Novo ministro da Economia é casado com presidente executiva de uma associação de setor que tutela

De todos as polémicas que ensombram os novos governantes nomeados por António Costa, a que poderá revelar-se mais problemática é a de Pedro Siza Vieira – que, com  a recente remodelação, passou a acumular o cargo de ministro Adjunto com o de ministro da Economia. 

Por causa das coisas (da relação passada de consultoria com os chineses da EDP), a Secretaria de Estado da Energia (agora de João Galamba) passou para a tutela do Ambiente. Mas Siza passou a tutelar a área do Turismo e é casado com a presidente executiva da Associação de Hotelaria de Portugal (AHP) –   situação que, garantem especialistas ouvidos pelo SOL, é «incompatível». Além disso, o novo ministro da Economia está à espera de uma decisão do Tribunal Constitucional (TC) – que poderá ditar a sua saída do Governo – por ter criado uma empresa a meias com a mulher na véspera de tomar posse como membro do Executivo de António Costa.

Sobre a primeira polémica, o gabinete de Siza tem desvalorizado. Garante que «não há incompatibilidade», porque Cristina Siza Vieira é «funcionária da AHP, uma associação privada sem fins lucrativos» e, além disso, «nos termos da lei não existe incompatibilidade em ser cônjuge de trabalhador ou dirigente de qualquer empresa ou associação do setor em que o membro do Governo atua». Contudo, e apesar das aparentes certezas do seu gabinete, ontem Siza Vieira admitiu que pedirá escusa se tiver de intervir em matérias que envolvam a AHP. «Se, porventura, alguma vez uma questão tivesse que se colocar dentro da ação governativa que agora me cumpre acompanhar que dissesse respeito à associação [a que preside a mulher], declarar-me-ia impedido de atuar», afirmou. 

Ora, os especialistas ouvidos pelo SOL estranham as declarações do ministro. «É, no mínimo, incongruente. Se considera que não existe incompatibilidade, por que razão admite pedir escusa?», começa por questionar Susana Coroado, investigadora que se tem dedicado a estudar os lóbis portugueses e a forma como influenciam decisões políticas. A especialista avisa, por outro lado, que a escusa de um ministro é «um procedimento impensável e que levantaria imensos problemas práticos». Entretanto, o gabinete de Siza também já tentou explicar que as «competências do ministro relativas ao setor do Turismo» estão «delegadas» na secretária de Estado do Turismo, mas o argumento não colhe do ponto de vista jurídico. «O secretário de Estado responde sempre ao ministro», esclarece Susana Coroado. 

A renúncia na Saúde

E haverá incompatibilidade legal no que diz respeito à AHP? O presidente da Associação Transparência e Integridade, João Paulo Batalha, não tem dúvidas e assegura que o conflito de interesses é «evidente». «Até agora, a associação, se queria influenciar o ministro marcava uma reunião com ele e ia falar ao gabinete. Agora, só precisa que ele chegue a casa», ironizou, à TSF.

Susana Coroado tem o mesmo entendimento e explica que os argumentos de que a AHP é uma associação sem fins lucrativos  e de que não há nenhuma lei que impeça cônjuges de exercer  «não servem». Isto porque o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos só se refere, de facto, a «sociedades» e não a associações, como é o caso da de Cristina Siza Vieira. Mas há ainda o Código de Conduta do Governo e o de Procedimento Administrativo, sendo que este último é taxativo: há «impedimento» em casos que envolvam o «cônjuge ou pessoa com quem [o governante ou dirigente] viva em condições análogas às dos cônjuges».  «E mesmo que não houvesse incompatibilidade jurídica, haveria no plano ético», remata a especialista. Talvez por isto, o marido da nova ministra da Saúde, Marta Temido, tenha renunciado ontem  à presidência do Conselho Nacional de Saúde, ainda que Jorge Simões tenha justificado a saída com «motivos pessoais».  

Independentemente do desfecho da polémica, certo é que Siza Vieira terá ainda de lidar com outra pedra no sapato, por ter criado uma  imobiliária – de que era gerente e onde ainda tem metade do capital, pertencendo o restante à mulher – um dia antes entrar para o Governo. A notícia foi dada em maio e, na altura, Siza Vieira alegou desconhecer a lei das incompatibilidades, tendo renunciado ao cargo de gerente. Mas manteve a quota e o MP abriu uma investigação ao caso, por ter acumulado funções durante dois meses. O parecer do MP  já chegou ao TC, que terá a última palavra.