Teólogos acusam Papa Francisco de adulterar sentido das Escrituras

Grupo de meia centena de intelectuais fala em “situação gravemente escandalosa” na Igreja, a propósito da recente alteração ao Catecismo sobre a pena de morte 

É um apelo inédito aos cardeais da Igreja Católica. Depois de o Papa Francisco ter alterado a redação do Catecismo da Igreja Católica sobre a pena de morte,  um grupo de cerca de meia centena de filósofos, teólogos e escritores de várias partes do mundo escreveram uma carta em que acusam o sumo pontífice de contrariar o que está escrito nas escrituras. O grupo de intelectuais – onde se incluem padres e professores de Ética, Filosofia, Direito ou Teologia de instituições de prestígio como a Universidade de Oxford – pedem aos cardeais que aconselhem o Papa a voltar atrás numa decisão que consideram “gravemente escandalosa”, pondo assim em causa a infalibilidade do sumo pontífice.

Recentemente, o Papa Francisco fez uma revisão ao Catecismo da Igreja Católica no capítulo que diz respeito à pena de morte. Até ao início deste mês, o texto (cuja última versão datava de 1992) admitia o recurso à pena máxima, se aplicada “como uma resposta adequada à gravidade de alguns delitos” e “para a tutela do bem comum”. Mas Francisco alterou a doutrina e o Catecismo passou a dizer que a pena de morte é “inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa humana”.

Ora o manifesto dos teólogos – que começou por ser subscrito por 45 intelectuais, mas que já vai com mais de 70 nomes – garante que esta alteração significa “contrariar a Sagrada Escritura”. Isto porque, sustentam, existem várias passagens na Bíblia que afirmam que “a pena de morte pode ser um meio legítimo de assegurar a justiça retributiva”.“É uma verdade contida na palavra de Deus (…) que criminosos podem, legalmente, ser condenados à morte pelo poder público quando isso se mostra necessário para preservar a ordem na sociedade civil”, lê-se na carta, que acusa o Papa Francisco de lançar a confusão: “[O Papa] já manifestou publicamente – mais do que uma vez – a sua recusa em transmitir esta doutrina e (…) tem trazido grande confusão à Igreja”.

As acusações vão mais longe, com o grupo a escrever que Francisco contraria mesmo a palavra de Deus. “Ao inserir no Catecismo da Igreja Católica um parágrafo que já está a levar muitas pessoas – crentes e não-crentes – a supor que a Igreja considera, contrariamente à palavra de Deus, que a pena capital é intrinsecamente má”, aponta o texto.

Os teólogos justificam o abaixo-assinado com o “direito expresso no Direito Canónico” de exporem publicamente o assunto para tentarem “salvaguardar a integridade da fé e dos costumes” e pedem aos mais de 200 cardeais da Igreja que “ponham fim a este escândalo, como é seu dever”. “Deverão aconselhar Sua Santidade a retirar este parágrafo do Catecismo e a transmitir a palavra de Deus de forma não adulterada”, apela o texto, recordando aos cardeais que se trata de “um dever” a que estão vinculados.

A carta foi divulgada há já vários dias, na internet, mas ainda não houve qualquer reação por parte do Vaticano – apesar de se tratar do mais violento protesto publicado contra Francisco desde que é Papa.  Recorde-se que, em setembro de 2016, um grupo de cardeais conservadores –  os alemães Walter Brandmüller e Joachim Meisner, o italiano Carlo Caffarra e o americano Raymond Leo Burke – escreveram ao Papa, acusando-o de lançar a confusão com a publicação da encíclica “Amoris Laetitia” [”Alegria do amor”], em que Francisco propõe que a Igreja seja mais acolhedora face às realidades das famílias contemporâneas, admitindo que os divorciados possam, em alguns casos, aceder à comunhão. O Papa preferiu ignorar os cardeais e nunca respondeu à carta.