Por outro lado, a vida das pessoas deve estar primeiro que tudo. 

Mas levantam-se, mesmo assim, algumas dúvidas. Aquele velho – e muitos outros velhos e novos – não queria sair da sua casa porquê? Porque achava que seria ele quem melhor a poderia defender. Que garantias tinha o homem de que, caso dali saísse, os bombeiros salvariam os seus haveres? E o que sentirá uma pessoa a separar-se da casa onde vive, deixando para trás as memórias de uma vida, o que juntou ao longo dela, os seus cães, o seu gado – entregando tudo à incerteza? Que angústia não sentirá?

E há ainda outra questão. Uma das causas da propagação mais rápida dos incêndios é a desertificação do território. As pessoas fugiram do campo para a cidade, deixaram as terras ao abandono – e isso deu caminho livre ao fogo. Ora, se em cima dessa desertificação as autoridades tirarem as pessoas das suas terras e das suas casas nestes momentos, pior será.

Se o território já está desertificado, mais desertificado fica. A ajuda das populações para defender as suas casas e as suas aldeias, que antes era preciosa, deixa de existir. As pessoas são concentradas em pavilhões, onde ficam sem notícias sobre se os seus bens arderam ou não. Devem sofrer horrores.

Não seria mais sensato evacuar apenas os velhos, os doentes e as crianças, deixando as pessoas válidas ficar nos seus lugares para ajudar os bombeiros?

 A verdade é que agora, em Monchique, foi assim que algumas pessoas salvaram os seus lares, depois de se terem recusado a abandoná-los.

Um ano depois dos terríveis incêndios do ano passado, quando se dizia que as coisas estavam muito melhores, verifica-se uma tragédia de grandes proporções, com o fogo a lavrar descontroladamente durante dias a fio. O primeiro-ministro António Costa, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e o próprio Presidente da República disseram que tudo este ano correu muito melhor, que a prevenção funcionou.

Ora, soou um pouco a ridículo ouvir dizer tudo isto numa altura em que as chamas continuavam a avançar sem controlo e as aldeias eram evacuadas. 

Se agora correu bem, o que seria ter corrido mal?

E o que pensarão as pessoas que perderam tudo? Pensam, com razão, que a prevenção, afinal, não serviu para nada! Que todo o esforço que fizeram foi em vão. Que o dinheiro gasto foi deitado à rua.

Julgo que, apesar do que se disse, não fizemos o essencial. Um fogo tem de se atacar à nascença.  No início, um incêndio é uma fogueira; uma hora depois é um inferno. Um monstro incontrolável.

Portanto, o grande investimento não é nos bombeiros, nos carros, nos aviões Canadair. E a limpeza das matas, embora estimável, não resolve os problemas. O grande investimento a fazer é na deteção precoce. Através de torres de vigia, através de meios aéreos, através de drones – sinalizando os incêndios à nascença. E atacando-os depois de uma forma brutal, com muitos meios, não deixando que se propaguem. 

Para isso, é também importante a existência de aceiros, que facilitem as deslocações dos bombeiros e criem linhas de corte na floresta.

Quando as chamas ficam à solta, já não há nada a fazer. Quando é que o poder político interioriza esta ideia e investe em força na deteção precoce dos fogos? Quantas centenas de milhares de hectares de floresta terão ainda de arder?